terça-feira, setembro 12, 2023

András Kórodi, «Antero de Quental», poema sinfónico de Luís de Freitas Branco

2 comentários:

Manuel M Pinto disse...

PARIS/MCMXIV
SÁBADO, 12 DE SETEMBRO

«Este conflito, que representa o regresso à força bruta a falência estrondosa das ideias, porquanto apenas de tal modo os ingleses se imaginam a travar a concorrência comercial e industrial dos alemães, os franceses recuperar as províncias perdidas e, talvez, os alemães salvar a honra e estender o império, constituindo a suprema ignomínia com o seu cunho de guerra de lojistas, guerra de "revanche" ou de penacho, e visto que as ideologias se desvaneceram como bolas de sabão, dá-nos o sentimento perfeito da pequenez da Terra. A Europa converteu-se em "ring" e mais nada de interessante se passa no globo. Por seu lado, França, Inglaterra, Rússia, Alemanha, Áustria, grandes e complexas colectividades, individualizaram-se de modo tão concreto e objectivo que, ao mostrarem os bíceps sob a camisola da luta, nos parecem da espécie de Carpentier e Joe Jeannette, pugilistas. E, pois que as avistamos engalfinhadas ora por baixo, ora por cima, com nitidez, na proporção mesquinha e concisa que deriva de sua própria postura sinergética, e porque na penumbra da neutralidade, salvo os Estados Unidos, quedam apenas insignificantes, selvagens ou apáticos povos, é razoável que se pergunte: é isto o mundo? É isto o mundo; o resto consta apenas do atlas, que não passa com raras excepções dum registo de bestiário. Por outra, se nação significa polipeiro, há ainda bastantes nações; mas se ao agregado, além da personalidade vegetativa, lhe atribuirmos consciência, dinâmica própria, concurso para a obra de civilização, poucas mais há além daquelas que tão admiravelmente se esfacelam na guerra. Estas, aliás, são as que põem vulto; grandes no corpo se não na alma; as locomotoras dos mais povos.

A pequenez terrestre é tal que o regozijo ou amargura de metade do género humano cabe dentro das duas linhas dum comunicado. E as nações, depois da matança hedionda dos combates, lembram cruéis e maníacos bonecos. Que são os homens nas suas dores, na sua fúria, na sua morte, nos seus fanatismos, comparados com a eternidade que, por cima de nós, na curva do firmamento, patenteia a serena e imóvel face?! Que são comparadas com uma das infinitas areias do areal celeste, em noite de Verão, Arcturo, por exemplo, a Alsácia ou a Lorena?!

É mesquinho, bem mesquinho, o nosso mundo, visto tanto no total como na fracção em guerra, visto tanto segundo a relatividade das coisas como, quantitativamente, no seu absoluto. Que outros combatentes poderão ainda surgir? Itália, Espanha, Turquia? Tem-se a impressão de que não dariam ao conflito outra noção de grandeza. Os Estados Unidos, sim, avolumavam o monte. Curioso é que na "mêlée" o povo que ressalta seja o teutónico. Ele é o mais hercúleo; o que respira uma fortaleza ao pé da qual todo o mais fôlego é debilidade. É ele que mais se vê… e admira – porque não dizê-lo? – e não o leopardo britânico; nem o lobo russo em suas imensas alcateias; nem o temível leão de França. É dele que mais e melhor se vêem os brancos e inflexíveis pulsos de gladiador sem par.»

Aquilino Ribeiro, "É A GUERRA-Diário", (Paris, 1914). Publicado em 1934.

R. disse...

Uma interessante germanofilia crítica.E muito bem analisado, claro.