sábado, abril 29, 2023

«And the Thief Came In»

a arte de começar

 «Na Primavera de 1859, comprei na estação de Santa Apolónia, um bilhete da via-férrea para a Ponte da Asseca. Saudades do campo, ânsias de sorver do seio da natureza um hausto de ar puro; e, acima disto, o meu dorido amor a quantos sítios guardavam para a minha memória do coração vestígios da infância, que tão depressa passara com as flores outra mais formosa Primavera... A que vem isto?!... É a saudade, leitor! Se a sente, se a já sentiu, recorde-se, e perdoe-me.» Camilo Castelo Branco, O Romance dum Homem Rico (1861)

Chico Buarque, o discurso do Prémio Camões

sexta-feira, abril 28, 2023

«Tomara»

sobre os aeroportos

Registei a ocorrência dum economista na Comissão Técnica Independente. Mas que raio faz lá um economista? E um médico, nâo?, ou quem sabe um veterinário. De qualquer modo, só me interessa ouvir o que tem para dizer João Joanaz de Melo.

quarta-feira, abril 26, 2023

150 portugueses: #4. Gualdim Pais (Amares, c.1118/1120 - Tomar, 1195)

 

Para um futuro blogue. Nascido em Amares, Gualdim Pais, filho de  Paio Ramires e Gontrode Soares, da nobreza de Entre-Douro-e-Minho, foi um cavaleiro de D. Afonso Henriques, depois guerreiro-frade, chegando a grão-mestre dos Templários. Combatente na II Cruzada, na Terra Santa, teve um papel fundamental na consolidação e fixação do território durante a Reconquista. Mandou erigir vários castelos, entre os quais o de Almoroul, e deu foral a Pombal e Tomar, cidade na qual resistiu ao cerco imposto por Almançor. É um dos nomes que representa o papel das ordens religiosas, não apenas as militares, na construção do estado.

«Streets of London»

terça-feira, abril 25, 2023

25 de Abril


caracteres móveis

«A ambição não avança um pé sem ter o outro assente, a manha anda e desanda, e, por mais que se escute, não se lhe ouvem os passos.» Raul Brandão, Húmus (1917) «A melancolia perturbante do Ofício, os sons plangentes dos órgãos, os incensos e o cantochão, as sumptuosidades do rito nas cerimónias pontificais, todo esse inquietante atavismo das religiões actuava como ópio na imaginação do novel artista.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920) «Aquele espelho barato, aquela novidade sensacional e aquela fotografia lúbrica exasperavam-me, embora ao meu exaspero se misturasse um pouco dessa piedade que me inspiram as coisas pretensiosas e miseráveis.» José Régio, Jogo da Cabra Cega (1934) «Dando à cabeça, arregalando os olhos, encrespando as sobrancelhas, mostrava Feliciana o ar entupido dum curandeiro, chamado a decifrar récipe de facultativo.» Aquilino Ribeiro, Andam Faunos pelos Bosques (1926) «Um raio de sol envolvia a mão rústica e calejada que ele poisara no peitoril da janela.» Ferreira de CastroEmigrantes (1928)

domingo, abril 23, 2023

caracteres móveis

«A princípio, esse novo cenário, todo fofo e confortável, perturbava-o; em breve, porém, Soriano se adaptara, que nem por mudar de leito os rios deixam de correr.» Ferreira de Castro, A Curva da Estrada (1950) «Cálido também, despiu a loba, arremessou o cabeção, descalçou os sapatos de fivela e refocilou os amplos pés vermelhos nos propícios chinelos do escarlate mercador de panos.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)  «Marcha! Ele recomeçou o andamento, mas os seus olhos volviam, teimosos, ilegais, à fachada e à praça, como ao horizonte onde se espera que uma terra se defina sob o nevoeiro do litoral.« Ferreira de Castro, A Experiência (1954) «O que eu, sem saber explicá-lo, não compreendia e invejava, não era o que ele queria ser, mas a constância do seu desejo.» J. Rentes de Carvalho, A Amante Holandesa (2002) «O Taveira, com todo o seu génio, era um advogado pobre no fundo de Trás-os-Montes, e o Chouriço, proprietário, ia em primeira classe ouvir Meyerbeer...» Eça de Queirós, A Capital! (póstumo, 1925)

«Unfuck the World»

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«Ao contrário no campo, entre a inconsciência e a impassibilidade da Natureza, ele tremia com o terror da sua  fragilidade e da sua solidão.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póstumo, 1901) «D. Rita pasmava da transfiguração, e o marido, bem convencido dela, ao fim de cinco meses consentiu que seu filho lhe dirigisse a palavra.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862) «No momento em que nos associamos ao cavaleiro, caíra ele num desalento profundo, num quase convencimento de próxima aniquilação, do qual nem a loquacidade do almocreve, condimentada, como era, de pragas eloquentes e de cantigas pouco edificantes, o conseguia arrancar.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)


a miúda que veio para ficar

As crianças estão na BD desde o princípio, e com momentos altos – lembremos os Peanuts, de Charles M. Schulz. Para o franco-sírio Riad Sattouf (Paris, 1978), criador do auto-referencial O Árabe do Futuro (2014) e também realizador, nomeadamente da excelente comédia Les Beaux Gosses (2009), o mundo da infância e da juventude é um tema persistente.

Cheia de carisma e adorável criancice, Esther, nascida nas páginas do semanário L’Obs, em 2015, não é só mais uma criança nos quadradinhos; antes da personagem de papel, está Esther A., a menina de carne e osso, informante e filha de amigos do autor. Todo o espanto, toda a fantasia, todos os sonhos improváveis e todos os ‘amores’ impossíveis são maravilhosamente recriados por Sattouf: Esther tem como grandes aspirações ser loura, famosa e possuir um ipad, artefacto que o pai, um professor de ginástica com espírito crítico, lhe nega, por evidente despropósito para quem ainda nem completou os dez anos. Infelizmente para Esther, a maioria dos outros progenitores não têm a mesma opinião. Um pequeno apartamento, em que partilha o quarto com o irritante António, o irmão de 14 anos, é o seu lar. A família, remediada, completa-se com a mãe, empregada bancária e doméstica em regime pós-laboral, por isso muitas vezes cansada, e a avó, cuja casa na Bretanha é local de férias. Outro palco privilegiado é a escola, em especial o recreio. Esther tem duas amigas dilectas: Eugénia, criança rica e por vezes pretensiosa, e Cassandra, menina negra cujo pai certo dia partiu para não mais voltar.

As circunstâncias da série são as expectáveis: a recriação recorrente dos maneirismos dos adultos, a relutância pelas grosserias dos rapazes, cuja missão parece ser a de maçá-las com o seu gozo e a sua má-criação – se bem que por vezes haja qualquer coisa que as desperta. Introduzido com leveza e sempre a propósito pelo autor, a incompreensão do vasto mundo adulto da política, as manifestações incipientes de discriminação social e racial, que ainda não assimilam inteiramente, e as questões de género são alguns tópicos obrigatórios. Esther, contudo, não é a Mafalda do Quino, contestatária no seio de uma família conformista, que muitas vezes parece uma mulher pequena; Esther é sempre criança (o gag sobre o atentado ao Charlie Hebdo é um bom exemplo). A série acompanhará o crescimento da miúda, pelo que teremos oportunidade de assistir à evolução desta família.

Organizado graficamente sob a forma de gag (história humorística de uma prancha), dividido em duas páginas, o livro tem o formato de uma edição de tiras de BD. O texto, além de reproduzir as falas das personagens em filacteras (os ‘balões’), é acrescentado por geniais comentários de Esther em cursivo, que acentuam o tom humorístico.


O Diário de Esther – Histórias dos Meus 10 Anos, vol. 1

texto e desenhos: Riad Sattouf

edição: Gradiva, Lisboa, 2019

(Setembro de 2019)







sexta-feira, abril 21, 2023

«Toinen toista»

Lula e o 25 de Abril: uma estrondosa vitória do populismo alarve, do oportunismo pateta e da cobardia política

 As indisposições da direita que não suporta o 25 de Abril deveria ser para o lado em que os democratas dormiriam melhor. Mas não, pelo contrário: os estrebuchos de taberna de André Ventura -- a criatura que teve o gosto refinado de discursar em sessões anteriores com um cravo negro à lapela --, a agitação adolescente (e suspeita) de Rui Rocha, para se pôr em bicos de pés (ou às cavalitas do presidente brasileiro), o enconanço dos dois partidos do centrão, para não falar do enjoo do Bloco e do Livre.

O 25 de Abril perdeu uma oportunidade de brilhar, com a presença de um dos homens (de origem portuguesa, recorde-se, e presidente do Brasil), que melhor encarna o espírito da data. O que irá acontecer no hemiciclo será uma coisa cinzenta, como desde há muitos anos, que não fará jus à maior data da história contemporânea de Portugal.

Nos 50 anos da revolução, todos os países que saíram da descolonização, de Cabo Verde a Timor-Leste, deveriam estar representados ao mais altíssimo nível, convidados a discursar, pois o 25 de Abril representou a sua libertação do jugo colonial e o fim de uma guerra criminosa, com milhares de vítimas, entre portugueses e africanos. É também assim que se faz a CPLP e se dá sentido à lusofonia. Porque o meu maior orgulho com o 25 de Abril é a descolonização; foi principalmente por ela que esta se tornou uma data maior da nossa história. Mas com democratas medrosos de o serem, receosos da raiva pavloviana do salazarismo, envergonhado ou não, não podemos esperar mais do que uma espécie de liturgia de sacristia, como em anos passados.

 Se não chover, talvez volte a descer a Avenida este ano, afinal é na rua que o 25 de Abril é mais bonito e faz mais sentido.

150 portugueses: #3. D. João Peculiar (Coimbra?, ? - Braga, 1175)

Para um futuro blogue. Calcula-se que natural de Coimbra, arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas, a luta pela primazia do arcebispado contra Compostela e Toledo, junto dos papas, a sua intervenção política com Afonso VII de Leão e Castela, as várias viagens a Roma em missão diplomática confiada por D. Afonso Henriques, fizeram dele, como escreve Avelino de Jesus da Costa na entrada do Dicionário de História de Portugal, não apenas um dos fundadores do reino, como o que se chamaria o ministro dos Negócios Estrangeiros do rei Conquistador. Participou na conquista de Lisboa, onde exortou os cruzados na que seria uma chacina que não poupou ninguém, a começar pelos próprios cristãos da cidade, incluindo o seu bispo.

quinta-feira, abril 20, 2023

«Overstand»

diz o poodle amestrado dos Estados Unidos: "O lugar da Ucrânia é na Nato" (CLXXXI)

 Já sabíamos, apesar dos 136 vígaros e idiotas que vieram ao espaço público contrapor: "Nããããõ... Isso é uma coisa que não estava em cima da mesa, que disparate!..."

Sempre esteve e continua a estar, enquanto houver, para já, ucranianos para morrer e país para destruir ao serviço dos grandes valores americanos, ou esperando o tal golpe na Rússia, tantas vezes tentado.

Volto a dizer, perante esta desfaçatez, tão característica dos americanos e dos seus criados: querem meter-nos numa guerra para morrermos pelos interesses dos outros? Onde está a defesa dos interesse nacional e dos portugueses?, devemos perguntar aos nossos divertidos PM e PR... 

A OTAN é uma aliança defensiva dos estados membros, não é? -- e que por acaso integra a maior potência bélica mundial (sem falar nas duas potência nucleares médias, Inglaterra e França).

se dúvidas houvesse sobre a justeza das palavras de Lula a propósito do triste papel da União Europeia nesta guerra... (ucranianas CLXXX)

 a deliberação provocatória e estúpida, hoje, do Parlamento Europeu apoiando a indiciação de Putin por deportação de crianças (!), mostra bem quão brando o presidente brasileiro foi a propósito desta cáfila que dirige a UE.*

A palavra deportação não surge por acaso: associa directamente à ocorrida com os judeus e prisioneiros de guerra usados em trabalhos forçados durante aa II Guerra Mundial, perpetrada pelos nazis. Toda a comunicação associada à guerra, veiculada pelas agências ao serviço do Pentágono, em que têm pontificado a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu.

Lula, portanto, tem carradas de razão, independentemente da (in)eficácia diplomática do que proferiu. 

* (e a maioria dos eurodeputados portugueses que ouvi? Oh, que animais...)

quarta-feira, abril 19, 2023

«One Way»

antologia improvável #496 - Liberto Cruz

 

NEM SEMPRE A LUZ É UM SINAL


Nem sempre,

Nem sempre a luz é um sinal.

Que o diga,

A louca borboleta

Que buscava o ideal.

Momento (1956) /

/Última Colheita (Poesia Reunida) (2022)

terça-feira, abril 18, 2023

segunda-feira, abril 17, 2023

«Ahmad's Blues»

150 portugueses: 2. Egas Moniz (c. 1080-1146)

Para um futuro blogue. Rico-homem da Casa de Ribadouro, um dos grandes magnatas de Entre-Douro-e-Minho, que sustentaram a criação do reino. Crê-se que filho de Monio Ermiges e Ouroana. Foi o aio do jovem Afonso Henriques, por disposição do Conde D. Henrique, seu pai, e mais tarde mordomo-mor do reino. Por isso, de todos os nobres portucalenses, foi o que perdurou no imaginário da comunidade, muito por causa do episódio em que, num cerco a Guimarães pelas forças de Afonso VII de Leão e Castela, empenhou a palavra garantindo que Afonso Henriques lhe prestaria vassalagem, o que nunca sucedeu, cumprindo o velho aio, depositando com toda a sua prole o seu destino nas mãos do imperador. Este episódio, para alguns lendário, foi considerado «verosímil» por Oliveira Marques no respectivo verbete do Dicionário de História de Portugal, reforçado pelo facto de a mesma narrativa constar dos baixos-relevos do túmulo deste guerreiro-político.
Pressupostos aqui e aqui.

Lula a dizer as coisas como elas são, para grande consternação destes parvos (ucranias CLXXIX)

 O que Lula disse, tanto sobre as responsabilidades russas e ucranianas na guerra em curso, e ainda do papel dos Estados Unidos e da Nato ("a ladrar às portas da Rússia", como disse o Papa Francisco), e da União Europeia (que generosamente põe em pé de igualdade com os EUA, mas que na verdade se porta como vassala dos americanos, como diz Putin, e bem), cria a confusão dentro do Portugalório político. Só não é hilariante, porque é grave. Marcelo deve estar à rasca, como à rasca está o PS; o PSD, través dos inenarrável Rangel que dar provas de existência; Ventura incha de prosápia; o tipo da Iniciativa Liberal perdeu a oportunidade de mostrar que não é um pateta; o Bloco, até agora calado, e porventura constrangido (isto de estar no mesmo lado da barricada do Chega, não deve ser fácil). Só se safa o PCP, o único que neste particular não faz o papel de criado dos americanos.

Os custos de não ter uma política, não direi independente, o que é impossível -- o nosso lugar é mesmo na Nato, infelizmente --; mas de não se ser subserviente. Depois falem em cplp's, lusofonias e mais conversa.

sábado, abril 15, 2023

«Im Set Free»

história e bd

Os quase 900 anos de História de Portugal são uma mina que a BD portuguesa aproveitou quase sempre para obras de teor essencialmente didáctico, mas de pouco brilho narrativo. O que não seria, se este filão fosse aproveitado por argumentistas da craveira de Charlier, Greg ou Van Hamme, que por cá não houve, não se sabe bem porquê? Há excepções, claro; e uma delas foi a do saudoso Jorge Magalhães (1938-2018), que fez o que pôde. Em Giraldo o Sem Pavor (1986), Magalhães deixa brilhar um talento com 20 anos, à data da elaboração destas páginas: José Projecto (Évora, 1962), apregoado e evidente admirador de desenhadores como Auclair, Rosinski e Segrelles.

Geraldo Geraldes, “o Sem Pavor”, é uma dessas figuras reais cobertas pelo mito, uma das muitas personagens dum passado a pedir autores. Cavaleiro nobre, mercenário, chefe de salteadores, quando lhe convinha guerreava ao lado dos mouros contra os cristãos como ele. Praticante do fossado, incursão relâmpago no reduto inimigo, tinha, qual guerrilheiro, rectaguardas inexpugnáveis.

Estamos diante duma caça ao homem: depois de matar um cavaleiro de D. Afonso Henriques, Geraldo é perseguido até alcançar refúgio entre os sicários que comanda, não sem antes pernoitar numa casa isolada, onde uma mulher o aguarda. Um pretexto para desenhar cenas de combate, belas figuras humanas e animais de vário tipo, algo que Projecto faz com verificável gosto e competência.


Giraldo o Sem Pavor

texto: Jorge Magalhães

desenhos: José Projecto

edição: Futura, Lisboa, 1986

(Setembro de 2019)






sexta-feira, abril 14, 2023

«I Don’t Know»

De Medvedev a Kuleba (CLXXVIII)

 Há dias, o antigo presidente russo Dmitri Medvedev, habitualmente um homem cordato até ao momento em que os americanos decidiram usar a elite política ucraniana nas suas jogadas estratégicas, disse, com saudável brutalidade que o estado ucraniano poderia acabar, uma vez que não interessa a ninguém.  

O que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, talvez em desespero, veio hoje dizer -- que o Mar Negro deve tornar-se um mar nato, como sucedeu com o Báltico, alusão à evidente derrota diplomática russa com a adesão da Finlândia, de resto já esperada -- só vem confirmar a justeza da dura afirmação do ministro russo. Outro Dmitri, agora Peskov, já respondeu

Por mim, de resto, como já tenho dito, os russos podem ir até Kiev, deixando a polaca Lvov aos polacos -- essa mesma Lvov, ou Lviv, que é tão ucraniana quanto o são Odessa ou a Crimeia. 

quarta-feira, abril 12, 2023

terça-feira, abril 11, 2023

segunda-feira, abril 10, 2023

 "e sentiu nos braços e nas pernas uma preguiça de marioneta imprestável que anseia por um cantinho sossegado." Leonardo Padura, Um Passado Perfeito (2000, traf. Helena Pitta)

«Sem Samba Não Dá»

150 portugueses: Afonso Henriques (Coimbra?, 1109/1111 - 1185)

D. Afonso Henriques, por Soares dos Reis


Para um futuro blogue: Primeiro rei dos portugueses, primeiro rei de Portugal. Filho de Henrique da Borgonha -- por sua vez, neto de Roberto  II, o Piedoso, rei dos Francos -- e de Teresa de Leão, filha bastarda de Afonso VI. 

O que faz um rei medieval fazer um novo reino: o apoio da nobreza senhorial de Entre-Douro-e-Minho (Maias, Mendes, Sousas, etc.), que procuram livrar-se da pressão galega; a densidade política do território que se administra fundada, desde a formação, em 868, por Vimara Peres; a rivalidade entre Braga, primaz das Espanhas, e Santiago de Compostela; as divisões internas dentro da cristandade peninsular; as divisões internas dentro do islão peninsular (almorávidas e almóadas).

E antes e depois de tudo: uma personalidade fortíssima (arma-se a si próprio cavaleiro, como só os reis faziam, leio no verbete de Torquato de Sousa Soares, no Dicionário de História de Portugal) e uma têmpera robusta de lutador.

(pressupostos)

sábado, abril 08, 2023

sexta-feira, abril 07, 2023

o meu Amigo e poeta Manuel Matos Nunes em diálise com Drummond

 a propósito do 11.º Colóquio de Pesquisas Luso-Brasileiras, em que irá participar, com blogue a seguir.



«Patagonia Motet 1: Lago»

rei, estado, mar, língua e literatura -- ou o quê, quem e como se fez o povo português

É curioso verificar que o povo português é uma criação do país chamado Portugal. Ao contrário do que sucedeu com outros, que ajustaram etnia e território, os indivíduos que coabitaram no rectângulo, muito heterogéneo étnica e morfologicamente, entre o Atlântico e o Mediterrâneo (Orlando Ribeiro), que veio a chamar-se Portugal, cooperando e/ou guerreando-se eram, sucessiva ou simultaneamente, iberos, celtas, romanos, germânicos suevos e visigodos, berberes, árabes, judeus... Como escreve algures José Mattoso, portugueses designava, na Idade Média quando o reino se constituiu, os súbditos do rei de Portugal.

Não oferece dúvidas, porém, a efectiva e significante (embora actualmente nada pujante, também por inépcia dos múltiplos desgovernos) existência de um povo português, forjado ao longo dos séculos habitando maioritariamente no continente europeu num território cuja primeira parcela, até Coimbra, se tornou de facto independente desde há 900 anos, que se cumprirão daqui a um lustro, em 2028.

Este povo, que antes não existia, deve o facto de ser uma realidade não despicienda, apesar de tudo, no mundo global em que vivemos, a dois factores: a criação do estado e a codificação da língua portuguesa, não apenas como veículo, mas como arte. E a perenidade que parece ter alcançado, permitindo-lhe chegar ao milénio (espera-se, pois em História nada é imutável; e chegando lá, em que condições?...), assentou no(s) rei(s) e no exército que lhe assegurou a independência; a localização atlântica, cativando-o para um empreendimento a que não é errado caracterizar como gesta (termo usado como substantivo e não adjectivo), nas suas glórias e misérias, traduzindo-se na expansão extracontinental e na descoberta de territórios, povos e geografias insuspeitados, que tornando a tal perenidade de memória inapagável e irremovível enquanto a humanidade existir. São os séculos XV e XVI, de Henrique o Navegador e Gil Eanes, a Afonso de Albuquerque, "o Leão dos Mares" e Fernão Mendes Pinto.

Finalmente, a língua, vinda do latim e separando-se do galego pela conjuntura politica, património e identidade, que se espalhou; e através da língua, a literatura, em especial a poesia. Se nas restantes artes, não nos podemos equiparar aos grande países -- embora nomes respeitáveis não faltem, da pintura à música, na literatura só há um Camões e um só Fernando Pessoa; e em torno deles, um acervo gigantesco de literatura, dos trovadores medievais aos prosadores dos séculos XIX e XX.

O povo português, que antes de existir Portugal não existia ele próprio, é o resultado miscigenado de tudo isto.

quinta-feira, abril 06, 2023

terça-feira, abril 04, 2023

«Gracile»

os indivíduos na História

 Uma historiografia da qual os indivíduos estão ausentes, não me interessa para nada. Se a história apologética ou mitográfica das grandes figuras já foi ultrapassada há um século, não menos falha se mostrou a historiografia que varreu o indivíduo das estruturas. O menosprezo do papel do indivíduo da história de há muito que que se revelou insuficientíssimo para a tentativa de ler o passado. A fundação de Portugal nunca se perceberia sem a figura de Afonso Henriques, primus inter pares entre a nobreza de Entre Douro e Minho, tal como Luís XIV e Versalhes não são explicáveis sem a Fronda e os passos do jovem rei nela. Nem os Descobrimentos são entendíveis sem o ouro  e a .

Abdullah Öcalan, 75 anos - na prisão desde 1999



 

segunda-feira, abril 03, 2023

cheiro "a convés lavado de fresco"

 «Passado Toulon, que ora cheira a pólvora, ora a convés lavado de fresco, e ostenta em cada passeio, em cada Café, mulheres que, de noite, serão sombras errantes na vizinhança do porto, atravessámos Hyères, de luminosa tranquilidade e fisionomia de comarca provinciana, onde a vida parece tão suave como as suas ruas adormecidas sob lençóis ao sol.» Ferreira de Castro, «Mónaco» (1935), Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

1 disco, 1 faixa: HERE'S TO YOU CHARLIE BROWN: 50 GREAT YEARS! (2000) - #7. «Getting Ready»

domingo, abril 02, 2023

«Forbidden Colors»

estórias dentro da História

Salamina, Lepanto, Trafalgar, nomes que ligamos imediatamente a batalhas navais decisivas na História. A maior de todas, pelos meio e homens envolvidos parece ter sido a Batalha da Jutlândia, durante a Grande Guerra, ocorrida no Mar do Norte. entre 31 de Maio e 1 de Junho de 1916, envolvendo as armadas britânica e alemã.

Esta BD de Jean-Yves Delitte (Bruxelas, 1863) não é propriamente a história desta batalha de proporções épicas e decisiva para as marinhas de ambos os impérios -- para isso, há uma contextualização completa e ilustrada em apêndice -- mas antes o relato particular de duas histórias humanas, postas em situação no antes e durante a batalha, tornando a narrativa mais próxima, pelo que representa de sacrifício, e não um relato para-historiográfico de factos e números. É o caso do comandante Thomas P. Bonham, que apenas regressado de uma missão se despede da mulher e da filha para o que seria um exercício de rotina; ou o jovem Erik (ou Eric, como insiste o pai em escrever) habitante do Mosela, território alemão desde a Guerra Franco-Prussiana, que tem o sonho de ser piloto de guerra, mas será recrutado para a marinha.

Pintor oficial da marinha belga, apaixonado pela história naval (atente-se na assinatura) Delitte é também um esplêndido quadrinista, cujos começos remontam ainda à extinta e histórica revista Tintin. Além do argumento seguro, o traço rugoso evoca os de Hermann (Bernard Prince, Comanche, etc.) ou Franz (Lester Cockney) .

Jean-Yves Delitte, Jutlândia

colecção "As Grandes Batalhas Navais"

edição: Gradiva, Lisboa, 2023

agradeço à Gradiva o envio do livro







«Fascinating Rhythm»

sábado, abril 01, 2023

temos o Ventura que merecemos

Nem eu tenho grande disponibilidade mental para me debruçar sobre outra coisa que não seja a guerra na Ucrânia e o nosso papel, português e europeu, de serviçais inconscientes e cobardes dos interesses americanos, nem isto é um blogue de comentários de actualidade. 

Fiquei, no entanto, como toda a gente estarrecido com o sacrifício de duas jovens mulheres Mariana (24) e Farana (49). Já nem ligo às costumeiras javardices do Ventura, com grande acolhimento entre as massas ignaras, mas também entre os herdeiros privilegiados dos fachos e salazaristas analfabetos, que, como quem muda de camisa, trocaram o civilizado CDS por um coio de trogloditas, o que revela bem a sua verdadeira natureza (Cascais, a minha terra, é um triste exemplo disso mesmo).

Os artigos de Tiago Franco no Página Um e de Telmo Correia no Novo, embora parciais, acertam nas respectivas mouches e complementam-se. O voto de pesar da Câmara de Lisboa é exemplar.