sábado, agosto 09, 2008

China: a volta por cima


Pesem todas as reservas que nos suscita o regime chinês -- conseguindo a proeza, por um lado, de concentrar o pior do totalitarismo, no que respeita a uma sociedade policiada e opressiva e o capitalismo mais selvagem, por outro (e não me repetindo sobre a questão do Tibete) --, há dados que devem ser ponderados: desde logo, depois da brilhante inauguração das Olimpíadas, a convicção de que esta civilização milenar, contemporânea dos berços mesopotâmico, egípcio e grego pré-clássico da nossa, está cheia de futuro; e quem se nos apresenta desta forma tão pujante não pondera a possibilidade de estagnação. Ora isto quererá dizer que a China contemporânea será progressivamente menos consentânea com a ausência de liberdade que uma população cada vez mais informada e exigente tenderá a rejeitar.
É também muito significativo que este velho país, humilhado nos últimos dois séculos pelas potências imperialistas ocidentais e pelo Japão, e tendo sofrido a vesânia dos desmandos maoistas, dê esta volta por cima -- e por cima do estádio, como o fez o antigo campeão olímpico na tarde passada, para todos vermos...

10 comentários:

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

nãoconcordo,mas respeito.volta por cima porquê?:-)

Ricardo António Alves disse...

Júlia, é uma graçola, pouco conseguida, a propósito da performance do ginasta veterano, em torno e "por cima" :) do estádio do Ninho de Pássaro. De qualquer modo, para mim é gratificante verificar 1) que uma cada vez maior potência mundial exiba daquela forma ao mundo fragmentos dum passado que é mais rico do que qualquer outro Estado actual, fazendo-o aparentemente sem arrogância, pelo contrário, partilhando-o com a restante Humanidade; 2) que, insisto, um país que passou os últimos dois séculos a levar pancada, e que pancada, dos outros e de si próprio, se exiba ao mundo desta forma confiante -- porque sabe, aliás, que chegou a sua hora. Não conheço maior "volta por cima" que esta realizada pelo velho Império do Meio.
Um abraço cordial.

ana v. disse...

Estive ontem a ver, boquiaberta como acho que todos nós, a abertura dos Jogos. Não foi só a beleza que me impressionou, foi essa mesma pujança que refere e a mensagem explícita: "Vejam como estamos poderosos e modernos, sem abdicar de um pingo que seja da nossa tradição!".
Beijo, vizinho

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

mas foi novidade que eles iriam mostrar o maior espectáculo visual?

eu como nem de loiça chinesa gosto, estou à vontade para dizer que nem disso gostei. Aparato em demasia é mau gosto.

e o resto?...gostava da cultura deles, que lia nos livros. Agora, nem disso, um bluff.

Ana Paula Sena disse...

Brilhante análise! Com a qual concordo. Também com reservas face ao regime da China.

No entanto, é impossível ficar indiferente a esta atmosfera de afirmação ao mundo de um país que vai marcar o futuro inevitavelmente (já marca o presente).
Também vi parte da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos e senti a grandeza do espectáculo... Talvez fosse positivo o Ocidente interessar-se mais por esta cultura, a qual, com bastante arrogância, deixa de lado.

Uma nota que me desagrada, apesar de tudo, é a aura imperialista e o que possa implicar. Mas tenho esperança de que seja o próprio povo chinês (mais exigente e mais esclarecido) a evoluir para um futuro melhor e a escolher correctamente o seu caminho neste século XXI...
Claro que a Ocidente, também é imprescindível o mesmo! Mas a conjuntura mundial tem uma nova configuração que não podemos ignorar.

Obrigada pela reflexão RAA! :)
E um bom fim-de-semana...

Ricardo António Alves disse...

Obrigado vizinha, coincidimos na apreciação. Outro para si.

Júlia, eu não qualificaria nada do que vi como aparatoso. O aparato é superficial, e a cerimónia de abertura transcendeu-se enquanto tal, foi mais fundo, àquilo que eu -- pobre desconhecedor da milenar cultura chinesa -- suspeito serem raízes profundas daquela civilização, que tanto deu à Humanidade (e que esperemos possa continuar a dar); dessa forma, suplantou igualmente o mero registo propagandístico, que, como é óbvio, não deixou de marcar presença.

Obrigado Ana Paula, é muito generosa.
Mas é verdade: não podemos, apesar de tudo, subestimar o imenso poderio que a China representa e, sem cairmos em estereotipos do tipo «perigo amarelo», idealizar o comportamento duma potência cada vez mais global, que, como é costume, pautará a política externa pela medida dos seus interesses. Apesar de tudo,
estou convencido de que o progressivo desenvolvimento chinês forçará inevitavelmente uma abertura democrática e um civismo exigente. Aquela só por si não é garantia de paz (veja-se o caso lamentável dos Estados Unidos); este, poderá ser sempre um contrapeso ao cinismo dos governos. A História o dirá...
Bom fim-de-semana também para si.

Anónimo disse...

Não creio, pelas entrevistas vistas feitas na rua, apesar de nenhum chinês com dois dedos de testa, pudesse dizer diferente, que queiram que a China seja menos consentânea com a ausência de liberdade.
Eles sabem que são muitos, que não podem do pé para a mão ter muito mais liberdade
Eles sabem, que poderia ser o caos do país
por mais duro que seja constatar o que disse.

Anónimo disse...

Ando dividida e cínica
Não me esqueço dos videos que vi sobre os treinos, que me pareceram verdadeira tortura.
E depois Ricardo, a democracia já deu o que tinha a dar, já mostrou que não dá respostas
o capitalismo ocidental, esteve por um fio, com o aumento do preço do petróleo.
Cada vez me convenço mais, que estamos no fim de uma época, no fim da democracia, sem sabermos o que virá para a substituir.
O séc. das grandes transformações.
Pessimista?
estou muito, sim.

Ricardo António Alves disse...

Cara Minucha, possivelmente a democratização do regime "do pé para a mão", a concretizar-se, poderia trazer o caos. Ela parece-me, no entanto, inevitável, é uma questão do tempo, com o Partido em implosão, mais ou menos pacífica, ou apesar do Partido. Não será para amanhã, talvez para depois de amanhã... Não creio que a jovem elite chinesa se conforme com a sociedade policiada em que vive, tal como não se conformará a jovem elite cubana. Quererá isso dizer que estas elites reneguem o passado e o muito que as suas sociedades adquiriram sob a tutela do regime comunista? Não necessariamente. Mas isso cabe a essas sociedades decidir. E, especificamente quanto aos chineses, tenho esperança nos efeitos benéficos da sua sabedoria ancestral... (um chavão que não será menos verdadeiro por ser chavão...:)

Quanto à democracia, vejo a questão desta maneira: há sociedades de cidadãos e sociedades de súbditos, de homens livres e de homens em sujeição -- sujeição ao tirano, ao partido, à religião, a uma potência estrangeira. Não é da condição dos homens serem súbidtos, logo as sociedades livres serão sempre um desígnio dos homens livres. Claro que em nome da democracia se pratica o mais descarado imperialismo, como em nome da liberdade e da justiça se praticaram (e praticam) as mais ominosas opressões. Isso não invalida o princípio de liberdade por que nos devemos nortear, o que só me parece possível em democracia -- democracia liberal, é claro, com liberdade de reunião, associação e expressão.
A minha convicção é a de que esses valores persistem entre nós, apesar de todos os equívocos e traições; e mais: por esse mundo fora, do Tibete à Arábia Saudita, do Sudão à Bielorrússia, haverá muita gente que não quer ser súbdita, mas cidadã. O meu pessimismo radica, por isso, menos nos defeitos das nossas democracias e mais na cupidez desenfreada da espécie...
Um abraço.

Dalaiama disse...

Hehe :) Gostei muito deste post, tudo nele é certeiro, não obstante seja difícil, a esta distância, pronunciar-me sobre a pirueta do ginasta olímpico ;P