Só mais alguns dias...
terça-feira, agosto 23, 2005
Caracteres móveis #34 - Thoreau
Passei pouquíssimos momentos da minha vida sob a alçada do governo. Se um homem é livre, quando pensa, quando imagina, quando fantasia, dando existência a coisas que não existem, não há governante, não há reformador que possa colocar-lhe travões.
A Desobediência Civil
(tradução de Manuel João Gomes)
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Manuel João Gomes
Dog Bull (Homenagem ao Tibet - 5)
Pècus
Que estranhos mecanismos de outiva e que atropelos flagrantes à ortoépia levarão a minha filha mais nova, dois anos, a dizer pècus quando quer identificar insectos? Só se salvam as moscas. Aliás, môcass...
Wild thing
Ao ouvir um velho Best of dos Troggs, lembrei-me do título dum livro de ensaios, Obscuros e Marginados, que é o que me parece ser esta banda inglesa da década de sessenta, ainda hoje activa. (O autor desse volume, já desaparecido, foi João Palma-Ferreira, e não me parece que os rapazes o conheçam de nome.) Algo repetitivos, os Troggs deram, contudo, a sua contribuição para a música pop com temas como With a girl like you ou Wild thing, este com prestígio de cover por Jimi Hendrix. Por mim, fico electrizado com um violoncelo irreverente cujo arco desliza desde o princípio em Anyway that you want me. Inesquecível.
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The Troggs
segunda-feira, agosto 22, 2005
Antologia Improvável #45 - Mário Avelar
a Jorge Vaz de Carvalho
Meditação 9.
Lucas 1.26. Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré... A caixa de música
Junto ao velho muro divago p'la casa.
Reconstruo passo a passo seus percursos.
Um sopro. Por favor, fala comigo. Please,
just talk to me... A voz de Gabriel levando-me
para longe: Cascais, o remoto verão
quente de 75. Mês d'Agosto,
talvez. O povo está com o M.F.A.
A rajada de G3... para o ar, diz
com gestos o alferes. Distante, nas tábuas,
um velho cai de joelhos: a caixa de
música. Singulares fumos e odores
envolvem o infante. Feixes de luz cruzam
o espaço dominado pela voz de
Gabriel, um irmão, sob o signo do Touro.
Seduções do Infante
Meditação 9.
Lucas 1.26. Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré... A caixa de música
Junto ao velho muro divago p'la casa.
Reconstruo passo a passo seus percursos.
Um sopro. Por favor, fala comigo. Please,
just talk to me... A voz de Gabriel levando-me
para longe: Cascais, o remoto verão
quente de 75. Mês d'Agosto,
talvez. O povo está com o M.F.A.
A rajada de G3... para o ar, diz
com gestos o alferes. Distante, nas tábuas,
um velho cai de joelhos: a caixa de
música. Singulares fumos e odores
envolvem o infante. Feixes de luz cruzam
o espaço dominado pela voz de
Gabriel, um irmão, sob o signo do Touro.
Seduções do Infante
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Peter Gabriel
domingo, agosto 21, 2005
Como soariam?
A Capital! depois de Doze Casamentos Felizes, e ocorre-me: «Como seriam as vozes de Camilo e Eça? Como soariam?» Suponho a de Eça ligeiramente nasalada e aguda, como que a deixar-nos à-vontade -- tavez (passe o cliché naturalista) para melhor nos estudar. Quanto à de Camilo, sinto-a mais áspera e grave, a pôr-nos em guarda -- ela, que ao soltar-se já estaria de sobreaviso...
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Eça de Queirós
Correspondências #10 - Oliveira Martins a António Enes
S.ta Eufémia, 14 de Setembro de 1870
Meu caro Enes
Há muito devia ter-te escrito, mas muito trabalho primeiro, minha mulher doente depois, e por fim 10 dias de sezões, tiraram-me o lugar. Parece-me que não há que dizer.
Agora de mim vou bem, e com a aproximação do inverno tudo melhora. Os campos viçam, rebenta a água por toda a parte. A água! a água é a grande animadora nestas regiões torradas de sol durante uns poucos de meses. Isto é uma serra, e nisto digo tudo. Sinto uma liberdade ampla de acção e de pensamento. Acho que vou dar em caçador. Há gamos, perdizes e javardos por estes montes. Folgo de ter vindo aqui: oxalá eu assim pudesse ter comigo quantos desejara!
Sou uma espécie de rei, entre os 300 ou 400 mineiros: foram-se todas as veleidades republicanas... aqui.
Escreve-me, adeus meu caro amigo.
Crê-me teu am.º verd.º
J. P. Oliveira Martins
Correspondência
(edição de Francisco d'Assis Oliveira Martins)
sábado, agosto 20, 2005
Spider in my web
Blues-rock: percebe-se, mas, apesar de tudo, é uma expressão redundante. Sem blues não há rock; estão-lhe nas veias, os blues, mais ou menos diluídos, mas estão. Ao ouvir um dos álbuns ao vivo dos Ten Years After, Undead, revisito o virtuosismo de Alvin Lee, a criatividade e a pujança, os solos de cortar a respiração.
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Ten Years After
Antologia Improvável #44 - Ana Hatherly
SE EU PUDESSE
Se eu pudesse dar-te aquilo que não tenho
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo com que sonhas
e o que só por mim poderá ter sonhado
Se eu pudesse dar-te o sopro que me foge
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo que descubro
e descobrir-te o que de mim se esconde
Então serias aquele que existe
e o que só por mim poderá ter sonhado
A Idade da Escrita
Se eu pudesse dar-te aquilo que não tenho
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo com que sonhas
e o que só por mim poderá ter sonhado
Se eu pudesse dar-te o sopro que me foge
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo que descubro
e descobrir-te o que de mim se esconde
Então serias aquele que existe
e o que só por mim poderá ter sonhado
A Idade da Escrita
Caracteres móveis #33 - Lúcia Miguel Pereira
Os escritores realmente grandes são aqueles em que cada época pode encontrar aquilo que mais a interessa.
«Prefácio» ao Livro do Centenário de Eça de Queiroz
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Lúcia Miguel Pereira
Lúcia Miguel Pereira
nunca por demais amada co-organizadora brasileira do Livro do Centenário do «nosso» Eça (1945), fotografia em capa de um livro póstumo
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Eça de Queirós,
Lúcia Miguel Pereira
terça-feira, agosto 16, 2005
Três visões do terror
O terror não chora.
Camilo Castelo Branco, A Filha do Regicida
Africanos a bordo dum negreiro, chegados a porto desconhecido. Índios num quotidiano de reserva, tentando juntar fragmentos estilhaçados duma ancestralidade perdida. Espectros silenciosos de judeus nos campos de extermínio nazis, aguardando a entrada de tropas Aliadas.
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Camilo Castelo Branco,
da humanidade
Antologia Improvável #43 Carlos de Oliveira
1
Desço
pelo cascalho interno da terra,
onde o esqueleto da vida
se petrifica protestando.
Como um rio ao contrário, de águas povoadas
por alucinações mortas boiando levadas
para a alma da terra,
procuro os úberes do fogo.
Descida aos Infernos / Trabalho Poético
Desço
pelo cascalho interno da terra,
onde o esqueleto da vida
se petrifica protestando.
Como um rio ao contrário, de águas povoadas
por alucinações mortas boiando levadas
para a alma da terra,
procuro os úberes do fogo.
Descida aos Infernos / Trabalho Poético
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Carlos de Oliveira
segunda-feira, agosto 15, 2005
Memories can't wait
Muito novaiorquinos, apesar da escocência do «líder», os Talking Heads estiveram numa linha de rock de vanguarda característica da big apple, já frequentada por gente como os Velvet Underground, e continuando a sê-lo por outra, como Nick Cave. Todo inglês, assombrava-me menos a novidade que eles indubitavelmente representaram -- principalmente com o concurso, na produção, do britânico Eno --, e mais a personagem David Byrne, na altura pelas vocalizações alucinadas que, não sendo dele específicas, lhe calhavam muito bem. Aliás, os Talking Heads eram Byrne, como os Boomtown Rats foram Geldof, os Uriah Heep, Hensley ou os Jethro Tull, Anderson -- bandas de um homem só, com os seus instrumentistas que, nalguns casos, quase que funciona(va)m como assalariados. E por falar em bandas de um homem só, é notável a influência que Byrne e os Talking Heads acabaram por ter em Robert Fripp, dos King Crimson, músico de mão-cheia, com muito mais anos de estúdio e de estrada. Compare-se Fear of Music (1979) e Discipline (1981), por exemplo faixas como «I Zimbra» (onde o próprio Fripp colabora com a sua guitarra) e «Thela Hun Ginjeet»; repare-se na forma quase imitativa do vocalista de ocasião, Adrian Belew. Posto isto, não hesito em apontar Discipline como um álbum um pouco superior a Fear of Music.
Caracteres móveis #32 - José Bacelar
O «homem» de todos os tempos acaba sempre por surgir por debaixo de todas as ideologias.
Arte, Política e Liberdade
domingo, agosto 14, 2005
Antologia Improvável #42 - João de Barros (2)
A PRIMEIRA BISNETA
Para o futuro neto da Teresa e do Marcello.
Na noite de Natal de 1956.
Tal o menino Jesus
os meninos nascem nus...
Mas Aquele não tem frio,
vem lá do céu direitinho,
e no céu tudo é quentinho.
Os outros, quanto arrepio
no seu corpinho macio!
Então a Avó, com afã,
para evitar-lhe percalços,
por causa dos pés descalços,
corre a buscar sapatinhos
de boa lã
(boa lã da Covilhã)
que os pezinhos aconchega...
Nenhum inverno lhes chega!
-- Oferta de puro amor
que é sempre o melhor calor.
Últimos Versos
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João de Barros,
Marcelo Caetano
sábado, agosto 13, 2005
Correspondências #9 - José da Cunha Brochado a destinatário não identificado
Meu Senhor.
Estimo muito as boas novas que Vossa Mercê me dá de se haver recolhido com saúde a sua casa, onde ficará logrando o descanso que por cá lhe faltava.
V. M., que sempre foi injusto venerador das Cortes estrangeiras, me diz que se acha muito só na nossa Corte; porém, nela melhor que nas outras viverá V. M., ainda que em menos concurso com menos concorrentes. A nossa comédia tem menos aparato, mas diverte a menos custo; a nossa praça terá menos passeio, mas tem menos atenções. As damas, que lá são menos expostas, são , por isso, mais dignas do privilégio com que as criou a natureza. As Tulherias, [por] que V. M. suspira tanto, não têm de grande mais que a novidade com que V. M. as via; mas é escusado persuadir este conhecimento a um fidalgo português, cujo génio foi sempre pagar-se mais do pouco, sendo-lhe singular, que do grande, sendo-lhe comum.
Veja V. M. se no meu pouco préstimo pode achar a honra de servi-lo.
Deus guarde a V. M. muitos anos.
25 de Agosto de 1697.
Cartas
(edição de António Álvaro Dória)
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António Álvaro Dória,
José da Cunha Brochado
sexta-feira, agosto 12, 2005
Cavaleiros do céu
Dei por eles em miúdo, na televisão, nuns episódios intitulados «Os cavaleiros do céu». Tanguy e Laverdure é uma bd de acção e aventura, desenrolando-se em plena Guerra Fria e salpicada pelos gags do desastradíssimo Laverdure, um trapalhão à altura do capitão Haddock. Com argumento de Jean-Michel Charlier, Uderzo foi o desenhador inicial, mas o sucesso de Astérix obrigou-o a abandonar a série. O pai do pequeno gaulês cedeu então o lugar a Jijé, criador do western Jerry Spring, próximo inspirador da que seria a obra-prima de Charlier: Fort Navajo, narrativa que viria a ganhar o nome do seu protagonista, o Tenente Blueberry. Confusos? Não faz mal. O melhor é ler esta série menor, ou secundária, de dois autores maiores dos quadradinhos.
Tanguy e Laverdure
Aqui o destaque ainda vai para Michel Tanguy, em cima, a metade séria da parelha. Texto de Jean-Michel Charlier e desenhos de Albert Uderzo
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Albert Uderzo,
Jean-Michel Charlier
quinta-feira, agosto 11, 2005
Antologia Improvável #41 - Fernando Guimarães
CEMITÉRIO INGLÊS DE ELVAS (SÉCULO XIX)
Quase todos são soldados. Aqui chegaram trazidos
por uma espécie de acaso e os seus olhos de repente fecharam-se
para encontrarem este espaço murado. Não há muitas flores. Nele
as lápides dão-nos algumas informações. Vieram de longe
e traziam consigo uma pequena luz. Esta apagou-se. Ficaram só
[escritos
alguns dos seus nomes; pouco se conhece acerca da viagem
que tinham iniciado. Se chega o vento, ainda traz consigo a poeira
de alguns combates. Foi há muitos anos, mas para eles o tempo
não passa porque se encontram sozinhos. É muito o que a areia
espalhada à sua volta nos oculta. Há um portão entreaberto. Por
[ele
entrámos e havemos de sair. Não temos pressa. Qualquer
uma das nossas mãos podia estender-se, colher o que talvez fosse
apenas uma sombra. Eles estão ali para nos dar qualquer coisa.
Lições de Trevas
Quase todos são soldados. Aqui chegaram trazidos
por uma espécie de acaso e os seus olhos de repente fecharam-se
para encontrarem este espaço murado. Não há muitas flores. Nele
as lápides dão-nos algumas informações. Vieram de longe
e traziam consigo uma pequena luz. Esta apagou-se. Ficaram só
[escritos
alguns dos seus nomes; pouco se conhece acerca da viagem
que tinham iniciado. Se chega o vento, ainda traz consigo a poeira
de alguns combates. Foi há muitos anos, mas para eles o tempo
não passa porque se encontram sozinhos. É muito o que a areia
espalhada à sua volta nos oculta. Há um portão entreaberto. Por
[ele
entrámos e havemos de sair. Não temos pressa. Qualquer
uma das nossas mãos podia estender-se, colher o que talvez fosse
apenas uma sombra. Eles estão ali para nos dar qualquer coisa.
Lições de Trevas
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Fernando Guimarães
quarta-feira, agosto 10, 2005
Caracteres móveis #31 - August Strindberg
O que se entende por Moral?
É um sentimento de rectidão, imposto pela classe superior, com o único fim de conduzir a classe baixa a um modo de vida sossegado.
Breve Catequese para a Classe Oprimida
(tradução de Alexandre Pastor)
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August Strindberg
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