sábado, fevereiro 22, 2025

o que aconteceu

«Agora deitem Vossorias consultas e digam-me: quem tudo lo manda no concelho? Quem? O doutor Alípio, o filho da Ruça da Folgosela, com porta aberta aos marchantes na feira de S. Mateus. Quem recolhe boas novidades? O pele-de-asno do Bisagra com umas barreiras rabosanas, donde não valia a pena enxotar a milheira, quando ainda o mundo não andava torto.» Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas (1922)

«Oh! moços que vos dirigíeis vivamente a S. Carlos, atabafados em paletós caros onde alvejava a gravata de soirée! Oh! tipóias, apinhadas de andaluzas, batendo galhardamente para os touros quantas vezes me fizestes suspirar! Porque a certeza de que os meus vinte mil réis por mês e o meu jeito encolhido de enguiço, me excluíam para sempre dessas alegrias sociais, vinha-me então ferir o peito -- como uma frecha que se crava num tronco, e fica muito tempo vibrando!» Eça de Queirós, O Mandarim (1880)

«À saída da aldeia, recuou estarrecido. Vira um fantasma branco a destacar das trevas, e agachado na raiz dum castanheiro. / -- Ó Zé da Mónica, és tu? -- perguntou o suspeito fantasma. / -- Sou eu, tia Brites -- respondeu o rapaz suspirando ofegante. / Credo! Que medo você me fez!» Camilo Castelo Branco, Maria Moisés (1876-77) 

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Os claustros, principalmente São Domingos e Santo Antão, tinham organizado o seu curso de humanidades com disciplinado e proficiente magistério. Tão bem, pelo menos, como Santa Cruz de Coimbra, em que nos primeiros anos se veio enxertar a Universidade. E dizemos pelo menos, pois enquanto formados no seu ensino se conhecem mais de um nome ilustre que se notabilizou nas ciências e nas divinas e humanas letras, dos colégios crúzios, S. Miguel e Todos-os-Santos, nada se sabe. Pode concluir-se, portanto, com segurança, não ser ponto de fé que, para poder exibir uma boa cultura, tivesse Luís de Camões de frequentar a Universidade de Coimbra, no geral seminário de nobres e pupilos dos jesuítas, onde só não eram raros os filhos dos burgueses e ricos-homens das Beiras e filhos de moços da Casa Real que se destinassem à vida eclesiástica. Os morgados, ciosos da sua ignorância, e os plebeus, inibidos por sua própria condição, é que não iam para lá. A cultura começou ao desabrochar, contra a índole, por não ser democrática.»...
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)