terça-feira, novembro 30, 2021

os cabelos em pé: A CATEDRAL (1920), de Manuel Ribeiro, cap. IX


Continuar: «Ora aqui tem, senhor Luciano -- dizia padre Tiago no Capítulo, desdobrando diante do arquitecto uma larga folha de papel coberta de garatujas -- Aqui tem a minha colheitas de "siglas".» Início do cap. IX, pp. 159-180 da minha edição.

A propósito das tais siglas que o padre epigrafista trouxe a Luciano, discorre-se sobre o significado possível dessas marcas de canteiro e a condição dos operários medievais. Destes para os da actualidade vai um pulo. É quando se sabe que os homens que trabalham no restauro da Sé são sindicalistas. Os cabelos em pé da maioria dos padres circunstantes, E então é chamado João Coutinho, um dos mestres pedreiros, que entabula um diálogo, primeiro com o cónego Rocha, depois com o liberal ou progressista padre Tiago. 

Deve dizer-se que Coutinho representa esses sindicalistas cultivados, como era seu apanágio. Recorde-se que o quase mítico Manuel Joaquim de Sousa (1883-1944), secretário-geral da CGT, era sapateiro de profissão; essa mesma CGT que fundou para os trabalhadores o diário A Batalha, com um importante suplemento cultural, bem como a revista Renovação. O seu discurso, sempre sereno, pauta-se  pelos pressupostos ideológicos do anarco-sindicalismo: federação de trabalhadores dos vários sectores, com vista à eclosão de uma greve geral que irá desencadear a revolução social, demolindo a sociedade iníqua do presente. E para isso o Estado terá de ser desmantelado, e com ele todos os aparelhos coercivos, sem falar na Santa Madre Igreja, o grande anestésico moral ao serviço da classe dominante; como, aliás, se infere das palavras do cónego, um ultramontano. O mesmo, porém, não sucede com o padre Tiago, cuja dialéctica se desloca para o terreno do operário. «-- A Igreja perfilha em absoluto as suas doutrinas, senhor João Coutinho.» -- apresentando o Messias como um socialista e revolucionário, e que, na verdade, diga-se, fez sempre parte do apostalado inconformista laico. Portanto, não é de estranhar que a arenga apologética do padre Tiago, ao apresentar a ideia de Igreja Universal como precursora do federalismo; e o próprio Jesus Cristo como primeiro socialista, «que disse melhor nalgumas parábolas o que Karl Marx definiu mal em indigestos tratados.» Mas não deixa de afirmar que o materialismo é pobre para a dimensão humana: «E depois?, sim, e depois? Que é que encontram no termo da sua jornada? O estéril negativismo, a monotonia do nada, a tristeza do fim. É inegável que os senhores planam acima da terra-a-terra vulgar, acima dos outros homens que refocilam como vermes nos mais abjectos egoísmos; mas isso é nada, isso é ainda rastejar, comparado a esse frémito duma alma crente batendo as asas para Deus.» E, com estocada de mestre, desafia: «Porque não tenta, pois, o grande voo? Teme a vertigem? Ofereço-lhe o meu braço, o braço forte da Igreja que não recusa nem se recusou a ninguém, jamais!» Curiosa é a reacção de Coutinho, após a demonstração de eloquência do padre epigrafista. Percebe que esta é uma outra estratégia de adaptação e sobrevivência da Igreja, «sinuosa», «elástica», adaptando-se a todos os regimes. E pergunta-se, apreensivo: «A Igreja, que escapara ao liberalismo, que sobrevivera às repúblicas, ia ainda surgir, como escalracho, nas searas vermelhas da sociedade futura?»  Se a contenda cortês, porém oposta, entre estas duas personagens secundárias do romance, o operário sindicalista e o padre progressista terão algum remate, é o que se verá. Para já, continuo assombrado com este processo de conversão de Manuel Ribeiro, aparentemente assim, à vista de todos. O que me levará à leitura do livro de Gabriel Rui Silva, Manuel Ribeiro -- O Romance da Fé, para melhor descortinar o modo.

o veto do Presidente à lei da eutanásia

 Como não vivemos num mundo ideal, compreendo a prudência manifestada pelo PR, dando de barato que ele se orienta pelas sua crenças e convicções católicas, algo que não devem ser impostas a ateus, como é o meu caso, que, de formação católica, lança as mãos à cabeça pela forma como as pessoas fogem ao desespero da morte agarrando-se a histórias da carochinha, algumas bem bonitas, como a que vamos celebrar agora pelo Natal, e que para mim será sempre um pretexto de reunião familiar. (Sou um homem de família, felizmente.)

Essa formulação, que indistingue (peço perdão pela palavra) doença fatal de doença incurável, pode ser uma porta aberta para o bicho-homem tratar de eliminar os velhinhos improdutivos e maçadores -- dando, de resto, razão às preocupações manifestadas pelo PCP, que são as únicas que acolho. Não deixa de ser curioso de como esta posição, aliás justa, dos comunistas, infirma o seu optimismo antropológico; mas isso é outra conversa.

No entanto, há problemas. Mesmo não se tratando de doença fatal, provocando grande sofrimento, que autoridade pode ser invocada para obrigar alguém que está há décadas confinado a uma cama a continuar a viver? Em nome de quê? De uma fantasmagoria absurda a que chamam deus? Impor uma parvoíce dessas a quem vê tal como é, uma parvoíce explicada pelo medo da morte, é duma crueldade moral intolerável e imbecil.

P.S. - há por aí uns certos católicos que me fazem confusão. Dizem-se tal e são pela eutanásia. Decidam-se lá pela eira ou pelo nabal.

P.S.2 - Todo o respeito pelos místicos, nenhum pelos que pretendem impor aos outros as suas manias.

segunda-feira, novembro 29, 2021

quadrinhos


 

na estante definitiva

 

40 Anos de Servidão, Jorge de Sena – Uma poesia culta e visceral, que pelas vísceras se comunica, ficando nós leitores também mais cultos e descarnados.

Grande poeta e ensaísta, além de romancista, dramaturgo, contista, epistológrafo, Jorge de Sena (Lisboa, 2 de Novembro de 1919 – Santa Bárbara, Califórnia, 4 de Junho de 1978) concentra a dupla característica do criador excepcional com a excepcionalidade do juízo crítico. Pertence à classe dos cerebrais, os que reflectem sobre a própria obra como se de um recenseador terceiro se tratasse (mas nunca trata, na verdade...).

Creio que foi o primeiro livro seu que comprei, e ainda muito novo fiquei esmagado por aquela raiva frontal. Há poemas cujo tom nunca mais esquece. Livro póstumo, organizado pela mulher, Mécia de Sena, de acordo com o que o marido deixara já preparado, contém inéditos e dispersos escritos entre 1938 e 1978, agrupados por ordem cronológica, em paralelo com os títulos da obra édita. O prefácio ostenta uma comovente epígrafe extraída do Hamlet de Shakespeare, seguindo-se a tradução do próprio Sena ...Good night, sweet prince; / And flights of angels sing thee to thy rest! -- ...Boa noite, doce príncipe; / e que revoadas de anjos te conduzam / cantando ao teu repouso.

(1.ª ed., 1979; 2.ª, revista, Lisboa, Moraes Editores, 1982)

domingo, novembro 28, 2021

sábado, novembro 27, 2021

"Leitor de BD"



Will Eisner, Um Contrato com Deus (1)

sexta-feira, novembro 26, 2021

JornaL

"Sexta às 9". Pode gostar-se mais ou menos do estilo de Sandra Felgueiras. Eu, por acaso, prefiro um modo de estar mais comedido nos gestos e no tom; mas isso são pormenores a que normalmente os superficiais ligam muito, sem atender à substância da coisa. De certeza que é muito mais simpático para os Poderes (o político e os outros) o jornalismo de chá-com torradas, língua com língua, redondo e sonolento, que não parte um prato. Ela e o seu programa farão falta à televisão pública. Lítio. Veremos o que acontece, entre outras pendências, com a história da exploração do lítio.

Desculpar o quê?  Afinal, no que a ministra disse sobre a resiliência dos profissionais de saúde só havia uma crítica para quem quis distorcer a mensagem, o que dá imenso jeito nesta altura pré-eleitoral para propagar como entre quem emprenha a actualidade pelos olhos, através das "redes sociais". É assim, e será cada vez pior.

quinta-feira, novembro 25, 2021

portugueses


ANTÓNIO dos Anjos MARQUES
(1954 -- Cascais, 24-XI-2021)

Inesquecível no papel de Camões, na peça Onde Vaz, Luís, de Jaime Gralheiro, no TEC (1981). Cá em casa era conhecido pelo Mufasa. Frequentávamos o mesmo café e a mesma tabacaria.

Em tempo: foi há 40 anos, bolas...

 

quarta-feira, novembro 24, 2021

erotica mystica: A CATEDRAL (1920), de Manuel Ribeiro

 continuar: «Todos os dias era certa a condessinha à missa das 12 na Sé.» início do capítulo VIII, pp. 151-157 da minha edição).

Como se perdidos nos debates políticos do capítulo, a Igreja em face da República, somos relembrados da devoção de Maria Helena e das deslocações diárias à Sé, umas vezes acompanhada da criada, outras, só. E cada dia mais aprecia o trabalho de restauro de Luciano, que este lhe transmitia com ardor: «Toda a Idade Média romântica começava a surgir do fundo dos tempos.», verificava, encantada. E no recolhimento em oração fervorosa na capela de família fixara-se no rosto dum Cristo jovem e pelos vistos atraente, vindo das oficinas de São Sulpício, em Paris: «Como ela amava a linda imagem! [...]  Ah! ser uma eleita de Jesus, como as santas doutrora, e receber as complacências do seu amor! E dava-se-lhe toda num arroubamento , punha-lhe a alma no regaço, presa no íman do seu olhar. Via-se ao lado dele pelas amplas avenidas das naves bordadas de odoríferas árvores, errar, divagar numa estrada macia de sonho. Viver ali na sua catedral, cheia dele, impregnada da sua doçura, não era a felicidade suprema?» A este Jesus, que tanto diferia do agonizante na cruz que fora habituada a ver, era de prever que tanta exaltação iria transmutar a pedra em carne; e quando fixa o rosto, já não era o do deus filho, mas o daquele que não teve força para encarar sem perder os sentidos.  

quadrinhos


Pulp, de Sean Phillips & Ed Brubaker



 

terça-feira, novembro 23, 2021

segunda-feira, novembro 22, 2021

«Sea Song»

a reunião do capítulo da Sé: A CATEDRAL ( 1920), de Manuel Ribeiro, cap. VII

[retomo a leitura comentada do esplêndido romance de Manuel Ribeiro. O que está para trás pode ser lido aqui]

continuar: «Havia aquela tarde reunião no CapítuloInício do cap. VII, pp. 133-150 da minha edição).

O estado da Igreja portuguesa é o grande debate no capítulo, com posições distintas, nesse período de perseguição durante a I República. Uma das correntes, defendidas pelo cónego Rocha, «um fundo reaccionário». sustenta que a Igreja deve combater no campo do inimigo, usando armas idênticas, como a criação de um partido cristão. O beneficiado Trigueiros, por sua vez, representa a corrente ultraminoritária que toma o partido de uma igreja nacional, independente de Roma -- com tradição, aliás, no cristianismo ocidental, e também entre nós, com Pombal, que chega a ameaçar o papado com uma acção desse género, como forma de pressão na questão jesuíta. Uma terceira posição, idealista, a única que disputa importância com a primeira, defendida pelo nosso conhecido padre Anselmo, é a de uma igreja que se afirme pela penitência e oração dos seus membros, tendo como referência o exemplo do Padre Cruz (1859-1948). Uma quarta personagem intervém decisivamente, o beneficiado Tiago, cosmopolita e ardente, erudito, epigrafista consagrado, defensor das obras de restauro da Sé levadas a cabo por Luciano. Defensor de uma Igreja universal assente em Roma, à imagem de Gregório VII (Século XI), não teme os partidos laicos ou a Maçonaria, vistos como manifestações já decadentes, nem crê suficiente para a regeneração da influência da Igreja o papel da penitência ou da oração, por manifestação exclusivamente individual; para si, a Igreja é a instituição perene da Humanidade, a única capaz de redimi-la:

«Foi a Igreja que salvou o mundo. Cristianizar é desbravar. [...] Ela é, de facto, a garantia, a única força inquebrantável contra o desagregamento anti-social, o despenhamento na barbárie! Que Ela domina as consciências, que tiraniza os espíritos! Mas o templo cristão franqueia as suas portas, acolhe os que o buscam sem distinção e não inquire das crenças de quem lhe cruza o limiar, porque os homens -- todos os homens! - são filhos de deus e nenhum o ultraja com sua presença. Onde há aí casa assim tolerante? A Igreja é bela, a Igreja é única! Só ela pode satisfazer um espírito ansioso, só Ela pode dar a felicidade à alma, porque, no meio dos turbilhões sociais que tudo arrastam e aniquilam, a Igreja é o amigo que nunca trai, o braço que nunca se esquiva, a porta que nunca se fecha...». 

A questão religiosa vai de par com a Questão Social, é este o desafio, sem perda de tempo em enfrentar o jacobinismo organizado. Podendo depreender-se -- o desenrolar da narrativa o dirá -- que a luta decorrerá no seio das massas, desvalorizando os partidos e a Maçonaria, conforme a interpelação ao padre reaccionário:

«Não há alianças com cadáveres, senhor cónego Rocha! O mundo velho agoniza. Saudemos o mundo novo! No naufrágio das sociedades, mais uma vez a barca de Pedro se orientará para novos rumos.»

O padre Tiago traz a discussão a ideia de intervalo defendida pelos anarquistas: está-se num processo intervalar (O Intervalo, note-se, é o título de um romance de Ferreira de Castro em 1936, só publicado em 1974), em que o velho mundo está a ruir e um mundo novo está ainda por alcançar. É pois um momento de luta, demolição e sangue. O capítulo está boquiaberto:

«Os padres olharam-se estupefactos. Que significava tal linguagem? Até onde queria padre Tiago chegar? Transigir com a Revolução? pactuar com a anarquia? Mas o beneficiado estaria doido?...»

Veremos até onde quis chegar Manuel Ribeiro.

domingo, novembro 21, 2021

quinta-feira, novembro 18, 2021

«O bonde passa cheio de pernas: / pernas brancas pretas amarelas.» 

Carlos Drummond de Andrade 

quarta-feira, novembro 17, 2021

1 disco-1 faixa: THE TIMES THEY ARE A.CHAGIN' (1964) - #7. «Boots of Spanish Leather»

«[...] o antigo que dura ainda, é porque tem achado na experiência a confirmação que o moderno não tem.» 

Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra (1846)

terça-feira, novembro 16, 2021

«El Cine»

«E, apressadamente, se constrói o Sol, / amalgamando os homens num só disco.»

Jorge de Sena

quarta-feira, novembro 10, 2021

quinta-feira, novembro 04, 2021

terça-feira, novembro 02, 2021

«Leitor de BD»




Moebius & Jodorowsky, Os Olhos do Gato

aqui

cenários eleitorais

1. PS ganha com maioria absoluta, deslocação de votos à esquerda, e também ao centro, por eleitores desgostosos desta balbúrdia indecorosa de PSD e CDS. Assunto arrumado.

2. PS ganha com maioria relativa

2.1.Nova geringonça mais PAN; 

2.2. Governo de bloco central, se Rio estiver à frente do partido.

3. Partidos à esquerda perdem maioria absoluta. Rio faz a sua geringonça

3.1. À açoriana

3.2. Recorrendo ao PAN (veremos o resultado deste).


Se Rangel ganhar o PSD (para mim, duvidoso, felizmente) a situação torna-se mais complicada, se a esquerda e PAN não tiveram maioria. Bloco central impossível com Costa e Rangel, crio.