sábado, agosto 31, 2024

tempo de novela

«Entrelaço no desenho do seu nome quanto a imaginação me pede de distância e de perigo. Vivo nele. E, enquanto dura a memória dos seus passos, sinto-me tão verdadeiro que quase sou feliz.  // Começo sempre por vê-lo sair das berças, Penedono, no Alentejo, onde nasceu e se criou a guardar gado.» Miguel Torga, O Senhor Ventura (1943) § «Estava uma noite baça, húmida, morna e sem vento. Depois de se esgueirarem ao longo da vedação, para lá da qual se ouviu, no silêncio, o chocar metálico de dois vagões em manobras, André e o camarada que o ia apresentar desembocaram na via. Seguiram uns cem metros e pararam atentos.» Manuel Tiago, Cinco Dias, Cinco Noites (1975) § «Nas tardes de feira, sentado da banda de fora do Guilhermino, ou num dos poiais de pedra, donde já tivessem erguido as belfurinhas, alegre do verdeal, descocava-se a desfiar a sua crónica perante escrivães da vila e manatas, e eu tinha a impressão de ouvir a gesta bárbara e forte dum Portugal que morreu.» Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas (1922)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Absurdamente pareciam passar, existir estas coisas sem se darem conta da ausência de Rirette. A deliciosa ressentia-se de que o trânsito dos dias vergasse, deste jeito, ao peso de diversões, num ritmo a que a sua pessoa faltava com uma parcela de harmonia. E, se honestamente quis dar-se em espectáculo ao "boulevard" os seus dedos preguiçosos -- aqueles dedos que apenas sabiam beliscar a bochecha dos galãs e embrenhar-se-lhes na cabeleireira como ratinhos vivazes -- deixaram-se morder pela agulha a reformar arcaicos e sumptuosos vestidos que alvoroçaram o "Tabarin".»
Aquilino Ribeiro, "Filhas de Babilónia" ("Maga"). Novela (1920)