sexta-feira, dezembro 31, 2021

diário de leitura

«Da capital da Andaluzia os jardins maravilhosos, prenhes de perfumes intensos, de lagos adormecidos, de rosas, de gerânios e de cravos, desabrochando em orgias de cor, interessavam mais à minha alma do que o espectáculo bárbaro do homem a defrontar-se com o touro, naquela tarde quente, mórbida e sensual de Junho.» 

Ferreira de Castro, «A morte do touro» (A Batalha, 16-VI-1924), in Contra as Touradas, edição de Luís Garcia e Silva

Numa delegação de jornalistas portugueses a Sevilha, convenceram-no a assistir, para depois poder falar. Por aqui se vê com que vontade.


música para salvar a Terra: «Canção pra Amazônia»

música para salvar o ano - #6 -«The Lydiot» (Orquestra Jazz de Matosinhos)

quinta-feira, dezembro 30, 2021

diário de leitura

«Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei-de falar começo e digo:» 

Pero Vaz de Caminha, Carta a D. Manuel I (1500)

Uma absoluta clareza de expressão e lugar, cada macaco no seu galho, conforme faz saber ao rei. A mesma clareza, assertividade e economia que permitiu que este relatório de um obscuro escrivão se tornasse num dos maiores e mais importantes textos da história da cultura portuguesa, e que esteja ainda vivíssimo.

música para salvar o ano - #5. «Portas» (Marisa Monte)

música para salvar o ano - #4. «Passo Forte» (SAL)

quarta-feira, dezembro 29, 2021

a arte de começar

«Um dia, numa floresta, ao entardecer, quando por sobre as frondes ressoavam as buzinas dos porqueiros, e lentamente na copa alta dos carvalhos se calavam as gralhas, um lenhador, um servo, de surrão de estamenha, que rijamente trabalhara no souto desde o cantar da calhandra, prendeu a machada ao cinto de couro, e, com a sua égua carregada de lenha, recolheu pelos caminhos da aldeia, ao castelo do seu Senhor.» Eça de Queirós (1845-1900), S. Cristóvão (póstumo, 1912)

música para salvar o ano - #3 «Déjà Vu» (Miguel Ângelo)

terça-feira, dezembro 28, 2021

as vantagens de haver Putin na geopolítica global -- ou o que pode esperar a Ucrânia: análise e palpite

 Em primeiro lugar, a racionalidade: alguém que mede as consequências dos seus actos e percebe quem está do outro lado: um espertalhaço como Trump ou um caquético meio tonto como Biden, manobrado pelo (ou integrado no) complexo militar industrial dos Estados Unidos -- que crédito pode merecer alguém que alinhou na invasão do Iraque, embarcando com o simplório W. e com infame Cheney e restante quadrilha?

Depois, um efectivo poder militar que não hesita em usar quando sente a Rússia ameaçada. Ele foi claríssimo e incisivo quando exigiu a NATO ao largo das fronteiras -- a Ucrânia -- a partir de onde um míssil levará três minutos a chegar a Moscovo. Os americanos perceberam-no bem e já mudaram o discurso, acompanhados pela Alemanha do novo chanceler, Olaf Scholz. 

A Nato na Ucrânia é uma piada de mau gosto, em que alinham os europeus amestrados, sem grande dignidade. O sec-geral da Nato, o presidente do Parlamento Europeu, enfim...

Claro que a barragem de propaganda que nos é servida maciçamente, com a cumplicidade e/ou a ignorância bovina dos media, sugestiona os incautos; embora países como os estados bálticos ou a Polónia possam ter uma compreensível sensibilidade à flor da pele, é importante que não se deixem manobrar pelos freedom fighters da Casa Branca. 

Qualquer um que tenha um bocado de conhecimento das tensões leste-oeste da Guerra Fria quando se pronuncia o nome Finlândia sabe o que significa  o conceito de soberania limitada. É o que a Ucrânia deverá querer, para seu próprio bem. Não havendo bom senso -- e vamos acreditar que nenhuma III (e última) Guerra Mundial começará por causa da Ucrânia -- não havendo bom senso, será o fim do país, uma parte tomada pelos russos, a outra parte como república fantoche dos americanos.

"Leitor de BD"

«Leituras de 2021»

 

sábado, dezembro 25, 2021

sexta-feira, dezembro 24, 2021

Feliz Natal!

Marge

 

quarta-feira, dezembro 22, 2021

«Leitor de BD»



Tu És a Mulher da  Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos, de Pedro Brito e João Fazenda

 aqui

«Cradle Rock»

segunda-feira, dezembro 20, 2021

caracteres móveis

«Era a hora mais custosa de suportar, hora em que a tristeza do dia agonizante inundava de melancolia a própria alma das coisas em redor, quanto mais a sua alma enfraquecida pela longa reclusão.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938).

«Lá fora fazia uma luz triste, coada através das nuvens pardacentas que alagavam o céu-» Manuel da Fonseca, Cerromaior (1942)

«Num espelho ao lado, havia uma fotografia obscena de qualquer estrela decaída.» José Régio, Jogo da Cabra Cega (1934)

quadrinhos


 

sábado, dezembro 18, 2021

Vamos então admitir que Navalny é um activista pelos direitos humanos na Rússia; e o que são Assange e Snowden? (ou um Parlamento Europeu sem dignidade)

 Talvez influenciados por esses extraordinários democratas e combatentes pela liberdade -- desde o tempo das Repúblicas das Bananas da América Central ao glorioso derrube de Saddam -- outro marco na história da democracia, dos direitos humanos e da decência, já gora -- o Parlamento Europeu juntou-se à ofensiva anti-russa levada a cabo pelos Estados Unidos, com os estados-marionetes atrelados.

Ninguém sabe o que é Navalny, só o próprio ou pouco mais. Por mim, suspeito que seja um agente da CIA; mas dou-lhe o benefício da dúvida. O problema aqui não é Navalny mas o Parlamento Europeu que se presta a a fazer uma figura miserável, com a agravante de ser tolerante com a perseguição desumana que estão a fazer a Assange -- alguém a quem objectivamente todos devemos muito. E não falo no fantástico Edward Snowden, que se refugiou num dos raros países em que podia estar a salvo de uma condenação pesadíssima. Falar em Snowden é tabu para estes tipos sem nenhuma dimensão política.

A vergonha. Sou europeísta, sempre fui, e não sou dos que, contestando determinadas orientações políticas, pretendem deitar fora o bebé com a água do banho. Portanto, o meu sentimento de ultraje é grande, não apenas pelo facto de a UE e o PE se comportarem como paus-mandados dos interesses americanos, mas também pela cumplicidade que têm demonstrado no caso Assange.

quinta-feira, dezembro 16, 2021

"A situação exige mais pergúntaaaaas!..."


«A Arte de Ser Português», por Alberto Pimenta
RTP, 1979 - realização de Jorge Listopad

terça-feira, dezembro 14, 2021

«Leitor de BD»

 



O Burlão nas Índias, por Ayroles e Guarnido 

aqui

portugueses


JOSÉ EDUARDO de Lima PINTO DA COSTA 

 

segunda-feira, dezembro 13, 2021

domingo, dezembro 12, 2021

na estante definitiva


Nas «Lendas de Santos» de Eça de Queirós (Últimas Páginas, 1912, edição póstuma organizada por Luís de Magalhães), biografias ficcionadas de santos. «São Cristóvão», aliás o único que o escritor concluiu, é um dos textos queirosianos que prefiro. Numa imprecisa Idade Média, aparentemente francesa, Cristóvão é um ser disforme (um gigante) e simples, cheio de amor para dar; amor forjado no conhecimento da incrível história do Menino-Deus, que por amor virá a morrer na cruz ("Cristóvão", o que tem Cristo em si...). De tal forma Cristóvão é possuído por esse amor ao semelhante, que nunca é abalado pelas inúmeras rasteiras e traições que lhe são infligidas pelos seus irmãos em humanidade; o mesmo amor e coração puro que, não suportando a miséria o leva a chefiar  jacqueries... Eça mantinha bem viva a leitura do seu Proudhon. Da narrativa desprende-se  um ambiente benfazejo e etéreo, no meio de guerra e de opressão do forte em relação ao fraco (a mesma atmosfera que se evola do magnífico «O Suave Milagre», trazendo-me à memória, por essa mesma atmosfera miraculosa do indizível «O Gigante Egoísta», do Oscar Wilde). 
Em Eça sempre adorei a sua paixão pela História e a forma simultaneamente séria e lúdica com que lhe pegava. «Santo Onofre» é um dos padres do deserto, indivíduos que fugiam do mundo para encontrar Deus através da oração e da renúncia, sujeitando-se a todas as solicitações do Demónio, que mais não eram do que alucinações provocadas pela carência física e psicológica de tudo... Talvez o menos conseguido.
«S. Frei Gil», cujo plano da obra chegou até nós, poderia ser uma das grandes narrativas queirosianas, provavelmente abandonada (e isto é um palpite; precisaria de verificar cronologias) pelo felizmente concluído A Cidade e as Serras. Várias vezes me veio à memória a dispersão e a inconsistência do Jacinto de A Cidade e as Serras, ou mesmo de Gonçalo Mendes Ramires. Em todo o caso, ficamos com pena do corte abrupto da narrativa quando o volúvel Gil a caminho de Paris, na companhia do escudeiro Pêro, para estudar Medicina, é desviado do intento por um misterioso cavaleiro...
O segundo bloco desta Últimas Páginas, consiste num conjunto de «Artigos Diversos», textos todos de primeira água, em que avulta o também incompleto «O "Francesismo"», um magnífico ensaio de irónica autobiografia cultural.
Eça é sempre Eça. Imortal. 



o sentido de humor do director da PJ

 Creio que foi sexta-feira ao almoço que vi no restaurante umas imagens do director da PJ, Luís Neves, a propósito do foragido Rendeiro. Segundo o que consegui então ler, dizia que o homem seria apanhado e que a PJ tinha tempo e paciência para levar a cabo a sua missão. Sábado acordei com a notícia da detenção do dito na África do Sul. Portanto, enquanto estava a proferir aquelas declarações, já tinha  o homem localizado e controlado pela polícia sul-africana. É de mestre. E revela também um bom e saudável sentido de humor.

sábado, dezembro 11, 2021

quinta-feira, dezembro 09, 2021

cimeira para a democracia

 Sorriso amargo e vergonha alheia.

«Leitor de BD»

 


Macho-Alfa, vol 1, de Filipe Duarte Pina e Osvaldo Medina

aqui

«Lucifer»

quarta-feira, dezembro 08, 2021

a cimeira Biden-Putin -- quem anda a fazer o Telejornal?

 Eu bem sei que isto da Ucrânia é a fingir. Ou melhor, é muito sério para os russos: para os americanos é business as usual. Não sei se o pivô do Telejornal tem noção do trabalho de merda que apresentou ontem. Talvez até tenha noção, e não queira saber; ou talvez não saiba mesmo. 

Não sei quem foi o responsável por aquela peça nada inocente. Vale a pena ir à box, seleccionar o Telejornal de ontem e, mais para o fim, ver com atenção. Trata-se da cimeira Biden-Putin, e a notícia reza mais ou menos assim: os Estados Unidos mostram-se preocupados etc,; ameaçam com sanções económicas fortes, etc,; Biden diz que etc. Imagens do Putin sentado como um nababo, e a cara do Biden no ecrã em frente, talvez para que não se veja o sorriso de gozo. Sobre o que o Putin disse, a posição da Rússia, nem se deram ao trabalho, tal é o descaramento. Para quê, para estes brutos mansos e amestrados?

Portanto, estar lá o Adelino Faria ou a minha cadela a apresentar o Telejornal, prefiro a minha cadela.  

 

segunda-feira, dezembro 06, 2021

sábado, dezembro 04, 2021

portugueses


PEDRO GONÇALVES
(1970-2021)



 

fachos de esquerda

Parece que a palavra Natal é para desaparecer, sendo substituída por "festividades". E o que festejam as festividades? O Pai Natal? Também. E o nascimento de Cristo, igualmente, figura e acontecimento basilar da nossa civilização, sejamos crentes ou ateus. Aliás, a personagem histórica de Jesus Cristo foi sempre um ícone revolucionário para a esquerda, algo que estas caricaturas esquecem, se é que alguma vez pensaram nisso.

Mais valia que esta comissária maltesa, de cujo nome me esqueci, oriunda do Partido Trabalhista (que deve estar minado, como o PS daqui), e que parece não ter mais nada importante para fazer, se empenhasse em realçar outros aspectos culturais, inclusivamente festivos, de comunidades diversas presentes na Europa (isso sim, seria a verdadeira inclusão), em vez de procurar apagar, fazer desaparecer. Que estúpida, que estúpida.

O que esta bicharada não percebe é que a questão não está em suprimir ou apagar. Podiam aprender com os Estados Unidos, que com os seus muitos defeitos, é um exemplo para a relativização da questão religiosa, remetendo-a ao seu devido lugar, o da consciência individual. O Stálin também quis apagar a Igreja, transformando templo em garagens. Após setenta anos de comunismo totalitário, ela é hoje poderosíssima na Rússia.  Pensam estes pobres que mudando nomes fazem desaparecer a coisa.

Fachos de esquerda, feliz expressão que li não sei onde, a propósito de um assunto do mesmo género.  São os mesmos pidescos que querem reescrever os livros do Mark Twain e do Monteiro Lobato, que mandam retirar quadros dos museus porque exibem mulheres nuas, que queimam livros do Tintin Fachos de esquerda, que alimentam os fachos originais, mas mais perigosos, porque parecem ser dos nossos. Mas não são.

quinta-feira, dezembro 02, 2021

«Leitor de BD»

 

Will Eisner, Um Contrato com Deus (2)

caracteres móveis

«Vivo a minha vida como se o Mal tivesse triunfado.»

Alexandre Pinheiro Torres, «Aquele que nunca falará às aves» (1982) 

quarta-feira, dezembro 01, 2021

terça-feira, novembro 30, 2021

os cabelos em pé: A CATEDRAL (1920), de Manuel Ribeiro, cap. IX


Continuar: «Ora aqui tem, senhor Luciano -- dizia padre Tiago no Capítulo, desdobrando diante do arquitecto uma larga folha de papel coberta de garatujas -- Aqui tem a minha colheitas de "siglas".» Início do cap. IX, pp. 159-180 da minha edição.

A propósito das tais siglas que o padre epigrafista trouxe a Luciano, discorre-se sobre o significado possível dessas marcas de canteiro e a condição dos operários medievais. Destes para os da actualidade vai um pulo. É quando se sabe que os homens que trabalham no restauro da Sé são sindicalistas. Os cabelos em pé da maioria dos padres circunstantes, E então é chamado João Coutinho, um dos mestres pedreiros, que entabula um diálogo, primeiro com o cónego Rocha, depois com o liberal ou progressista padre Tiago. 

Deve dizer-se que Coutinho representa esses sindicalistas cultivados, como era seu apanágio. Recorde-se que o quase mítico Manuel Joaquim de Sousa (1883-1944), secretário-geral da CGT, era sapateiro de profissão; essa mesma CGT que fundou para os trabalhadores o diário A Batalha, com um importante suplemento cultural, bem como a revista Renovação. O seu discurso, sempre sereno, pauta-se  pelos pressupostos ideológicos do anarco-sindicalismo: federação de trabalhadores dos vários sectores, com vista à eclosão de uma greve geral que irá desencadear a revolução social, demolindo a sociedade iníqua do presente. E para isso o Estado terá de ser desmantelado, e com ele todos os aparelhos coercivos, sem falar na Santa Madre Igreja, o grande anestésico moral ao serviço da classe dominante; como, aliás, se infere das palavras do cónego, um ultramontano. O mesmo, porém, não sucede com o padre Tiago, cuja dialéctica se desloca para o terreno do operário. «-- A Igreja perfilha em absoluto as suas doutrinas, senhor João Coutinho.» -- apresentando o Messias como um socialista e revolucionário, e que, na verdade, diga-se, fez sempre parte do apostalado inconformista laico. Portanto, não é de estranhar que a arenga apologética do padre Tiago, ao apresentar a ideia de Igreja Universal como precursora do federalismo; e o próprio Jesus Cristo como primeiro socialista, «que disse melhor nalgumas parábolas o que Karl Marx definiu mal em indigestos tratados.» Mas não deixa de afirmar que o materialismo é pobre para a dimensão humana: «E depois?, sim, e depois? Que é que encontram no termo da sua jornada? O estéril negativismo, a monotonia do nada, a tristeza do fim. É inegável que os senhores planam acima da terra-a-terra vulgar, acima dos outros homens que refocilam como vermes nos mais abjectos egoísmos; mas isso é nada, isso é ainda rastejar, comparado a esse frémito duma alma crente batendo as asas para Deus.» E, com estocada de mestre, desafia: «Porque não tenta, pois, o grande voo? Teme a vertigem? Ofereço-lhe o meu braço, o braço forte da Igreja que não recusa nem se recusou a ninguém, jamais!» Curiosa é a reacção de Coutinho, após a demonstração de eloquência do padre epigrafista. Percebe que esta é uma outra estratégia de adaptação e sobrevivência da Igreja, «sinuosa», «elástica», adaptando-se a todos os regimes. E pergunta-se, apreensivo: «A Igreja, que escapara ao liberalismo, que sobrevivera às repúblicas, ia ainda surgir, como escalracho, nas searas vermelhas da sociedade futura?»  Se a contenda cortês, porém oposta, entre estas duas personagens secundárias do romance, o operário sindicalista e o padre progressista terão algum remate, é o que se verá. Para já, continuo assombrado com este processo de conversão de Manuel Ribeiro, aparentemente assim, à vista de todos. O que me levará à leitura do livro de Gabriel Rui Silva, Manuel Ribeiro -- O Romance da Fé, para melhor descortinar o modo.

o veto do Presidente à lei da eutanásia

 Como não vivemos num mundo ideal, compreendo a prudência manifestada pelo PR, dando de barato que ele se orienta pelas sua crenças e convicções católicas, algo que não devem ser impostas a ateus, como é o meu caso, que, de formação católica, lança as mãos à cabeça pela forma como as pessoas fogem ao desespero da morte agarrando-se a histórias da carochinha, algumas bem bonitas, como a que vamos celebrar agora pelo Natal, e que para mim será sempre um pretexto de reunião familiar. (Sou um homem de família, felizmente.)

Essa formulação, que indistingue (peço perdão pela palavra) doença fatal de doença incurável, pode ser uma porta aberta para o bicho-homem tratar de eliminar os velhinhos improdutivos e maçadores -- dando, de resto, razão às preocupações manifestadas pelo PCP, que são as únicas que acolho. Não deixa de ser curioso de como esta posição, aliás justa, dos comunistas, infirma o seu optimismo antropológico; mas isso é outra conversa.

No entanto, há problemas. Mesmo não se tratando de doença fatal, provocando grande sofrimento, que autoridade pode ser invocada para obrigar alguém que está há décadas confinado a uma cama a continuar a viver? Em nome de quê? De uma fantasmagoria absurda a que chamam deus? Impor uma parvoíce dessas a quem vê tal como é, uma parvoíce explicada pelo medo da morte, é duma crueldade moral intolerável e imbecil.

P.S. - há por aí uns certos católicos que me fazem confusão. Dizem-se tal e são pela eutanásia. Decidam-se lá pela eira ou pelo nabal.

P.S.2 - Todo o respeito pelos místicos, nenhum pelos que pretendem impor aos outros as suas manias.

segunda-feira, novembro 29, 2021

quadrinhos


 

na estante definitiva

 

40 Anos de Servidão, Jorge de Sena – Uma poesia culta e visceral, que pelas vísceras se comunica, ficando nós leitores também mais cultos e descarnados.

Grande poeta e ensaísta, além de romancista, dramaturgo, contista, epistológrafo, Jorge de Sena (Lisboa, 2 de Novembro de 1919 – Santa Bárbara, Califórnia, 4 de Junho de 1978) concentra a dupla característica do criador excepcional com a excepcionalidade do juízo crítico. Pertence à classe dos cerebrais, os que reflectem sobre a própria obra como se de um recenseador terceiro se tratasse (mas nunca trata, na verdade...).

Creio que foi o primeiro livro seu que comprei, e ainda muito novo fiquei esmagado por aquela raiva frontal. Há poemas cujo tom nunca mais esquece. Livro póstumo, organizado pela mulher, Mécia de Sena, de acordo com o que o marido deixara já preparado, contém inéditos e dispersos escritos entre 1938 e 1978, agrupados por ordem cronológica, em paralelo com os títulos da obra édita. O prefácio ostenta uma comovente epígrafe extraída do Hamlet de Shakespeare, seguindo-se a tradução do próprio Sena ...Good night, sweet prince; / And flights of angels sing thee to thy rest! -- ...Boa noite, doce príncipe; / e que revoadas de anjos te conduzam / cantando ao teu repouso.

(1.ª ed., 1979; 2.ª, revista, Lisboa, Moraes Editores, 1982)

domingo, novembro 28, 2021

sábado, novembro 27, 2021

"Leitor de BD"



Will Eisner, Um Contrato com Deus (1)

sexta-feira, novembro 26, 2021

JornaL

"Sexta às 9". Pode gostar-se mais ou menos do estilo de Sandra Felgueiras. Eu, por acaso, prefiro um modo de estar mais comedido nos gestos e no tom; mas isso são pormenores a que normalmente os superficiais ligam muito, sem atender à substância da coisa. De certeza que é muito mais simpático para os Poderes (o político e os outros) o jornalismo de chá-com torradas, língua com língua, redondo e sonolento, que não parte um prato. Ela e o seu programa farão falta à televisão pública. Lítio. Veremos o que acontece, entre outras pendências, com a história da exploração do lítio.

Desculpar o quê?  Afinal, no que a ministra disse sobre a resiliência dos profissionais de saúde só havia uma crítica para quem quis distorcer a mensagem, o que dá imenso jeito nesta altura pré-eleitoral para propagar como entre quem emprenha a actualidade pelos olhos, através das "redes sociais". É assim, e será cada vez pior.

quinta-feira, novembro 25, 2021

portugueses


ANTÓNIO dos Anjos MARQUES
(1954 -- Cascais, 24-XI-2021)

Inesquecível no papel de Camões, na peça Onde Vaz, Luís, de Jaime Gralheiro, no TEC (1981). Cá em casa era conhecido pelo Mufasa. Frequentávamos o mesmo café e a mesma tabacaria.

Em tempo: foi há 40 anos, bolas...

 

quarta-feira, novembro 24, 2021

erotica mystica: A CATEDRAL (1920), de Manuel Ribeiro

 continuar: «Todos os dias era certa a condessinha à missa das 12 na Sé.» início do capítulo VIII, pp. 151-157 da minha edição).

Como se perdidos nos debates políticos do capítulo, a Igreja em face da República, somos relembrados da devoção de Maria Helena e das deslocações diárias à Sé, umas vezes acompanhada da criada, outras, só. E cada dia mais aprecia o trabalho de restauro de Luciano, que este lhe transmitia com ardor: «Toda a Idade Média romântica começava a surgir do fundo dos tempos.», verificava, encantada. E no recolhimento em oração fervorosa na capela de família fixara-se no rosto dum Cristo jovem e pelos vistos atraente, vindo das oficinas de São Sulpício, em Paris: «Como ela amava a linda imagem! [...]  Ah! ser uma eleita de Jesus, como as santas doutrora, e receber as complacências do seu amor! E dava-se-lhe toda num arroubamento , punha-lhe a alma no regaço, presa no íman do seu olhar. Via-se ao lado dele pelas amplas avenidas das naves bordadas de odoríferas árvores, errar, divagar numa estrada macia de sonho. Viver ali na sua catedral, cheia dele, impregnada da sua doçura, não era a felicidade suprema?» A este Jesus, que tanto diferia do agonizante na cruz que fora habituada a ver, era de prever que tanta exaltação iria transmutar a pedra em carne; e quando fixa o rosto, já não era o do deus filho, mas o daquele que não teve força para encarar sem perder os sentidos.  

quadrinhos


Pulp, de Sean Phillips & Ed Brubaker



 

terça-feira, novembro 23, 2021

segunda-feira, novembro 22, 2021

«Sea Song»

a reunião do capítulo da Sé: A CATEDRAL ( 1920), de Manuel Ribeiro, cap. VII

[retomo a leitura comentada do esplêndido romance de Manuel Ribeiro. O que está para trás pode ser lido aqui]

continuar: «Havia aquela tarde reunião no CapítuloInício do cap. VII, pp. 133-150 da minha edição).

O estado da Igreja portuguesa é o grande debate no capítulo, com posições distintas, nesse período de perseguição durante a I República. Uma das correntes, defendidas pelo cónego Rocha, «um fundo reaccionário». sustenta que a Igreja deve combater no campo do inimigo, usando armas idênticas, como a criação de um partido cristão. O beneficiado Trigueiros, por sua vez, representa a corrente ultraminoritária que toma o partido de uma igreja nacional, independente de Roma -- com tradição, aliás, no cristianismo ocidental, e também entre nós, com Pombal, que chega a ameaçar o papado com uma acção desse género, como forma de pressão na questão jesuíta. Uma terceira posição, idealista, a única que disputa importância com a primeira, defendida pelo nosso conhecido padre Anselmo, é a de uma igreja que se afirme pela penitência e oração dos seus membros, tendo como referência o exemplo do Padre Cruz (1859-1948). Uma quarta personagem intervém decisivamente, o beneficiado Tiago, cosmopolita e ardente, erudito, epigrafista consagrado, defensor das obras de restauro da Sé levadas a cabo por Luciano. Defensor de uma Igreja universal assente em Roma, à imagem de Gregório VII (Século XI), não teme os partidos laicos ou a Maçonaria, vistos como manifestações já decadentes, nem crê suficiente para a regeneração da influência da Igreja o papel da penitência ou da oração, por manifestação exclusivamente individual; para si, a Igreja é a instituição perene da Humanidade, a única capaz de redimi-la:

«Foi a Igreja que salvou o mundo. Cristianizar é desbravar. [...] Ela é, de facto, a garantia, a única força inquebrantável contra o desagregamento anti-social, o despenhamento na barbárie! Que Ela domina as consciências, que tiraniza os espíritos! Mas o templo cristão franqueia as suas portas, acolhe os que o buscam sem distinção e não inquire das crenças de quem lhe cruza o limiar, porque os homens -- todos os homens! - são filhos de deus e nenhum o ultraja com sua presença. Onde há aí casa assim tolerante? A Igreja é bela, a Igreja é única! Só ela pode satisfazer um espírito ansioso, só Ela pode dar a felicidade à alma, porque, no meio dos turbilhões sociais que tudo arrastam e aniquilam, a Igreja é o amigo que nunca trai, o braço que nunca se esquiva, a porta que nunca se fecha...». 

A questão religiosa vai de par com a Questão Social, é este o desafio, sem perda de tempo em enfrentar o jacobinismo organizado. Podendo depreender-se -- o desenrolar da narrativa o dirá -- que a luta decorrerá no seio das massas, desvalorizando os partidos e a Maçonaria, conforme a interpelação ao padre reaccionário:

«Não há alianças com cadáveres, senhor cónego Rocha! O mundo velho agoniza. Saudemos o mundo novo! No naufrágio das sociedades, mais uma vez a barca de Pedro se orientará para novos rumos.»

O padre Tiago traz a discussão a ideia de intervalo defendida pelos anarquistas: está-se num processo intervalar (O Intervalo, note-se, é o título de um romance de Ferreira de Castro em 1936, só publicado em 1974), em que o velho mundo está a ruir e um mundo novo está ainda por alcançar. É pois um momento de luta, demolição e sangue. O capítulo está boquiaberto:

«Os padres olharam-se estupefactos. Que significava tal linguagem? Até onde queria padre Tiago chegar? Transigir com a Revolução? pactuar com a anarquia? Mas o beneficiado estaria doido?...»

Veremos até onde quis chegar Manuel Ribeiro.

domingo, novembro 21, 2021

quinta-feira, novembro 18, 2021

«O bonde passa cheio de pernas: / pernas brancas pretas amarelas.» 

Carlos Drummond de Andrade 

quarta-feira, novembro 17, 2021

1 disco-1 faixa: THE TIMES THEY ARE A.CHAGIN' (1964) - #7. «Boots of Spanish Leather»

«[...] o antigo que dura ainda, é porque tem achado na experiência a confirmação que o moderno não tem.» 

Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra (1846)

terça-feira, novembro 16, 2021

«El Cine»

«E, apressadamente, se constrói o Sol, / amalgamando os homens num só disco.»

Jorge de Sena

quarta-feira, novembro 10, 2021

quinta-feira, novembro 04, 2021

terça-feira, novembro 02, 2021

«Leitor de BD»




Moebius & Jodorowsky, Os Olhos do Gato

aqui

cenários eleitorais

1. PS ganha com maioria absoluta, deslocação de votos à esquerda, e também ao centro, por eleitores desgostosos desta balbúrdia indecorosa de PSD e CDS. Assunto arrumado.

2. PS ganha com maioria relativa

2.1.Nova geringonça mais PAN; 

2.2. Governo de bloco central, se Rio estiver à frente do partido.

3. Partidos à esquerda perdem maioria absoluta. Rio faz a sua geringonça

3.1. À açoriana

3.2. Recorrendo ao PAN (veremos o resultado deste).


Se Rangel ganhar o PSD (para mim, duvidoso, felizmente) a situação torna-se mais complicada, se a esquerda e PAN não tiveram maioria. Bloco central impossível com Costa e Rangel, crio.

domingo, outubro 31, 2021

1 disco-1 faixa: PLEASE PLEASE ME (1963) #1. «I Saw Her Standing There»

"Havia um sabor no ar."

 «Os seus olhos fugiram imediatamente do diabo que se escondia ali, sob as saias, redondo que nem uma abóbora; mas logo se enredaram no sorriso que a mulher luzia -- um sorriso branco e húmido. Havia um sabor no ar.»

Ferreira de Castro, A Missão (1954)

quarta-feira, outubro 27, 2021

«Jama Narenji»

tempo de berbicacho

1. Bem dito, no geral, a crónica de Pedro Tadeu, no Diário de Notícias, sobre "Quem matou a geringonça?", embora lá falte o cálculo eleitoral que também está por detrás do chumbo do Orçamento do Estado, ou a excessiva contemporização do PCP e do BE para com a contemporização excessiva do PS para alguma legislação do famigerado governo de Passos Coelho, num momento em que o governo já tinha caído nas boas graças da UE, com Mário Centeno a presidir ao Eurogrupo, afastadas pois todas as suspeitas de radicalismo esquerdista à frente dos destinos de Portugal. A situação actual é, pois, de responsabilidade tripartida.

2. Ainda no Diário de Notícias, uma cacetada valente de Ribeiro e Castro no pantomineiro Paulo Portas, cujos comentários televisivos nunca vi, nunca gostei nem tornarei a ver.

3. O inefável Rangel. É uma aversão antiga, desde que se revelou um demagogo barato. Criatura cheia de si, deve julgar-se um predestinado e impressiona os pacóvios. Uma das últimas dele: o contravapor que tentou fazer junto da Comissão Europeia no início do primeiro governo de Costa, pensando nos pontos políticos que iria granjear o seu partido, isto é, ele próprio, o seu desígnio último. A noite do dia em relação ao verdadeiro patriotismo demonstrado por Carlos Moedas, então comissário. Se a criatura se tornar líder do PSD terei de pensar seriamente em quem irei votar, provavelmente em Costa.

terça-feira, outubro 26, 2021

"Leitor de BD"

 

Greg, As Férias de Ach!lle Talon

aqui

segunda-feira, outubro 25, 2021

quadrinhos



 

 «Ramo verde tão querido, / tão querido do meu amor, / de belas flores florido, / florido de bela flor...»

Jorge de Sena, de «Variações sobre cantares de D. Dinis»,

40 Anos de Servidão (póstumo, 1979)

sexta-feira, outubro 22, 2021

Governo aprova a muito custo as propostas democratas-cristãs do PCP; patrões batem com a porta

O PCP tem este slogan formidável: "A um posto de trabalho permanente, um contrato de trabalho efectivo".  Acho que o Papa é o primeiro a concordar com isto. Só vejo decência no slogan do PCP. Nos que são contra, vejo o contrário, vejo indecência. Os patrões, alguns, não gostaram.  Alguns desses alguns vão à missa ao domingo sugar a hóstia. São indecentes estes patrões. São anti-Papa. Serão os mesmos que acusam alguma esquerda de ser contra a família.
E alguma esquerda menoriza estupidamente a família. A direita patronal precariza, explora, usa, gasta e deita fora. Mas é a favor da família. Entre uma e outra a minha preferência é nenhuma. 

amanhã, no Barreiro

 


Num ciclo de homenagem ao escritor barreirense Jorge Teixeira, 
irei falar sobre Ferreira de Castro, no Auditório Augusto Cabrita, pela 15 horas.





quinta-feira, outubro 21, 2021

nau perdida

«Na noite seguinte, segunda-feira [23 de Março de 1500], ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!» 

Pero Vaz de Caminha, "Carta" a D. Manuel I (1500)

«One Too Many Mornings»

terça-feira, outubro 19, 2021

na estante definitiva


carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500) é na verdade um relatório, um relato sobre o que viu e ouviu na nova terra que era já conhecida pelos portugueses antes de Pedro Álvares Cabral. Atestam-no o Tratado de Tordesilhas (1494) e a circunstância de o principal navegador desta frota ser Bartolomeu Dias, que sete anos dobrara o Cabo. A derrota para oeste serviu para oficializar a posse daquela terra que viria a chamar-se Brasil.

Há dois milagres no que respeita ao documento: um, foi o de ter chegado até nós, não ter ido ao fundo num naufrágio ou perder-se sabe-se lá onde, até ser (re)descoberto no século XVIII, no meio de papelada, sendo impresso apenas em 1817, pelo padre Manuel Aires de Casal.

O segundo milagre é o próprio Pero Vaz, a forma como escreve, reportagem pura, obedecendo à "regra dos 5 w's": what-who-when-where-how (why, se quisermos um sexteto). Fá-lo com a objectividade de um homem a terminar o século XVtalvez porque fora mestre da balança Casa da Moeda do Porto, com funções de escrivão e tesoureiro, o que exigiria qualidades de exposição prática. Talvez por isso, os editores do livro que tenho na mão, Maria Paula Caetano e Neves Águas, tenham escolhido para epígrafe da sua introdução um fragmento do Diário de Miguel Torga: «Diante da carta de Pero Vaz de Caminha até me vieram as lágrimas aos olhos.»

portugueses



ARISTIDES DE SOUSA MENDES do Amaral Abranches

Ora então quem foi o maior português do século XX? Não foi, certamente, o Salazar. Não foi Gago Coutinho, extraordinária figura de inteligência e acção ou Jaime Cortesão, outra. Foi o homem que o Estado hoje homenageou, depois de lhe arruinar a vida -- o amoralismo de Salazar não se detinha diante de ninguém -- e depois ocultá-lo para que se esquecessem. Foi preciso que um historiador expatriado no Canadá, Rui Afonso, trouxesse luz sobre um homem que foi sacrificado por ser bom e digno, salvando centenas ou milhares de vidas (pouco importa para o caso a exactidão do números), para que o país o conhecesse. Salvar vidas, destruindo a sua própria, chama-se a isto heroísmo.

«Leitor de BD»

 



Régine Vandamme, les Maîtres da la BD Belge

segunda-feira, outubro 18, 2021

domingo, outubro 17, 2021

quinta-feira, outubro 14, 2021

quarta-feira, outubro 13, 2021

terça-feira, outubro 12, 2021

quadrinhos



 

"Leitor de BD"

 

Les Nouvelles Enquêtes de Ric Hochet - Comissaire Griot
por Zidrou e van Liemt

domingo, outubro 10, 2021

portugueses


LuÍs CRISTÓVÃO Dias DE AGUIAR
(Pico da Pedra, São Miguel, 8-IX-1940 -- Coimbra, 5-X-2021)

 

sexta-feira, outubro 08, 2021

quadrinhos



 

Prémios Nobel

O Nobel da Paz para dois jornalistas. Quando são verdadeiros jornalistas -- penso ser o caso -- e não agentes estrangeiros ou activistas disfarçados de jornalistas, é excelente. A liberdade de imprensa é o patamar mínimo, básico de uma sociedade civilizada. É claro que a partir daí ou se sobe ou se desce.

De qualquer modo, fico sempre com o pé atrás quando indirectamente se põe no mesmo saco Putin e Duterte. No entanto, os jornalistas e o jornalismo -- os verdadeiros, e não algum putedo que para aí anda -- sempre em primeiro lugar, em face de qualquer poder.

Hei-de ler o Nobel da Literatura, Abdulrazak Gurnah, mesmo se na notícia de ontem me chegasse ao ouvido a expressão "estudos pós-coloniais" com todo o cortejo de parvoíces associadas. Mas o homem é da Tanzânia, de certeza que não lhe falta legitimidade para expender.

quarta-feira, outubro 06, 2021

portugueses


VÍTOR Francisco Xavier FEYTOR PINTO

Coimbra, 6-III-1932 -- Lisboa, 6-X-2021

(foto: Rodrigo Mendes)

"Leitor de BD"

João Paulo Cotrim, Stuart -- A Rua e o Riso (3)

 

portugueses


FERNANDO ECHEVARRÍA Ferreira

 

domingo, outubro 03, 2021

o sedutor Camões

Do bucolismo enleado na contemplação dos campos, verdes como os olhos da amada do sujeito poético, que é Camões, ele-próprio, em Verdes são os campos, ao atrevimento insinuante com que responde ao mote de Francisca de Aragão. Camões foi um dos muitos poetas que se encantou por esta algarvia, que fundaria a casa de Ficalho, título outorgado por Felipe II. «Aquella voluntad q(ue) se á rendido, / al puro respla(n)dor d'aq(ue)llos ojos, / por quie(n) todo lo al po(n)go en oluido. (o castelhano como língua culta da corte)», poetou D. Manuel de Portugal, comendador de Vimioso, que Camões considerava seu par. Composição galante, muito ao gosto dos equívocos subentendidos e jogos de palavras que povoam o Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende.

Ao mote que lhe enviou D. Francisca, “Mas porém a que cuidados?”, responde Camões com uma redondilha cuja estrofe última é deliciosamente insinuante: «Ter nuns olhos tão fermosos / os sentidos enlevados, / bem sei que em baixos estados / são cuidados perigosos; / Mas porém, ah! que cuidados!» Seguida de uma carta, em que escreve, galanteador (e com que sinceridade?):

Senhora

Deixei-me enterrar no esquecimento de v. m., crendo me seria assi mais seguro: mas agora que é servida de me tornar a ressuscitar, por mostrar seus poderes, lembro-lhe que üa vida trabalhosa é menos de agradecer que üa morte descansada. Mas se esta vida, que agora de novo me dá, for para ma tornar a tomar, servindo-se dela, não me fica mais que desejar, que poder acertar com este moto de v. m., ao qual dei três entendimentos, segundo as palavras dele puderam sofrer: se forem bons, é o moto de v. m.; se maus, são as glosas minhas

sábado, outubro 02, 2021