terça-feira, janeiro 25, 2011

genealogia (1)

no meu sangue há
comerciantes austeros de suíças brancas e longas
relógios de cordão de ouro e ar respeitável
(talvez o fossem)
um ar que se permitia pendurar-se
nas paredes de pé direito muito alto
em casas do século dezoito

trataram na ribeira das naus do que chegava do brasil da índia e
                                                                               [das partes de áfrica
alguns deixaram as mulheres e descobriram no regresso filhos
                                                                    [com treze meses de gestação
alguns deixaram as mulheres e descobriram-se pais de outros
                                                                        [filhos em paragens distantes
perdoai-lhes senhor
que todos sabiam o que faziam

foram vizinhos do bernardo soares
sem que o notassem
estiveram cercados à fome pelos castelhanos em mil trezentos e
                                                                                    [oitenta e quatro
circularam em contágio de curiosidade entre o carmo e o arsenal
                                                                                    [no vinte e cinco de abril
sem espalhafato que a sua política era o trabalho
vaguearam doidos varridos quando o grande terramoto lhes
                                                                                    [ruiu bens e família
sobreviveram como puderam aos exércitos de bonaparte e à
                                                                                    [tropa de beresford

em lisboa há séculos
pergunto(-me) o que são e de onde vieram

prosperaram e caíram
o triunfo não era da sua natureza
acertavam quando calhava para tudo se desconjuntar na geração
                                                                                      [seguinte
cabeças no ar e mau vinho
importação de fruta exótica e lugares na praça da figueira
prédios no bairro alto e campo de ourique habitação ao rossio
cruzaram-se com o eça quando ia visitar os pais chegado de paris
mas também não deram por isso.
já ninguém mora nas casas pombalinas e o soalho deixou de
                                                                                      [ranger

desde então a família circula dispersa-se e desfaz-se

10 comentários:

rose marinho prado disse...

Não faltará o autor?

Ricardo António Alves disse...

Está na etiqueta.

rose marinho prado disse...

A atenção ao texto me subtraiu a etiqueta. Volto depois p comentar.

Ricardo António Alves disse...

Acho que vou retirar o RAA, porque está a encher-me o índice nuvem lá em baixo (tenho quase seis anos para fazer!...)

Manuel Nunes disse...

Malhas que o Império tece. Deus quis que a terra fosse toda uma E OS HOMENS NELA SE DISPERSASSEM. Valeu a pena? Tudo vale a pena QUANDO OS MARES SÃO LETRAS E OS PORTOS VERSOS.

Ricardo António Alves disse...

É verdade, bravo Manuel: do Camões à Sophia, tem valido a pena.
Um abraço.

rose marinho prado disse...

Não entendi nada os seis anos de nuvens. Mas não precisa explicar, deve ser coisa técnica.
Ricardo por certo é melhor que RAA, ainda que RAA seja parecido com personagem de história em quadrinhos.

....ainda não tive hora p ler o poema, ler lendo mesmo.
O dia me chama com tarefas tolas como carregar azulejos e tijolos. Uma mulher disse: "Espere o motorista de papai"?
Sou mulher de esperar motorista de papai? Ralei a mão , quase tive um treco, mas fazer força é bom p uma mulher,....dá segurança ...

Volto depois a ler seu poema, como se deve.

Ricardo António Alves disse...

E é mesmo, Rose, não faça caso.
Calculo...
Desvanecido.

C. disse...

Moondance "ao alto" e uma família com este calibre já me valeram a visita.
Linda esta escrita de "laços familiares". Seguramente mais do que afinidades electivas :-)))

Ricardo António Alves disse...

Obrigado, generosa C.
Um abraço.