terça-feira, setembro 26, 2017

Parece que o referendo no Curdistão é anticonstitucional,,

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olha que maçada. Agora só espero que o Ocidente não faça o seu tradicional papel de filho-da-puta, e deixe cair aqueles (alguns dos) que estiveram na primeira linha contra o Estado Islâmico. Já não falo de princípios, mas de alguma gratidão.

6 comentários:

Jaime Santos disse...

A gratidão, meu caro, dá-se mal com a 'real politik'. Se os curdos decretarem a independência e isso der origem a uma intervenção de Bagdad, ou de Teerão ou de Ancara, o Ocidente vai cruzar os braços e não vai fazer nada. E, convenhamos, faz muito bem em não se meter em tal guerra. Aquilo de que os curdos beneficiam no Iraque é da autonomia possível (e parece-me que são virtualmente independentes). A defesa de princípios dá-se às vezes muito mal com a manutenção da paz, mesmo que esta seja podre. Olhe para a fraude que é a Bósnia-Herzegovina, por exemplo. E dura há 20 anos. E não tem morrido ninguém. O que não é coisa pouca...

R. disse...

Sim, não há cá bons sentimentos, sabemos bem. Mo entanto, os curdos podem ser os parceiros mais fiáveis do Ocidente, neste momento (não por acaso têm o apoio de Israel).

Por outro lado, turcos, iranianos, iraquianos e até sírios vão pensar duas, três, quatro vezes antes de uma reacção a sério contra estes nossos aliados (surpreendente contenção do governo de Bagdad, compreendo-a a esta luz).

Ali, só há dois verdadeiros actores: Estados Unidos e Rússia. Aliás, como no resto do mundo, tirando eventualmente a China, que naquela região é uma segunda linha.

O desmembramento da Iugoslávia não teve que ver com nenhum princípio; apenas com os interesses da Alemanha (e outros menores) aproveitando-se da fraqueza da Rússia (liderada pelo bebedolas do Ieltsin) e da liderança imbecil (para não variar) do Clinton (acho que foi o Clinton), juntando à herança calamitosa do Tito. Resultado: estamos lá, para os tipos não se matarem. Uma fraude, como diz.

Jaime Santos disse...

Não estou a dizer que o desmembramento da Jugoslávia tenha tido que ver com algum princípio, porque as causas foram as que indicou. Estou a dizer que se algum princípio tivesse que ser defendido, seria preciso ter dado uma lição aos sérvios da Bósnia muito mais dura do que prender uns quantos cabecilhas (as atrocidades cometidas foram inomináveis, mas a Alemanha também só foi suavemente desnazificada, por exemplo, a bem da Guerra Fria) e provavelmente assegurar uma partição em três desse País.

Agora, que o Ocidente deve assegurar-se que pelo menos Bagdad e Ancara não reagem com mão pesada sobre os curdos, com certeza. Mas isso também dependerá da capacidade de estes não declararem unilateralmente a independência. Ou seja, mantenha-se a fraude pelo tempo que for preciso...

Sabe, preocupam-me mais os direitos individuais e a preservação da paz do que o direito à auto-determinação. E isso quer dizer, claro, que atribuo alguma razão a quem diz que Portugal não deveria ter concedido a independência às colónias sem garantias de que se instalavam lá governos democráticos. O problema, claro, é que Portugal não tinha nem condições políticas internas nem força externa para isso. E, depois, por exemplo, nenhuma das ex-colónias britânicas em África se tornou exatamente uma democracia modelar, com exceção talvez da África do Sul, e isso porque Mandela era um grande homem por um lado, e porque quando o Apartheid caiu, o ANC já tinha percebido que com o Marxismo-Leninismo não ia a lado nenhum por outro... Ou seja, a nossa descolonização foi tarde e a más horas, mas as outras também não correram lá muito bem, e nem vale a pena falar da França...

O direito de auto-determinação que mais prezo é, desculpe-me o meu egoísmo, o meu próprio a fazer o que quero e bem entendo. Se um Governo por estrangeiros me garantir melhor esse direito que um pelos de cá, pois eles que venham...

R. disse...

Na Bósnia, todos cometeram atrocidades, a começar pelos sérvios, os mais fortes. No entanto, houve uma diabolização que eu nunca comprei, e que serviu às mil maravilhas. Ninguém perguntou aos sérvios da Bósnia se estavam satisfeitos com o novo país quer lhes arranjaram, nem aos da Krajina se lhes apetecia serem croatas.

De acordo, quanto ao problema das colónias; no entanto, não estávamos em condições de exigir o que quer que fosse, já em termos militares na Guiné, e creio que em Moçambique também não. Angola teria sido sempre arrancada à 'metrópole', por demasiado valiosa no contexto da Guerra Fria e em todos os contextos, aliás.

A auto-determinação individual, pois sim. Mas nós falamos de barriga cheia, país muito antigo que resolveu um curto episódio com sessenta anos, aliás também graças à Catalunha, então esmagada.

Jaime Santos disse...

Sim, não estávamos em condições de exigir o que quer que fosse, até porque a nossa tropa não queria, e bem, continuar a combater (o 25 de Abril fez-se sobretudo por isso).

Claro, todos cometeram atrocidades, mas quem mais as cometeu foram os sérvios e quem mais sofreu foram os muçulmanos bósnios. E com certeza, as causas do desmembramento da Jugoslávia não se deveram em grande medida aos sérvios. Mas a responsabilidade de um crime é sobretudo de quem o comete e quem mais sofreu foi a parte mais fraca.

Pois, nós falamos de barriga cheia. E mesmo durante esse episódio, o reino de Portugal não desapareceu, a monarquia era dual, só que a nossa política externa foi submetida à desastrosa política da Espanha. Convém aliás lembrar que as instituições e as ordenações criadas pela reforma do Estado empreendida pelos Filipes se mantiveram até ao Liberalismo...

Seja como for, continuo na minha. O processo na Catalunha deve ser político e o presente referendo não passa de um forçar de mão, que não oferece garantias (houve alguma campanha, claro que não). Acho que a prazo vai ter que haver um referendo acordado entre Madrid e Barcelona, mas, a não ser que a reação de Madrid seja absolutamente destemperada, os independentistas vão perder mais do que ganhar com o presente episódio...

R. disse...

Não creio que os catalães percam, pois se houver sangue frio de parte a parte (que é o que eu naturalmente desejo), a única saída é uma reforma constitucional que consagre a Espanha como estado confederal. No entanto, essa solução provavelmente já não irá a tempo, não apenas pela intervenção desastrada de Madrid, como pela ineficácia dos principais partidos nacionais, que nunca se atreveram a colocar a questão em cima da mesa, ao contrário do Podemos, que, sendo contra a independência, apoia a realização de um referendo.