«Lá dentro, na fofa viuvez de um canapé acolchoado, um Mestre de Rythmos me sondava os músculos e as articulações, na esperança de poder contribuir para o meu futuro alindamento. Lembro-me de que um moço do talho chamado Isaac fazia sempre cócegas à mesma criada e no mesmo sítio. Lembro-me ainda de que, quando a noite caía e a rua se tornava numa tira preta colada aos vidros, eu ia sentar-me na casa de banho para ouvir pingar as torneiras, pois tinha medo do silêncio.» Nuno Bragança, A Noite e o Riso (1969)
«O clarão, dos altos daquele encafuamento, deixava-se ganhar, degrau a degrau, e fazia descobrir as tonalidades mais verdes de musgos escondidos e de andrajosos líquenes de fraca reprodução. Tinham passado já o suar das paredes que cá em baixo tanto fazia admirar os visitantes.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964)
«Em anoitecendo, tudo aquilo era duma contemplação lúgubre e misteriosa, em que se adivinhava o trabalho de milhões de larvas; o ladrar dos cães tinha um eco desolado, que tornava depois mais sinistro o silêncio; a porta fechava-se sem rumor, girando em gonzos discretos, e uma luz esmaecia na treva, no fundo dos ciprestes e dos túmulos, diante de um santuário deserto, onde o Cristo, do alto, olhava vagamente o guarda-vento.» Fialho de Almeida, A Ruiva (1878)
1 comentário:
« -- E em matéria de nobreza, ilustre Diogo do Couto, senhores licenciados, podem testemunhar que ele alguma vez pusesse orgulho na prosápia? Os pergaminhos quem lhos viu? Se frequentava o Paço, porque não falam dele os poetas palacianos, sobretudo esse Conde de Vimioso, o primeiro mexeriqueiro do seu século, que deixou a história de todos os 'potins' e dixe-me-dixes da Corte? Teve comércio com fidalgos...? Não era difícil. Os grandes do armorial fechavam os olhos quando se tratava de angariar parceiros para as suas orgias e patuscadas. Mas ainda aqui, não se tratava de elevar a pessoa, de trazer à figura o indicado reboco de auricalco? Tudo vontade de bem fazer, devoção, culto estrénuo, bem se vê, requintado até o fanatismo...!»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)
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