segunda-feira, dezembro 04, 2017

o défice de conhecimento

Tenho escrito, recorrentemente, que o atraso português -- que só começou a ser invertido há pouco mais de quarenta anos, com o 25 de Abril --, serve ainda de explicação para a ausência de massa crítica que caracteriza uma boa parte da nossa comunidade. E não chega culpar o Salazar; este herdou o país que herdou: despovoamento e exaurimento populacional do território com a aventura da Expansão e Descobrimentos, Inquisição, invasões napoleónicas que desestruturaram o país, uma guerra civil sangrenta, a substituição dum corpo dirigente imobilista por um conjunto de arrivistas e devoristas, que viram chegar a sua vez de se saciar com a nação e os seus bens. Salazar é culpado, sim, não tanto por ser um produto genuinamente nacional de conservantismo, mas por ter afinado uma sociedade policiada (a pide, sim a pide, e os milhares de informadores que ainda se cruzam connosco na rua, ou existiram nas nossas famílias, amigos ou vizinhos), com o objectivo primeiro de se conservar no poder. Ao fim de quarenta anos, os indicadores civilizacionais melhoraram, pudera, mas, em 1974, não deixavam de nos envergonhar a todos. Isso explica, em boa parte, a consabida pobreza das elites no presente, e não apenas políticas. António Costa está, por isso, cheio de razão, 43 anos após a Revolução, ao identificar o nosso principal défice . A seguir a 1974, houve que democratizar o ensino, como todos os custos de nivelamento por baixo que tal implicou; o que importa no presente é continuar a elevar o nível da escola pública e, acima de tudo, o sentido crítico. Com uma filha no 9.º ano, o último do chamado Ensino Básico, vejo um programa bem nutrido nas ciências e indigente no Português e na História, e temo que vá piorar no secundário, a exemplo do que sucedeu com os seus irmãos, com a secundarização das Humanidades. O melhor que uma escola pode dar aos seus alunos é ensinar a pensar e, como ontem disse o PM, a gostar de aprender. Mas isso só será possível com professores que saibam pensar e gostem de aprender, para além de ensinar. Ainda estamos mal, nisso.   

2 comentários:

Jaime Santos disse...

Parece-me que esse défice das humanidades não é exclusivo de Portugal. Quer ensinar-se a 'empregabilidade' ou lá o que é, quando se esquece que o que é necessário é justamente ensinar as pessoas a pensar pela sua cabeça e que a Filosofia, as Línguas e a História são instrumentos absolutamente essenciais desse processo. Howard Zinn dizia que quem não sabe História é como se tivesse nascido ontem... Por outro lado, note que não há uma leitura objetiva da História, pelo que o seu ensino é necessariamente um ato polémico. Devem ensinar-se os crimes cometidos no período da expansão marítima e subsequente colonização de África, Índia e Brasil? Eu entendo que devem, mas pergunte à Dra Cristas e não sei se a opinião será a mesma...

R. disse...

Pois, meu caro, calculo que não será, o que não é nada consolador. Muito bem esgalhada, essa frase: e quando olhamos para alguns líderes políticos, não necessariamente só o Trump, e não necessariamente só n-americanos, vemos umas figurinhas de bibe. E claro que devem ensinar-se. Foi mesmo por não serem ensinados, que nos Centenário do Vasco da Gama e do Cabral ficámos basbaques quando percebemos que havia gente noutras latitudes sem grande vontade para comemorar, vá-se lá saber porquê... E Cristas?, não estou a ver :)