sexta-feira, agosto 09, 2024

tempo de romance

«O gosto de vaguear de noite, a horas, mortas, era agora o mais querido dos meus prazeres melancólicos. Desde muito novo desenvolvo reais qualidades inventivas em tal género de prazeres: Mas qualidades que sobretudo se revelam no pormenor ou na maneira.» José Régio, Jogo da Cabra Cega (1934) § «Ia já para três dias  que o tractor parara e a regadeira não via pinga de água trasfegada do Tejo. / O arrozeiro, apertado pelo patrão, andava numa dobadoura, por marachas e linhas, a deitar olho aos canteiros de espiga mais loira, fazendo piques, agora aqui, agora ali, para que as águas fossem caminhando para a vala de esgoto e os ranchos pudessem meter foices no arrozal.» Alves Redol, Gaibéus (1939) § «No mar sereno, chão, quase estanhado, de rara mansidão em tais paragens, avançava o Angola, rumo ao Tejo. Mal se espalhavam ainda por sobre a imensa planície líquida as primeiras claridades da manhã. Apagavam-se no céu a esvair-se em rosa e azul estrelas retardatárias no fugir.» Joaquim Paço d'Arcos, Herói Derradeiro (1933) § «Preta e branca, preta e branca, o preto mui luzidio e muito níveo o branco, a pega, de cauda trémula, inquieta, saracoteava entre carumas e urgueiras, esconde ali, surge aqui, e por fim erguia voo até à copa alta do pinheiro, levando no bico ramo seco ou graveto.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928) § «Sentado na borda do tanque, que uma figueira toldava de deleitável sombra, instruía-me o senhor padre Ambrósio da latinidade.» Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa (1919) § «Era a hora de Matinas. A sineta do claustro tangia, a convocar os capitulares para o coro, quando Luciano passou da sua alcova à biblioteca, entreabrindo uma pequena porta e afastando uma massa rígida dum brocado que descia do lambrequim em pregas hirtas, adornado de eucarísticos lavores de seda e oiro.»  Manuel RibeiroA Catedral (1920) § «Foi no Domingo de Páscoa que se soube em Leiria que o pároco da Sé, José Miguéis, tinha morrido de madrugada com uma apoplexia. O pároco era um homem sanguíneo e nutrido, que passava entre o clero diocesano pelo "comilão dos comilões".» Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (1875/80)  § «José das Dornas era um lavrador abastado, sadio e de uma feliz disposição de génio, que tudo levava a rir, mas desse rir natural, sincero e despreocupado, que lhe fazia bem, e não rir dos Demócritos, de todos os tempos -- rir céptico, forçado, desconsolador, que é mil vezes pior do que o chorar.» Júlio Dinis, As Pupilas do Senhor Reitor (1867)

2 comentários:

Manuel M Pinto disse...

«Não me lincharam as almas inefáveis porque eu não me resigno com duas razões a fazer de negro do Illinois. Mas, ab, se pudessem 'tuer le mandarin' em mim, que entrechoque de mãos à volta do botão da campainha!»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões-Fabuloso*Verdadeiro. "Introdução". Ensaio (1950)

Manuel M Pinto disse...

«Gostaria de ser menos lacónico sobre quem há tanto para dizer; mas, quando se trata duma personalidade deste nível, as sínteses são, por vezes, mais eloquentes do que os longos ensaios. Recorro, pois, a uma que fiz há muitos anos e que continua e continuará a ser actual:
Aquilino Ribeiro é um dos cinco ou seis maiores escritores que Portugal tem tido e a sua obra um verdadeiro monumento literário, erguido não para desafiar a Posteridade, que já lhe está assegurada, mas para a honrar pelos séculos fora.»
FERREIRA DE CASTRO, "Um Monumento Literário: Nos 50 anos de vida literária de Aquilino Ribeiro" (1963)