quinta-feira, agosto 31, 2023

antologia improvável #499 - João Rebocho

filho de um

carpinteiro

no labirinto

de taipa adobe

terra batida adormecido


no ar

arde algum suor 

de rapaz bêbedo

por Seu sangue

escasso

incorrupto

Bom nos Tempos Livres (2017) 

2 comentários:

Manuel M Pinto disse...

SEGUNDA-FEIRA, 31 DE AGOSTO (1914)
«Chega-me nova batelada de jornais portugueses. À primeira vista parece que Portugal se tornou uma tortulheira de agentes provocadores ao serviço da França e da velha aliada. Uma gazeta publica com não fingida sisudez o seguinte: “Dizem os jornais de Paris que no actual momento histórico as nações pequenas são obrigadas a pronunciar-se a favor dum dos grupos beligerantes, pois no ajuste de contas as indecisas terão de haver-se com os vencedores. Um desses artigos é assinado por Pichou, ministro dos Negócios Estrangeiros. Assim garante-se que mais tarde ou mais cedo a Turquia pagará com língua de palmo a sua incerteza”. O telegrama traz a marca digital do Jornalista adscrito à publicidade da Legação. Este expediu-o, João Chagas inspirou-o, tão certo como ser o seu teor invenção pura. Nem os jornais de Paris deram curso a disposições que seriam descabidas e de todo impolíticas na hora em que o argumento máximo invocado contra a Alemanha está na violação da Bélgica, nem a Turquia é ameaçada pela sua perplexidade, mas, sim, por afoitamente pender para os Impérios Centrais; tão-pouco Pichou escreveu, nem é homem para escrever, com pena tão farisaica e alvar.
(...)
Outra gazeta anuncia em parangona: "Os aliados derrotam o inimigo em frente de Charleroi". Mais adiante, porque se esqueça ou o cálamo tenha mudado de mãos, epigrafa: "Os alemães ocupam Charleroi". Esta graciosa contradição lembra-me certa anedota que ouvi contar. Tem por teatro uma das várias republiquetas da América Central em guerra com o vizinho. O comandante-chefe, vitorioso como todos os comandantes, telegrafa ao governo neste teor: “O inimigo retira, nós adiante dele.”
(...) Em matéria internacional, por efeito da mistificação dos seus noticiaristas, falta de qualidades de análise e ignorância histórica, Portugal, na sua maioria, tem tomado sempre o partido dos vencidos. Não é deslustre tomar este partido desde que se faz com determinada consciência. Mas é que as simpatias do português, por uns pruridos de pimpão que nutre ainda, não vão ao fraco nem ao que representa a causa da justiça; vão em geral ao teso, ao brutamontes, àquele de quem, em identidade com o seu paladar de inconsciente, lhe disseram que devia vencer. Assim a Espanha ia passar uma boa rasteira aos ianques; os bóeres dariam xeque ao leopardo; os russos iam comer os japoneses em calda de caviar.
E o pobre bacoco, com Cervera no fundo, com os sul-africanos feitos em postas, com os russos artisticamente fornecidos em pasto aos tubarões, esperava ainda a vitória do seu almejo, da sua gana, com que sonhara, pela qual se batera na botica, no café, na repartição. Desgraçado, como não havia de esperar, se lho inculcara a gazeta, se as derrotas lhe eram apresentadas como triunfos, se cada passo do seu favorito aproximava o grande dia da glória! Como não havia de esperar, ninguém lhe tendo dito nem havendo por moto próprio chegado à conclusão de que o jornal português, por via de regra, lido às avessas é que está certo!?»

Aquilino Ribeiro, "É A GUERRA-Diário", (Paris, 1914). Publicado em 1934.

R. disse...

Ontem como hoje.