segunda-feira, agosto 28, 2006

A oeste de Pecos

Um cacto floresce de noite no meu jardim, a oeste de Pecos.













uma vinheta de Morris












Uns dias apenas, para
as serranias do Norte.
Não mais canção que a musa já receia / fique em sombras a cópia que descreve
José da Cunha Brochado

domingo, agosto 27, 2006

Ferreira de Castro
















foto de San-Payo

Correspondências #57 - Ferreira de Castro a Roberto Nobre

S/c R. Dº Notícias 44-1º
Lisboa 23/3/925
Meu caro Roberto:
Como vai V.? Louvo-lhe a coragem por uma tão grande ausência... Noutra carta e mais de vagar hei-de increpá-lo por isso. V. não tem o direito de afastar-se assim do campo da luta. Enfim, falaremos mais pausadamente para outra vez.
Por agora quero dizer-lhe que só ontem tomei conhecimento da s/ carta para o Assis. Tratei do caso que nos dizia respeito. Falei com Anahory do A.B.C. Ele aceitou a sua colaboração. E parece-me que V. vai ficar -- fica certamente -- como colaborador efectivo e com muito trabalho. Aí vão agora dois trabalhos meus, que V. devolverá com os desenhos o mais depressa possível. (O Julião Quintinha, entrando ontem no meu gabinete, levou-me a interromper esta carta...)
Portanto, como lhe dizia há 24 horas, V. fica como coalborador do A.B.C., a não ser que a fatalidade se coloque de permeio... O Anahory, a quem mostrei o livro pª crianças que V. ilustrou, ficou bem impressionado. Para sossego da sua sensibilidade, devo dizer-lhe que isto não foi devido à minha retórica ou à minha amizade por si -- mas pelo seu próprio valor e pelo Anahory -- cá para nós -- precisar de mais um desenhador... Logo tratarei com ele sobre preços.
Falei também com o Mário Domingues, que está dirigindo a edição da Batalha (diária). Aceita com muito prazer um boneco seu, para os domingos. Exige-se apenas uma condição: que o boneco seja de acordo com o carácter do jornal, é dizer, que seja de crítica a qualquer facto da burguesia. Para isso talvez você se inspirasse lendo a própria Batalha... Legenda e assunto ao seu critério. Pagam quinze escudos por cada desenho. Agrada-lhe Roberto? Eu escuso de dizer que a mim agradava muito que V. principiasse a surgir nos jornais de Lisboa. Quanto ao Suplemento ainda não falei com o Pinto Quartim, que o dirige. Mas estou certo que ele aceitará também a sua colaboração.
Adeus, meu amigo. Escreva-me, mande-me os desenhos do A.B.C. -- depois, v. tratará directamente com o secretário da redacção, que lhe enviará os trabalhos e a «massa» -- e diga-me coisas... Um grande abraço do amigo, que tem que lhe dar uma grande sova por esse isolamento que é quase um renúncia (ou não?)
JM Fereira de Castro
Correspondência (1922-1969)
(edição de Ricardo António Alves)

Roberto Nobre
















autocaricatura

sábado, agosto 26, 2006

Estampa LXIV

Aristide Maillol, O Mar ou A Vaga
Museu do Petit Palais, Paris

Antologia Improvável #157 - Fernando Jorge Fabião (2)

AS COISAS MUDAS

as coisas mudas
aguardam uma palavra que as salve:
pedaços de vidro
fios de rede
seixos (que sobrevivem ao
saque do mar)
madeira (disposta ao tacto)

os ardis permanecem
com as suas regras:
uma ilha sonha com a outra
as mutações da sombra
supreendem a película azul do céu

e há quem viaje pelo tacto
pelo chão nocturno das palavras

In Espaço Público, n.º 1

Boas maneiras

Grace Slick
fotp: David Gans

quinta-feira, agosto 24, 2006

uma capa de Will Eisner

Caracteres móveis - John Ruskin

Os edifícios antigos não nos pertencem. Em parte são propriedade daqueles que os construíram; em parte das gerações que estão por vir. Os mortos ainda têm direitos sobre eles: aquilo por que se empenharam não cabe a nós tomar.
Epígrafe em The Building, de Will Eisner

Ruskin

quarta-feira, agosto 23, 2006

Mal fora iniciada a secreta viagem, / um deus me segredou que eu não iria só.
David Mourão-Ferreira

Sempre Glorioso

terça-feira, agosto 22, 2006

doìdamente

A gravidade daquele acento põe-me como doido.

segunda-feira, agosto 21, 2006

estampa LXIII

Otto Dix, Cidade
Galerie der Stadt, Estugarda

Antologia Improvável #156 - Nuno Júdice

PEDRO E INÊS

Desfizeram-se estrelas num azul de queixa;
choraram nebulosas nos fios do crepúsculo.

Para onde fogem os amantes mortos? Em que
eternidade repousam os cansados corpos?

Pedro, Lembrando Inês

Nuno Júdice

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Miguéis















José Rodrigues Miguéis Archives

domingo, agosto 20, 2006

Correspondências #56 - José Rodrigues Miguéis a Irene Lisboa

Bruxelas, 9 -- Novº 1929

Minha querida Amiga

A sua carta, recebida hoje, não me surpreendeu. Contava que o seu estado de espírito fosse justamente o que ela me revelou. Perdoe-me esta audácia de me supor perspicaz. De certo, era tão fácil pressupor que você iria sofrer com a sua nova etapa! O que é inadmissível é que você fale da morte. Bonito tema para a filosofia e para a literatura. Mas não para se tomar a sério, como problema pessoal. O que você sofre em Genebra estou eu sofrendo em Bruxelas. É o mal da solidão que o esforço para nos adaptarmos agrava. Isso há-de passar-lhe, -- mal de nós se não passasse -- e a mim também. O que é preciso agora é conformarmo-nos ao meio o mais possível. Eu tenho sofrido. Perdi o apetite. Ao fim de um dia de courses a pé, de autobus e de eléctrico, estava doente. Caí em perfeito estado de indecisão e de anarquia de intenções. Mas vou contar-lhe o que fiz. Cheguei aqui anteontem ao meio-dia. (Antes que me esqueça: o seu guarda-chuva não estava no hotel; procurei-o por toda a parte, perguntei à criada, indaguei no restaurante, ninguém o tinha visto. Em todo o caso, para se tranquilizar, convém talvez que escreva ao gerente do café onde almoçávamos, para que lhe guarde o objecto, se ele aparecer; isso mesmo mo tinham já prometido. Mas convém insistir.) Fui imediatamente a um hotel, onde por 22 ou 25 fr. belgas de diária (não sei ao certo) me instalaram num quarto razoável, au sixième. Água corrente, chauffage, panorama sobre a cidade (que é extremamente animada e curiosa, sem o encombrement de Paris, nem o provincianismo duma Lisboa), e junto da praça da Bolsa, que é, num país capitalista, o coração do burgo. Mas isto não me alegra. Depois de instalado pus-me a procurar os Decrolys e outros bichos. Só almocei às 3 h. da tarde (talvez daí venha o meu malestar) e só às 4 1/2 (já noite cerrada, meu Deus de Portugal!), apanhei Decroly, num grupo de sábios, com a filha (que é médica), numa policlínica infantil. Apresentou-me logo a um médico de Estrasburgo, novo e musiqueiro, que aqui veio para ver pedagogias. Foi uma corvée. Ao almoço comera potée ardennaise, uma coisa imensa, boa e monstruosa que só acabei de digerir nessa noite. Passeei Bruxelas de automóvel com o Decroly, e depois só com o francês, a filha do Decroly e uma linda espanhola loira, de Barcelona, que está aqui muito bem há dois anos, como jardineira de infância, creio. Fomos para casa do Decroly, funcionou o gramofone (Bach, Albeniz etc.) e jantar. Eu estava arrazado e durante o jantar, que durou 3 horas, não abri quasi o bico para falar e mal para comer. Etc. Como vê, ainda não comecei a pensar... Logo que comece lhe escreverei. Tenho lido jornais. Já escrevi. Tenho saudades de muitas coisas e de si. Não espere o meu endereço para escrever. Eu lho darei na devida altura. É preciso dominar esses nervos e aceitar tudo com indiferença, mesmo a pedagogia e a falta de água no quarto. Não pense no meu dinheiro; governar-me-ei bem e a si os francos podem faltar-lhe. Não tenha saudades de quem é mau, e creia-me amigo e admirador devotado
Miguéis
In Irene Lisboa -- 1892-1958
(edição de Paula Morão)

Irene Lisboa

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Mais estranho, sempre, é sobreviver / a isto, fingir que não, sorrir.
Manuel de Freitas

Boas maneiras

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sábado, agosto 19, 2006

Assalto à mão armada

Nunca pensei acabar assim. Dirigindo-me na Mala Posta até Coimbra, neste ano do reinado de D. Maria, nossa Senhora, que Deus guarde, fomos assaltados, perto do Luso, por um grupo de bandoleiros, armados de fuzis de pederneira e gritando vivas a D. Miguel. Depois de nos haverem extorquido todos os bens, forçaram-nos a assistir ao estupro das mulheres que connosco seguiam viagem. Confundindo-me com um célebre publicista que em Lisboa escreve nas folhas em defesa da restauração da Carta, deixaram-me vivo, porém enterrado até ao pescoço, com a minha pena, papel e tinteiro ao lado, para -- disseram-me entre risos alvares -- escrever com a boca louvores «ao malhado do D. Pedro» (Sua Sereníssima Majestade Imperial) e missivas de socorro aos meus amigos do Ministério.
De «Três Estórias com Data» (1994)

sexta-feira, agosto 18, 2006

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uma prancha de Will Eisner (fonte)

quinta-feira, agosto 17, 2006

Antologia Improvável #155 - Manuel Alegre (2)

CANTO PENINSULAR

Estar aqui dói-me. E eu estou aqui
há novecentos anos. Não cresci nem mudei.
Apodreci.
Doem-me as próprias raízes que criei.

Foi a guerra e a paz. E veio o sol. Veio e passou
a tempestade.
Muita coisa mudou. Só não mudou
este monstro que tem a minha idade.

E foi de novo a guerra e a paz. Muita coisa mudou
em novecentos anos.
Eu é que não mudei. Neste monstro que sou
só os olhos ainda são humanos.

Quantas vezes gritei e não me ouviram
quantas vezes morri e me deixaram
nos campos de batalha onde depois floriram
flores e pão que do meu sangue se criaram.

Andei de terra em terra
por esse mundo que de certo modo descobri.
E fui soldado contra a minha própria guerra
eu que fui pelo mundo e nunca saí daqui.

Mil sonhos eu sonhei. E foram mil enganos.
Tive o mundo nas mãos. E sempre passei fome.
Eis-me tal como sou há novecentos anos
eu que não sei escrever sequer o meu próprio nome.

Falam de mim e dizem: é um herói.
(Não sei se por estar morto ou porque ainda não morri)
Mas nunca ninguém me dissse a razão por que me dói
estar aqui.

Praça da Canção

Manuel Alegre

quarta-feira, agosto 16, 2006

Caracteres móveis - Vercors

[...] não posso ofender um homem sem sofrer, mesmo que esse homem seja meu inimigo.
O Silêncio do Mar
(tradução de Maria Jorge Vilar Figueiredo
e Maria Teresa Belo)

estampa LXII

Aurélia de Sousa, Auto-Retrato
Museu Nacional Soares dos Reis, Porto

terça-feira, agosto 15, 2006

Palavras / Quase todas a mais
Alberto de Lacerda

domingo, agosto 13, 2006

misreading

«As objecções do Líbano foram tidas em coma.»

Afonso Duarte

Correspondências #55 - Afonso Duarte a Adolfo Casais Monteiro

Querido Amigo:
Se temos de falar de humanidade na nossa poesia de hoje, em v. teremos de a procurar na sua mais alta expressão. Depois do Canto da nossa agonia, -- Europa: para sempre na nossa alma angustiada deante do mundo. Se me fosse possivel partir daqui, um só caminho teria: era ir abraça-lo.
Até lá
Afonso Duarte
Coimbra,
8.Fev.º946
In Portugal, a Guerra e os Novos Rumos da Europa
(edição de António Braz de Oliveira e Manuela Rêgo)

Casais Monteiro

sábado, agosto 12, 2006

Antologia Improvável #154 - Eduardo Salgueiro (2)

BUENA-DICHA

Que milagre de voz! Que feiticeira,
Aquela voz de timbre matutino!
-- E o seu corpo, ondulante e pequenino,
Que bendito grilhão prá vida inteira!

Linda cigana!... Um dia, numa feira,
Por desgraça, quis ler o meu Destino,
Desde então, vivo preso ao sol divino
Desse olhar de morena Aventureira.

Pôs-se-me a ler, cantando, o meu Passado,
E o meu Presente, alegre e descuidado...
-- Mas súbito, fugiu, de olhos no chão...

Cigana! Feiticeira! Não quiseste
Ler-me toda a verdade: -- Tu não leste
Que o meu «Destino» foi na tua mão!

Rosário de Gente Humilde

sexta-feira, agosto 11, 2006

Francis Obikwelu









É impossível ficar indiferente
a tanta classe.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Caracteres móveis - Oliveira Martins

Não, não vale a pena viver, desde que a vida é para nós apenas uma ocasião de gozo, pois quanto mais se cultiva o espírito mais se demonstra a inanidade do prazer.
«Chambigismo», Dispersos, t. II
(edição de António Sérgio)

Oliveira Martins

«A Selva» em Sines



Amanhã, pelas 21,30h, estarei no Centro de Artes de Sines para falar sobre Ferreira de Castro e A Selva.
Estão todos convidados.

(pormenor de ilustração de Portinari para A Selva)

quarta-feira, agosto 09, 2006

Submersos, os monstros preocupam-se em não agitar as águas. / Até chegarmos ao mar em que eles dominam.
José de Matos-Cruz

O gosto entornado e os príncipes-sapos

Há gente sem arranjo, estragada. Por mais que nela apostemos, por maior que seja a nossa indulgência, acaba sempre por ficar aquém das nossas expectativas, acaba sempre por desiludir. Estou a lembrar-me dum pobre poeta de gosto entornado, coitado. Nunca deixará de ser o companheiro, amigo, palhaço desta vida. Ao invés, sei de pessoas com o plebeísmo estampado no rosto, alguma rudeza de modos, até, que acabam por revelar-se uns príncipes na finura das suas opções estéticas, na coragem de gostar pelas próprias cabeças.

terça-feira, agosto 08, 2006

estampa LXI

Gustav Klimt, A Música I
Museu do Estado da Baviera, Munique

Antologia Improvável #153 - J. O. Travanca-Rêgo

INFINITO (IM)PESSOAL

Fui. Deixo para trás
cordelinhos de vida vária mal atados.
E a mágoa disso é igual / a
descer a um poço em livre queda e à mágoa
de saber -- a Poesia --
um animal sem coração ou centro!

Extracto Sensitivo / Hiatos (antologia)

J. O. Travanca-Rêgo








foto tirada daqui

segunda-feira, agosto 07, 2006

Caracteres móveis - João Mário Grilo

A História [...]: uma sucessão de grandes gritos com uma consequência na conjuntura e uma continuidade enorme de sussurros que são o motor da História.
JL, 9-IV-1997
(entrevista a Rodrigues da Silva)

domingo, agosto 06, 2006

Boas maneiras

Correspondências #54 - Luís Cardim a Rodrigues Lapa

Porto, 13 de Abril de 1933
Meu Ex.mo e presado Amigo e Colega
Não sei como pedir-lhe desculpa de só agora lhe responder. O seu antigo professor, que, embora sempre fraco, se deu largamente aos seus alunos durante longos anos -- ensino desde os 16, e tenho 54 -- encontra-se agora bastante esgotado de forças, que mal lhe chegam para arrastar a grilheta de ganhar o pão, e, sobretudo, de prover à educação dum filho. Depois de 27 anos de serviço dedicado, o Estado lança-o à margem, e até já lhe negou, com grande injustiça, a reforma. Mas o mundo é assim, e tudo isto só vem como desabafo e para justificar a deplorável demora desta carta.
Transmiti a minha filha os seus agradecimentos, e, sem desconhecer que ela foi zelosa em lhe prestar esse pequeno serviço, concordo com ela que as manifestações de reconhecimento por parte de V. Ex.ª já excedem bastante a importância do que ela fez.
Muito e muito lhe agradeço a oferta dos seus trabalhos, alguns dos quais já conhecia um pouco, e apenas não mais por saírem da minha especialidade. Alem do seu valor intrinseco, constituem uma boa semente de labor caracterizadamente europeu, que, esperemo-lo, ha-de germinar um dia em farta e redentora seara. Por agora são ainda as hervas ruins, de enganosa florescência estéril, que abafam, entre nós, as obras sérias. Nem ha crítica nem opinião culta que saiba e seja capaz de distinguir o trigo do joio. Mas isto de procurar fazer obra séria é um vício que se adquire e perdura, embora só nos seja nefasto...
Senti sinceramente as últimas e grandes contrariedades da sua vida. O caso é de todos os tempos, e consubstancia-se no símbolo cristão: quem diz verdades, sofre perseguições. Ou, numa comparação mais actual: o medico radiologista sofre por ver amputações, mas pode consolar-se pensando que o rádio ou os raios X sempre fizeram bem aos doentes...
Ainda V. Ex.ª, segundo creio, tem saude e vigor, e está relativamente novo; agora veja o meu caso, embora a minha obra seja modesta: cerca de 50 anos, e quando eu julgava sentir que certas qualidades de professor e de investigador estavam justamente amadurecendo; quando o meu pequeno nome, sem reclamos para que não tenho geito, já ia sendo registado no estrangeiro -- cortam-me a carreira, brutalmente, e vão-me assassinando a fogo lento...
Deseja-lhe todas as prosperidades -- aquelas que mais presa -- o seu
antigo professor, e colega amigo e muito grato
Luiz Cardim
Correspondência de Rodrigues Lapa
(edição de Maria Alegria Marques, Ana Paula Figueira Santos, Nuno Rosmaninho, António Breda Carvalho e Rui Godinho)

Manuel Rodrigues Lapa

sábado, agosto 05, 2006

Haydn com batatas fritas

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Retomo a audição dos velhos LPs e reencontro a Orquestra de Câmara de Praga (sem regente), na clássica etiqueta Supraphon: sinfonias n.º 73 e 96, La Chasse e The Miracle, respectivamente das fases Esterházy e londrina. Gravação de há décadas, prensagem regasta pelas agulhas, como se no estúdio, em fundo, um operoso cozinheiro estivesse a fritar batatas. Mas, em contrapartida, que prazer reouvir os discos antigos!... Concedo que o advento dos CDs veio trazer uma limpidez imbatível aos registos da chamada «grande música», mormente da orquestral; quanto ao resto, porém, prefiro ainda o vinil. Nos compactos, o som pasteurizou-se; limpo em demasia, tecnicamente perfeito, eventualmente, retirando-lhe a sujidade-ambiente que eu diria fazer parte da música.

estampa LX

Andy Warhol, Dick Tracy
colecção particular, Nova Iorque

sexta-feira, agosto 04, 2006

Caracteres móveis - Pinharanda Gomes

supérfluo é o que, em rigor, no homem livre, excede o frugal, por isso justo, «pão nosso de cada dia». O resto é supérfluo. Segundo Leão XIII, pertence rigorosamente aos pobres.
Pensamento Português - VI

Pinharanda Gomes

quinta-feira, agosto 03, 2006







uma vinheta de Sokal

Antologia Improvável #152 - Carlos de Oliveira (7)

MAPA

I

O poeta
[o cartógrafo?]
observa
as suas
ilhas caligráficas
cercadas
por um mar
sem marés,
arquipélago
a que falta
vento,
fauna, flora,
e o hálito húmido
da espuma,


II

pensando
que
talvez alguma
ave errante
traga
à solidão
do mapa,
aos recifes desertos,
um frémito,
um voo,
se for possível
voar
sobre tanta
aridez.

Micropaisagem / Trabalho Poético

Carlos de Oliveira

quarta-feira, agosto 02, 2006

estampa LIX

Júlio, O Burguês e a Menina
Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

tempos modernos

desperdício
esperdício
sperdício
perdício
erdício
rdício
dício
ício
cio
io
o

terça-feira, agosto 01, 2006

Caracteres móveis - Honoré de Balzac

A beleza é uma coisa severa e difícil [...]: é preciso esperar as suas horas, espiá-la, apertá-la e enlaçá-la estreitamente para a forçar a dar-se. A forma é um Proteu bem mais difícil de captar e mais fértil em ludíbrios que o Proteu da fábula: só depois de longos combates é que se pode constrangê-la a mostrar-se sob o seu verdadeiro aspecto;
A Obra-Prima Desconhecida
(tradução de Silvina Rodrigues Lopes)

Balzac

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Uns mariconços

Achei sempre um piadão ao Alberto João (a rima atesta a veracidade); lembra-me muito um velho bêbedo cá de Cascais, o Marcial, que só não digo que Deus tem, porque ele próprio se dizia Deus. Nós, os miúdos, espicaçávamo-lo e tumba!, ora se punha a lançar anátemas, ora em pregação, agarrado a um grande crucifixo que trazia ao pescoço, ou levantava enigmaticamente os olhos para o céu -- não para pedir por nós, uma vez que ele era Deus e, portanto, tudo podia. Tinha uma carinha rechonchuda, assim do tipo do conhecido madeirense.
Quanto ao Jaime Ramos, naquela festa foleira do Chão da Lagoa, recordou-me um ser que nunca vislumbrei pessoalmente, um espectro cuja lenda chegou até aos dias de hoje. Era um característico, um atrasado mental que por 5 tostões emitia ventosidades com estrépito pelo ânus -- o vulgar traque. Como o Jaime Ramos é um especialista em retretes, está explicada a associação espúria.
Agora o PDS nacional (segundo o Público de hoje) e o comandante Azevedo Soares -- que até foi candidato à presidência cá do burgo -- a fingirem que não é nada com eles, pois é..., pois é..., e tal, estamos numa democracia, a expressão é livre, há que respeitar, e patati e patatá... Com franqueza, se isto não é um partido de mariconços!...