Fui ler. O artigo de Maria de Fátima Bonifácio não passa dum arrazoado de generalizações da vox populi, de que a senhora irremediavelmente é porta-voz, sem um mínimo de problematização e muito menos sofisticação. Parte de generalizações e lugares-comuns sobre ciganos e africanos para deles extrair uma representação geral que é indigna de qualquer intelectual, condição a que Bonifácio renunciou para juntar-se aos venturas e outros espertalhões de feira.
Mas nem pensar admitir que o Estado, através do ministério público ou do governo, se atreva a proceder contra a senhora, que se autodesqualificou com aquele texto, duma indigência que só encontra paralelo nas chamadas 'redes sociais' ou nas caixas de comentários dos jornais, era o que faltava. A estupidez institucional é muito pior e mais danosa do que a nesciedade individual. Bonifácio é uma cidadã que goza do direito à opinião e de liberdade de expressão, pelo que qualquer tentativa de criminalização não pode ser admitida e deve ser contestada com a mesma veemência com que se tem de combater o racismo e a xenofobia -- e, já agora, as organizações criminais que passam por entidades políticas e concorrem alegremente a eleições. Causas como o combate ao racismo, à xenofobia e a outras exclusões dispensam bem os polícias da linguagem e os agentes fardados do controlo do pensamento. Ideias básicas ou parvas combatem-se com argumentos; no caso de desonestidade intelectual, há sempre recurso à ironia queirosiana. Costuma ser mortal.
8 comentários:
Bravo pelo texto. Mas lamento discordar num aspeto, como de costume.
A sátira e a ironia não resolvem o problema do racismo porque a maioria dos racistas não as compreendem e os que as compreendem limitam-se a sentir-se ofendidos por elas e a relegar os satíricos para agentes de uma qualquer conspiração mundial que visa substituir os europeus por outros povos.
Estas ideias, que se ouviam nos anos 30, são de novo de difusão corrente, pode crer, porque já tive que aturar quem as debita...
Também lamento que ninguém com responsabilidades tenha tido a decência de escrever o que o meu caro escreveu. Nem João Miguel Tavares, nem José Manuel Fernandes, nem sequer Manuel Carvalho que tentou emendar a mão e passou demasiado tempo a tentar justificar uma escolha editorial imbecil.
Os intelectuais gozam em Portugal de uma espécie de impunidade que seria inaceitável no comum dos mortais. Carrilho pode ser uma personalidade detestável mas acertou em cheio quando qualificou certas opiniões de Vasco Graça Moura como bárbaras. O que aconteceu? Caíram-lhe todos em cima (de Carrilho).
Felizmente agora foi algo diferente, mas ninguém concebeu deixar de ser amigo e admirador da Profª Bonifácio por aquilo que ela escreveu. Eu ainda sou do tempo em que a reputação demorava muito tempo a adquirir-se mas se perdia num minuto.
Salvaguardo, evidentemente, a possibilidade de a Senhora se retratar. Mas deve escrever, sem tergiversações, que se comportou como uma imbecil que publicou um texto baseado no 'achismo' (o exemplo da cabo-verdiana racista que resolveu dar é absolutamente egrégio - nunca ouviu falar de racismo entre brancos?? Será que isso nos torna a todos igualmente racistas e irrecuperáveis?).
A Liberdade de Opinião não deve ser posta em causa. Mas o seu exercício pode e deve ter consequências, como tenho vindo a afirmar. E a ostracização no espaço público pode bem ser a primeira delas...
Viva.
Sim, claro, não resolve, caso contrário o RAP tinha acabado com o pnr.
Creio que o paralelismo com os anos 30 é um pouco forçado: nessa altura toda a África era uma grande colónia europeia e os negros eram infantilizados («Tintin no Congo»...).
Ainda não li ninguém; nem o MC (vai para ao nónio ou lá o que é...).
O VGM era a pena de morte em alguns casos, não era?
Quanto à senhora, não vale a pena dar-lhe grande importância, porque é isso que ela quer.
Quanto à ostracização, meu caro, receio bem que não seja possível; e há também alguma utilidade em andarem a a descoberto, assim vêem-se melhor.
A crónica tinha até que ver com a descrimiknação positiva das minorias, algo sobre o qual não pensei, e que faz todo o sentido ser discutido; mas a parvoiçada da senhora foi de tal ordem, que ficou só o bate-papo de basta e chinelas da D. Fátima, do rés-do-chão para a vizinha do 1.º andar.
Da experiência nos EUA, o affirmative action realmente permitiu a abertura do elevador social a membros de minorias étnicas e às mulheres, mas creio que criou igualmente ressentimentos (mas já não leio sobre tal coisa há muito tempo).
Isto pode e deve ser discutido, assim como pode e deve ser discutido até que ponto as medidas tomadas até este momento realmente contribuíram para a integração das minorias entre nós e o que é que cabe a cada lado fazer para corrigir aquilo que não funciona.
O estatuto de vítima de discriminação não cria um salvo-conduto moral para quem quer que seja se achar acima da Lei. Martin Luther King, justamente, ansiava por uma sociedade em que as pessoas fossem julgadas pelo seu carácter, uma característica dos indivíduos, não de grupos étnicos ou outros. Era claro que não atribuía a ninguém um estatuto de santidade, queria apenas que todos fossem julgados por igual e como indivíduos.
Se Bonifácio tivesse lembrado isto (embora creio que ninguém com juízo negue tal coisa) e tivesse citado dados concretos para fundamentar a sua oposição ao sistema de quotas, eu não teria nada a obstar.
Em vez disso, a Senhora Professora Catedrática resolveu comportar-se ao nível da conversa do café (e com um nível de linguagem semelhante), sem sequer ter a desculpa da ignorância de quem normalmente debita as bojardas com que ela nos brindou. A quem mais foi dado, mais é exigido...
Finalmente, não disse que as condições são iguais às dos anos 30, desde logo os racistas e fascistas atuais procuram redefinir o que é o racismo porque têm vergonha de ser acusados de tal coisa. Os racistas dos anos 30 eram-no de forma orgulhosa e tinham um programa político muito mais estruturado (e terrível). Mas que há pontos em comum há.
Ah, pois e o RAP também teria despachado o Dr. Estranho-Ventura de uma penada (esta é mais recente :) )...
É isso mesmo, pode e deve ser discutido.
também não tenho posição sobre o assunto, pois falta-me reflexão e sobretudo competência. Mas há para mim algo que é muito claro:
Sou favorável, sou mesmo entusiasta, a tudo o que possa eliminar as desigualdades, ou pelo menos corrigir, atenuar, até á sua desejável eliminação -- objectivo de que nunca poderemos abdicar, por muito quimérico que ele se nos afigura; mas com políticas a sério, e não farsas viradas para a estatística, como sempre sucede, desgraçadamente, em todas as áreas, maxime a da educação.
A Prof.ª Bonifácio é um triste exemplar da universidade portuguesa, que em muitos sectores anda pelas ruas da amargura -- basta a ver a estúpida exigência de produzir em série para revistas, e estrangeiras, pois claro, que provincianos somos, com a inevitável queda na irrelevância, no plágio e na fraude, pois disso depende a manutenção do posto de trabalho ou a progressão na carreira. Enfim, misérias.
Não estou a par dessas reescritas quanto ao racismo; e continuo a achar, se calhar mal, que o nosso racismo é mais classista que étnico.
Quanto ao RAP, atenção ao fim-de-semana, que ela não perde pela demora.
Todo o racismo tem uma componente de classe. É mais fácil odiar quem é pobre, especialmente se tiver a pele escura (e os pobres estão normalmente todos tisnados pelo Sol, não é?).
Não sei se o nosso racismo é tão estruturado como aquilo que se ouve lá fora, mas que tem adoptado algumas das suas bandeiras, tem. Aqui atrasado, um energúmeno qualquer publicou um texto sobre a tese da 'grande substituição' no Público e, talvez porque fosse um zé-ninguém, ninguém reparou no artigo. Era bastante pior que o de Bonifácio...
Quanto à necessidade de publicar em série em revistas, de acordo, mas a questão de serem estrangeiras não tem que ver com saloíce e sim com
a escassa difusão das nossas, como bem sabe. Para se ser citado, é preciso ser-se lido primeiro...
O que considero um escândalo é que pessoas que manifestamente são incapazes de ensinar acabem contratadas meramente porque o seu índice h está acima de um certo limiar. É preciso fazer-se investigação para nos mantermos actualizados, mas não chega. E, devo dizê-lo, o melhor Professor que tive na Universidade esteve anos sem publicar um único artigo...
É mais fácil odiar um pobre, seja qual for a cor da pele...
Essa é boa. Um bom exemplo de provincianismo, querer trazer para cá questões que, ou não se põem ou não têm dimensão. Mas hão-de pôr-se, ora essa, que nós não podemos perder esse comboio. Só não sei bem quem nos irá substituir, nós, tão mouros e tão louros, tão judeus e tão celtas, tão magrebinos e tão itálicos. Racismo entre nós, é coisa para mentecaptos do prn ou, lá está, posto a servir e a render nas bolsas dos venturas.
Com isto, não quero minimizar os perigos dessas agendas, que artigos patetas como o da Bonifácio vem dar fôlego -- aquele texto só pode sair da cabecinha de um pateta ou de alguém que perdeu o juízo, pois além das asneiras que toda a gente apontou, levanta questões que não existem, como o de excluir os ciganos, tradicionalmente tão devotos, da Cristandade (qual Cristandade?, há várias); ou os negros, valha-me deus -- basta lembrar a velha Abissínia do Preste João, em que o cristianismo já existia quando, aqui na ponta da Europa, há quase 900 anos foi esboçado o rectângulo.
Quanto às revistas, é provável o que diz, mas só se aplica a quem investiga e trabalha apenas pelo 'simples' propósito de o fazer, e não por interesses de carreira e dos carreiristas, que vicejam sempre, em todos os ambientes.
O que você diz desse professor é exemplar -- hoje, se fosse um jovem docente, estaria tramado, provavelmente no desemprego, algo que não sucederia aos medíocres dos colegas, com muito lixo académico nos currículos, de nula relevância.
a verdade é q ela já merece aqui uma etiqueta :D
obrigado pela lembrança... :\
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