sábado, outubro 27, 2007

Do tempo e dos costumes

Ia com as mãos a abanar quando cheguei à consulta do meu osteopata americano -- ou com os bolsos a tinir: parece que as caixas multibanco, pelo menos em Cascais, tinham entrado em curto-circuito e não havia dinheiro para ninguém. Lá me desculpei e ouvi os maiores protestos de confiança na minha presumível honestidade, acima de qualquer suspeita. Particular credito neste seu paciente de vértebras destrambelhadas pelas mais dissolutas posturas? Não especialmente. Parece que por cá não seremos muito dados à aldrabice. Pelo menos a honestidade será uma característica de quem tem problemas de coluna, mantendo-a sempre vertebral, apesar de todos os contratempos... Em vinte anos de actividade em Portugal, o meu osteopata americano só por três ou quatro vezes viu os seus serviços serem pretensamente liquidados através de cheques carecas. Algo inimaginável no seu país ou em Inglaterra. «É incrível!», dizia-me ele, sinceramente admirado.

Seremos nós mais honestos do que os americanos ou ingleses? Duvido muito. Creio que o que tem defendido o meu osteopata americano de ser vigarizado pela esmagadora maioria dos seus pacientes portugueses é mesmo aquele constrangimento moral, que vem das sociedades pré-industriais, em que é condenável ficarmos em dívida para com alguém, tendo-lhe criado a justa expectativa da retribuição do seu trabalho. Não por altruísmo ou honestidade intrínseca, receio-o; mas, precisamente porque em sociedades pequenas e fechadas nada há de pior do que o apontar do dedo e o comentário depreciativo sobre quem possa haver a suspeita de não demonstrar um comportamento honrado. Quando as redes sociais se estabelecem por outros vínculos, que não os do parentesco ou os da vizinhança, já podemos ser razoavelmente desleixados para com os outros, sem temermos a sanção da comunidade. Dir-se-á que não é esse o contexto das nossas cidades cosmopolitas de Lisboa ou mesmo Cascais. É verdade, mas não nos esqueçamos de que os nossos avós só anteontem saíram das aldeias e das hortas, por isso ainda sentimos aquele imperativo social de correspondermos às expectativas ou de, pelo menos, guardarmos as aparências.
Por mim, vou já tratar de pagar o que devo, porque o meu osteopata merece -- e não vá alguém chamar-me caloteiro!... ;)

5 comentários:

ana v. disse...

Vizinho, acho que tem razão. Não gostamos de ser apontados a dedo pelos conhecidos, e este país é um quintal. Mas deixe-me acrescentar só mais uma achega. Cá para mim, a razão da nossa "honestidade" é bem mais pragmática, neste caso: não arriscamos aldrabar os médicos (ou quem nos trata das mazelas) porque sabemos que vamos precisar deles, mais cedo ou mais tarde! Temos é muito respeitinho a essa gente...

PS: Já agora, como se chama o seu osteopata americano? É o Lyle Grenz? É que ele tinha consultório aqui no Estoril, mas eu pensei que tinha acabado. E preciso de um que seja bom.

Ricardo António Alves disse...

É bem provável, vizinha.
O meu chama-se J. Jacob, e tem consultório na Bicuda (R. do Maçarico, 72-1.º Dt.º. Tel: 21 4846283). Recomendo.

ana v. disse...

Obrigada, já apontei. Nunca pensei pedir e obter informações deste género por esta via!
bjs

Ricardo António Alves disse...

Disponha, vizinha.
Outros para si.

Mónica disse...

interessante reflexão :DDD como vivo na provincia, sei bem o q isso é. ou antes, ainda há quem caia no conto do vigário, normalmente contado pelos de fora :P