sábado, março 01, 2025

o que está a acontecer

I- «Em 1815, um dos mais abastados mercadores de panos da Rua das Flores, na cidade do Porto, era o Sr. António José da Silva. E, a 23 de Agosto do mesmo ano, o negociante da Rua das Flores que mais suava e bufava aflito com a calma era o mesmo Sr. António José da Silva. O Sr. António, como os seus caixeiros o chamavam, tinha razão para suar. As bochechas balofas e trémulas, dilatadas pelo calor do Estio, ressumavam-lhe um suco oleoso, que descia em regos pelos três rofegos da barba e vinha aderir à camisa às duas grandes esponjas, que formavam os seios cabeludos do nosso amigo atribulado.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

«Ai que ma levam! / É o único grito que irrompe do escuro, lúgubre, aflitivo, raspado. Depois o silêncio, a mudez concentrada da noite, a nuvem negra coalhada sobre as ruínas da vila toda lavada em lágrimas. Só aquele grito ressoa na praça solitária.» Raul Brandão, A Farsa (1903)

«Depois, demorando nele os olhos pestanudos e pretos: / -- Oh Jacinto "Galeão", que andas tu aqui, a estas horas, a rebolar pelas pedras? / E Jacinto, aturdido e deslumbrado, reconheceu o senhor infante D. Miguel! / Desde essa tarde amou aquele bom infante como nunca amara, apesar de tão guloso, o seu ventre, apesar de tão devoto, o seu Deus!» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póst., 1901)