quarta-feira, setembro 12, 2018

Serena Williams, touradas, clima, folclore, patetices, o politicamente correcto

Ser anti-racista não significa ser estúpido. A caricatura vive da deformação propositada. Serena Williams parece ter tido um comportamento lamentável. O cartoonista australiano Mark Knight fez um desenho alusivo. Se a protagonista do episódio é negra, como querem que se faça a caricatura? Eliminando os traços fisionómicos negróides (lábio grosso, nariz achatado, carapinha)? Isso sim, seria racismo, particularmente boçal e doloso: o branqueamento do tipo étnico da atleta.
Mais censura e policiamento fascistóide. Não há diferença de natureza, apenas de grau, entre a 'indignação' destes talibãs ocidentais e, por exemplo, a selvajaria do caso dos cartoons do Maomé. 
 

Ocorrem-me agora outros dois casos recentes, que, por razões diferentes, me suscitam ora dúvida, ora perplexidade: o das touradas e o do colóquio na Universidade do Porto sobre o clima.
 

Sobre a tourada, teria muito a dizer, até porque estou entalado entre a minha posição de princípio desfavorável do ponto de vista ético (apesar de incoerente, porque bife com batatas fritas será sempre o meu prato favorito) e o inegável significado cultural e histórico das corridas -- ao qual não consigo ser insensível --, para já não falar da incrível beleza plástica da lide a cavalo ou a vertiginosa insanidade duma pega de caras.


A propósito da conferência do Porto, só tenho a minha ignorância a evidenciar e perguntas a fazer: estes tipos são cientistas e académicos que defendem uma posição minoritária, ou não passam de mercenários e prostitutos a soldo do lóbi das fósseis? Se são cientistas, como aceitar a pressão e os insultos que vieram a público e um protesto assinado por alguns cientistas portugueses eminentes?; se não passam de vigaristas, como nos é dado a entender, como pode a Universidade do Porto acolhê-los, ainda por cima com uma sua catedrática à cabeça da organização? A universidade é para debater inter pares;  se não são pares, não têm nada a fazer ali, arrendem uma sala num hotel para se entreterem; se o são, o que assistimos na semana passada precisa de ser analisado nos seus contornos políticos.

7 comentários:

PNLima disse...

Começar a censurar os cartoons, como parece quererem fazer a este que está brilhante, é decididamente um grande sinal que temos todos que ser ovelhas e seguir um rebanho no qual eu não estou nada interessada (são dois os meus cartoonistas favoritos: Columbano e o Geluck)! Pensar diferente está a tornar-se difícil ;-)
Boa tarde

Manuel Rocha disse...

Um aplauso particular para o último parágrafo. Além de que os contornos que politicos que refere podem bem ser lidos em sentido bastante lato, abrangendo por exemplo o conservadorismo de algumas academias e a luta pelo poder de nomear a "verdade".

MRocha

R. disse...

Paula, felizmente o jornal não se acobardou e reincidiu, com reforço.

Manuel Rocha, pois gostava de ser esclarecido para perceber do que estamos a falar: se chico-espertice e charlatanismo de um lado, se abuso de hegemonia.

Jaime Santos disse...

Knight disse que nada sabia dos tempos de Jim Crow nem dos cartoons que eram desenhados nessa altura. O que de alguma maneira o desqualifica como ignorante.

Não é possível falar ou brincar com alguém proveniente de uma minoria oprimida como se se estivesse em presença de um homem branco.

Trata-se de uma falsa simetria porque a igualdade ainda não existe e mesmo que existisse haveria todo o peso da História.

Aliás, o mesmo se passa no caso dos cartoons de Maomé. Representar o profeta com uma bomba na cabeça implica qualificar todos os muçulmanos como bombistas. E pode dizer-se o mesmo dos cartoons do Charlie, aliás...

A questão que se coloca é uma de falta de sensibilidade de quem os desenha relativamente à condição (passada e presente) de quem é caricaturado. E aqui o que se discute é apenas a censura moral de quem resolve usar da sua liberdade de expressão. E aí lamento, mas quem anda à chuva molha-se...

Claro, haverá sempre idiotas que se lembrarão de insultar, ou ameaçar ou mesmo atacar quem assim procede (o cartoonista teve que apagar a conta de Twitter, creio), mas achar que o dito cartoon é repugnante não faz de mim ainda um Taliban, acho...

Quanto às touradas, fiquei esclarecido do que vai na cabeça de quem toureia com as agressões a ativistas dos direitos dos animais aqui atrasado. Não que goste particularmente do que defendem (alguns querem acabar com o uso de experimentação animal que é ainda absolutamente necessária para a investigação científica) mas quando uma turba agride quem já está sob a custódia da GNR, isso parece-me particularmente cobarde.

Pode achar-se que a desobediência civil dos ativistas é inapropriada nestes casos, mas é uma questão de perspetiva. Se calhar no Passado houve quem o dissesse em relação à defesa de valores que hoje não questionaríamos.

Finalmente, os ditos 'negacionistas' (prefiro o termo 'clima-céticos') não são, creio eu, uns fantoches a soldo do lóbi dos combustíveis fósseis (alguns podem sê-lo, mas não a maioria). São, creio (pelo menos neste caso) uns excêntricos, a acreditar nas palavras da Professora da FLUP que organizou o colóquio.

Teria claro que investigar mais pormenorizadamente o que ela defende, mas dizer que o CO2 é um gás inofensivo é dar um pontapé em conhecimento científico perfeitamente fundamentado. Quem descobriu o papel do CO2 como gás de efeito de estufa foi o Químico Sueco (e Prémio Nobel) Svante Arrhenius no final de sec. XIX (ver aqui https://en.wikipedia.org/wiki/Svante_Arrhenius).

O que se pode discutir é até que ponto os modelos climáticos que preveem o aumento de temperatura são adequados devido à nossa falta de capacidade computacional. É por isso que se recorre a previsões estatísticas... Mas provavelmente elas estão a errar pelo lado da prudência. O mais natural é que os aumentos de temperatura sejam superiores ao que é previsto.

O manifesto contra esta conferência (em que a FLUP se limitou a ceder a sala, sem que provavelmente alguém reparasse no que iria ser discutido) foi, isso sim, um grande tiro no pé. Fez de quem merecia ter sido ignorado um mártir da liberdade de expressão.

Mais uma vez, importa lembrar que existe uma falsa simetria entre os dois lados desta questão. Em Ciência, como você não se cansou de lembrar em relação à polémica dos Descobrimentos, a autoridade de facto conta...

R. disse...

Você chama-lhe ignorante, eu chamar-lhe-ia outra coisa, talvez cobarde, pois pela foto que vi, não se trata de um puto. De qualquer modo, nunca teria de saber para ter toda a legitimidade para fazer o cartoon.

Você acha que a Serena Williams pode ser descriminada positivamente; eu acho que não pode nem deve. Tanto mais que o cartoon não incide sobre nenhuma particularidade étnica, mas no comportamento, parece que bestial da senhora. Eu seria o primeiro a condenar se houvesse racismo no cartoon, não há. As comparações com os cartoons do tempo da segregação racial é mais uma aldrabice dos polícias do politicamente correcto e nem merece que se perca tempo com ela, neste caso em concreto.

Em relação ao Maomé e ao Charlie Hebdo, nem acredito que você escreva isso. Falta de sensibilidade não será um desejo de autocensura? Os cartoons do Maomé são modelares e, francamente, estou-me nas tintas para a turba, mas preocupado com o pobre do cartoonista, que, por causa duns selvagens acéfalos e manipulados, não só teve (tem?) de estar escondido, como sofreu um atentado na própria casa, creio que na companhia de um neto. Não me vai dizer que ele se pôs a jeito, assim escola do Boaventura, pois não? Aliás, é bem possível que o homem tenha passado a ficar cheio de sensibilidade e agora só desenhe pequenos Mickeys.

As agressões nas touradas. Ouvi falar, creio que foi nas minhas férias. A sua generalização parece-me mais do que abusiva em relação aos aficionados, mas não quero elaborar sobre o que ouvi de raspão, A haver censura será à GNR, que não soube defender os provocadores; que os aficionados tenham aproveitados para enfiar uns papossecos nos activistas, é a tal coisa: quem anda à chuva molha-se.

O tema, contudo, constrange-me. No actual contexto, gostava de poder defender a tourada, mas seria falsear-me. Sempre fui contra, e ainda não entrei na fase do tiro ao activista. Neste momento, veria com bons olhos que a corrida fosse permitida apenas nas três regiões em que tem raízes fundas: Estremadura, Ribatejo e Alentejo (para além doutras manifestações aparentadas que existem na Beira ou nos Açores).

Obrigado pelos esclarecimentos quanto às questões do clima. Se são apenas uns excêntricos, no entanto, parece que com currículo académico e exercendo a docência em universidades públicas, o caso parece-me preocupantemente sintomático. Desde logo pelo recurso ao insulto soez de 'negacionista', empregue, e bem, para os que negam o Holocausto e as indústria de morte dos nazis -- embora a criminalização desse negacionismo (deste e doutros) já me pareça delirante e particularmente perigoso.

O que leva gente como Carlos Fiolhais, Filipe Duarte Santos ou Teresa Lago -- tratando-se de pessoas com opiniões diferentes ou excêntrico, como você diz, e não reles charlatães -- o que os terá levado a apequenar-se nessa espécie de bullying colectivo?

Como você diz, a autoridade conta, mas antes de tudo exerce-se. Quem manda calar os outros, perde-a.

Manuel Rocha disse...

https://www.youtube.com/watch?v=TCy_UOjEir0


Ao Jaime Santos, com amizade.

MRocha

R. disse...

Meu Deus, nós comuns mortais ficamos sem saber o que pensar.