Anitas
Não te escrevi logo que cheguei, mas não te fiz esperar muito, porque é esta a terceira carta que mando para o correio.
Dizendo-te que cheguei a salvamento a esta vila de Ovar e que continuo gozando uma boa disposição de corpo e de espírito, dou-te a única notícia que neste momento me é possível dar-te; a não ser que desejes que eu te fale no tempo porque nesse caso dir-te-ei que anteontem e ontem choveu desenganadamente, coisa de que muito gostei por já estar mal habituado a essas finezas do inverno, do qual vou sentindo saudades.
Ontem de tarde parecia-me um dia de magustos, pela escuridão, pela chuva e até pelo tocar dos sinos a defuntos. Tinha morrido não sei quem e, em homenagem, todos os sinos da terra executavam cabriolas atordoadoras.
Hoje aparece o tempo com uma cara menos rabugenta, mas já se pode andar pelas ruas sem receio de morrer de calor ou de voltar para casa com uma cor semelhante à de uma batata assada na fornalha.
Tudo isto me indica que o verão anda fazendo as suas despedidas, porque em breve nos vai deixar. Que vá, que vá; para falar a verdade, eu não hei-de morrer de saudades.
Brevemente haverá cá em casa a primeira desfolhada; o outro sinal de que está o inverno à porta. Eu já vou vestindo o meu casaco grosso para o receber como é devido, no momento de ele vir para aí de um momento para o outro.
E tu que fazes? Quando principiam as tuas férias e que fazes depois delas principiarem? Vens a Ovar, vais tomar banhos ou em que outra coisa te ocupas? Responde-me a estas perguntas, quando me escreveres. Faze visitas à mamã, tia, manos e a toda a família e supõe que te dá um abraço
Ovar, 28/8/1863.
o teu tio e sempre muito amigo
Joaquim Guilherme Gomes Coelho.
Cartas e Esboços Literários, edição de Egas Moniz
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