Lisboa, 7 de Fevereiro de 1949
Exm.º Sr. Professor Dr. Marcelo Caetano:
Acuso recebida a carta de V. Ex.ª datada de 5, que só hoje li por ontem ter sido domingo e, enviada para o meu escritório, só hoje me chegou às mãos.
Não desejo travar polémica com V. Ex.ª, nem pretendo voltar mais ao assunto, mas a carta de V. Ex.ª sugere-me certas observações que, como sempre, lealmente faço.
1.º -- Uma personalidade da responsabilidade política de V. Ex.ª não deve contentar-se com «informações diversas» para fazer afirmações da natureza das que fez, relativamente à minha posição política, sabendo, mais a mais, que a censura não permitiria total rectificação, como neste caso se deu, por isso que, conforme carta que possuo do Exm.º Director do Diário Popular, trechos houve da carta que dirigi a V. Ex.ª que foram cortados pelo lápis azul.
2.º -- Ainda que concedendo como concedo, é de estranhar que não tenham passado pela cabeça de V. Ex.ª as possíveis consequências da sua afirmação, sabendo-se, como se sabe, a forma por que são perseguidas as pessoas suspeitas de simpatia com o Partido Comunista. Ora, V. Ex.ª, declarando que eu possivelmente advogava a fusão de um partido socialista com o Partido Comunista, devia prever que bem poderia fazer incidir sobre mim, senão neste período pelo menos findo ele, uma acção de natureza policial.
E, repare V. Ex.ª: se eu, sem ser comunista, ainda há menos de 2 anos experimentei bem amargos setenta e sete dias de isolamento na Penitenciária de Lisboa, fechado dia e noite numa cela, sem poder produzir qualquer trabalho, sem ter sequer a meia hora diária de ar livre -- que se não nega nem aos assassinos nem aos gatunos --, sem poder ter comigo um lápis ou uma caneta, e um bocado de papel, o que não me poderia estar guardado, agora, com esta inocente recomendação de V. Ex.ª?!
3.º -- Insisto: não sou comunista, não sou dirigente socialista, não encabeço qualquer corrente doutrinária; sou republicano, partidário de uma democracia actual e progressiva que, orientando-se no sentido do socialismo, faça, sem abalos escusados, as profundas reformas sociais e económicas que entendo o País necessita sejam feitas. Não me interessa a colaboração com o Partido Comunista; o que me interessa, como democrata, é que a todo e qualquer partido político seja reconhecido o seu direito de cidade. Não percebo, por isso, muito bem a referência que V. Ex.ª faz acerca da minha «simpatia pela colaboração com os comunistas». Suponho que já é mais do que tempo de todos os portugueses serem leais uns para os outros, e não me parece que esta forma, usada na sua resposta, esteja perfeitamente de acordo com essa lealdade. Estarei em erro? Só V. Ex.ª me poderá esclarecer.
De V. Ex.ª, com a devida consideração
Pela Liberdade
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