terça-feira, dezembro 24, 2024
2 versos de Luísa Dacosta
«a tua ausência / sinto-a como um corpo.»
«Penélope», A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)
o que vai acontecer
«-- Mestre Romão lá vem, pai José, disse a vizinha. / -- Eh! eh! adeus, sinhá, até logo. / Pai José deu um salto, entrou em casa, e esperou o senhor, que daí a pouco entrava com o mesmo ar do costume. A casa não era rica naturalmente; nem alegre. Não tinha o menor vestígio de mulher, velha ou moça, nem passarinhos que cantassem, nem flores, nem cores vivas ou jucundas.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)
«A casa grande de Manel Libório quase se encostava à toca negra de Melo Bichão. Saía-se à porta, dobrava-se a esquina, e ficava-se de caras para o aprisco. Um aprisco que nem palácio, amplo e todo coberto, onde as ovelhas felizes do vizinho rico baliam alegres da fartura, que Manel Libório tinha pasto seu e muitos braços para lho juntarem em casa.» Mário Braga, «A balada», Serranos (1949)
«Chamava-se Alfredo e usava uma perna de pau. A Alice tivera curiosidade em ver como um homem daqueles amava. Porém até nisso a sua vida foi um erro. Ele, à noite, tirava a perna de pau e guardava-a debaixo da cama.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)
segunda-feira, dezembro 23, 2024
o que está a acontecer
«Nessas sobrelojas, salvo ao domingo pouco frequentadas, é frequente encontrarem-se tipos curiosos, caras sem interesse, uma série de apartes na vida. / O desejo de sossego e a conveniência de preços levaram-me, em um período da minha vida, a ser frequente em uma sobreloja dessas. Sucedia que quando calhava jantar pelas sete horas quase sempre encontrava um indivíduo cujo aspecto, não me interessando a princípio, pouco a pouco passou a interessar-me.» Fernando Pessoa, Livro do Desassossego por Bernardo Soares (póst., 1982)
domingo, dezembro 22, 2024
elogio dos imigrantes bengalis, nepaleses e mais o que houver
Um estudo recente sobre a imigração dava conta que este povo de analfabetos funcionais que dá pelo nome de Portugueses não gostava lá muito do grupo de asiáticos que nos varre as ruas, serve às mesas, dispensa bens e entrega refeições porta a porta. Parece que são muito escuros (como se nós fôssemos especialmente loiros...)... Como disse, com acerto, Rogério Alves uma noite destas, o que eles queriam era que os imigrantes se volatilizassem durante a noite e, ao raiar da aurora, estivessem de avental posto ou de vassoura na mão prontos para trabalhar.
Eu contacto com alguns, diariamente, vindos do Nepal, do Bangladesh e até da Índia. Amigáveis, cordatos, atenciosos, educados, pacíficos. Não percebo o que mais quer a ralé nacional. Insegurança? Não estou a ver. Dou frequentes passeios com a minha cadela boxer por volta da uma da manhã, uma vezes só, outras acompanhado pelo meu filho, por sítios movimentados ou ermos, a cerca de um quilómetro do centro de Cascais. Cruzo-me com vários, saudamo-nos com um boa noite. Nunca me sinto inseguro.
Martim Moniz? Como escrevi aqui, há quase um ano, antes de haver imigrantes aquilo era um sítio chulo. Agora tem outra cor, outro asseio.
Há problemas? Polícia cívica e esquadras de proximidade nos bairros, em diálogo constante com a população. Não há dinheiro? Há pois. é uma questão de governança.
sábado, dezembro 21, 2024
ucraniana CCLXXV - em bicos de pés
O impacto de um míssil ou drone, ou lá o que terá sido, em Kiev, serviu para Costa se fazer reparado, pelo menos aqui na parvónia, depois das palavras vazias dos últimos dias; e para a Ursula escrever uma porcaria qualquer em português. Houve um morto ali por perto, o que é sempre trágico; como trágico são estes tipos em Bruxelas. A Úrsula falou em ataque hediondo... Bolas, ainda bem que foram os russos em Kiev, pois se fossem os israelitas em Gaza, teriam sido pelo menos uns cem, os mortos, entre mulheres, crianças, velhos -- assim ao calhas e sem que esta criatura soltasse um grasnido. Estou tão farto destes estúpidos.
o que está a acontecer
«Não importa detalhar o insucesso. Direi apenas que a queda não foi tão espectacular que me levasse a acreditar no destino, nem tão imperceptível que não me envergonhasse. Foi um fracasso ordinário e marcante. No final nem sequer tive direito a uma depressão, à varanda de onde pudesse usufruir da contemplação pantanosa de uma vida cheia de estilhaços.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)
«Então nós lembramo-nos comovidamente desse actor num papel de inspector de polícia que particularmente nos entusiasmara, pois além de uma inesquecível cena de tiros nos esgotos de uma cidade americana, em que matava trinta e quatro "gangsters" sem sofrer uma beliscadura, contracenava com uma actriz lindíssima, responsável por manchas suspeitas nos lençóis da nossa adolescência -- e esta série de emoções heróicas, eróticas ou plangentes consubstancia-se num desejo irreprimível de ir ao cinema mal badalam nos campanários os ecos da ressurreição.» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981)
«Longe, muito lá cima, onde o médico mantinha os olhos presos, no cerrado e extenso pinhal que abrigava dos temporais a derradeira povoação de Moura Morta, é que o dia parecia escolher sempre campa para o seu canseiroso jordanear.» Guedes de Amorim, Aldeia das Águias (1939)
sexta-feira, dezembro 20, 2024
ucraniana CCLXXIV - deixa-me cá criticar forte e feio o Putin, que está na mó de cima, graças a deus
Eu sei que é preciso ter uma paciência infinita para lidar com a idiotia do Ocidente, a bandidagem de Washington, os serventuários da UE, os múltiplos palhaços da "comunicação", da cnn internacional para baixo, mas -- do pouco que pude observar nos telejornais -- não gostei nada do tom de piadola do Putin sobre duelos... Isso é bravata para líderes de terceiro mundo e também para os trumps e outros mileis, não para estadistas civilizados ou decentes.*
Muitas vezes também tenho vontade de rir, mas eu não só não sou um líder político, como não tenho que arcar com o peso de milhares de mortos, mesmo que numa guerra provocada pelos patifes dos americanos e respectivos lacaios.
* É verdade que Biden é um senhor, podre e senil, mas um senhor. No que também não veio nenhum bem ao mundo...
quinta-feira, dezembro 19, 2024
quarta-feira, dezembro 18, 2024
4 versos de Camões
«Pois se a troco de Carlos, rei de França, / ou de César, quereis igual memória, / Vede o primeiro Afonso, cuja lança / Escura faz qualquer estranha glória.;»
Os Lusíadas, I-13 (1572)
ucraniana CCLXXIII - armas químicas... 'esqueceram-se' de mostrar os ataques e as respectivas vítimas das armas químicas russas, ou de como o perigo das provocações continua à espreita
O general que ontem foi morto num atentado em Moscovo, segundo os me(r)dia, era o responsável pelo arsenal de armas químicas e outras proibidíssimas -- embora hoje, na TSF, já fosse apresentado como o primeiro responsável pelo dispositivo nuclear...
Pode ser que a minha memória esteja a falhar, mas não me lembro, para além dos ataques com fósforo branco, usado por ambas as parte e cuja utilização é proibida sobre áreas civis -- não me lembro sequer de acções de propaganda encenada a este respeito. O que significa que não terá mesmo acontecido. O que teria sido, na chamada guerra comunicacional, se soldados ou civis ucranianos tivessem sofrido um ataque dessa natureza?...
Até à tomada de posse da nova administração -- que não sabemos bem o que será, pesem todas as declarações -- Zelensky e outros agentes do complexo militar-industrial norte-americano tudo farão para nos envolver numa guerra. Para isso contam com
1) alguns militares e comentadores dispostos a fazerem o serviço;
2) a pulhice mentirosa e medíocre dos dirigentes da UE e da maior parte dos governos europeus;
3) o atavismo histórico aterrorizado de polacos e bálticos.
Eu só espero que os russos mantenham nervos de aço e resistam às provocações; que a opinião pública ocidental esteja atenta e perceba como é manobrada por canalhas e cobardes; e que continue a não ligar nenhuma ao pseudojornalismo de meia-tigela. Já aqui gabei os pobres generais Agostinho Costa e Carlos Branco, cuja infinitamente paciência é sistematicamente posta à prova por burrinhas e burrinhos (ainda este Domingo, ao fim da noite...) Neste aspecto, o coronel Mendes Dias, que sabe muito mas compromete-se menos, desarma-os com eficácia, principalmente quando começa a falar de Napoleão para trás...; mas há outros, como, por exemplo, o major-general Vítor Viana, em canais diferentes. Estes últimos sempre se apresentaram alinhados com a posição ocidental, aliás como o general Pinto Ramalho, mas com algum ou muito sentido crítico. É a diferença entre a seriedade e a falcoaria, o charlatanismo académico e o "jornalismo" para iletrados.
PS - Nem de propósito, uma bela caracterização destes criaturos: "há toda uma dança mediática realizada por mentirosos profissionais, ironicamente chamados de “jornalistas”, cuja principal tarefa é lubrificar as mentiras mais espinhosas para que ainda sejam engolidas." (Aqui)
correspondências
(José da Cunha Brochado a desconhecido, 1696) .../... «Porém, hoje não serei o primeiro mudo a quem o alvoroço dos afectos rompesse o embaraço das expressões, porque a alegre nova da entrada de V. Ex.ª nessa Corte, que passou além da magnificência, dispensou ao meu silêncio estas vozes e ao meu respeito estes júbilos.» Cartas***
(António Cândido a João de Barros, 1907) «Exm.º Snr. // Tenho estado doente e impossibilitado de responder à carta de V. Ex.ª / Ao meu velho amigo T. de Queirós já disse que punha mt.º gostosam.te todo o meu valimento ao serviço de V. Ex.ª, embora, essa hipótese, me parecesse que era sem resultado útil.» .../... Cartas Políticas a João de Barros**
(Eugénio de Andrade a Jorge de Sena, 1955) .../... «De resto, a todas as palavras embaladoras que alguns amigos, prematuramente, me disseram, invocando até o facto de eu ser seu amigo, da Sofia e do Cochofel, respondi eu sempre, que uma das razões da minha amizade a esses elementos do júri provinha de os saber intelectualmente responsáveis e honestos para darem o prémio a quem o merecesse, sem quaisquer implicações sentimentais.» .../... Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena*
*** José da Cunha Brochado, Cartas (ed., António Álvaro Dória, 1944)
** Cartas Políticas a João de Barros (ed. Manuela de Azevedo, 1982)
* Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena (ed. António Oliveira, 2015)
terça-feira, dezembro 17, 2024
4 versos de José Pascoal
«Podes falar de como é difícil viver, / Podes fazê-lo mesmo sem saber, / Quão difícil é a vida / Para quem a leva mal vivida.»
«Da ignorância», Sob Este Título (2017)
segunda-feira, dezembro 16, 2024
1 verso de Sebastião da Gama
«Partimos. Vamos. Somos.»
«O sonho», Pelo Sonho É que Vamos (póst., 1953)
o que está a acontecer
«O murmúrio alteou-se, alastrou no silêncio, depois ficou suspenso no mesmo tom percuciente de lamentação e de queixume. Eram muitas vozes em fio que uma espécie de capilaridade transformava em veia líquida de vozes, uma única voz laminada, em jacto monotonia fluente que a dicção verbal cortava em claros-escuros sónicos, de rolamentos surdos de onda. Começara no coro o ofício divino.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)
«13 de Novembro. / Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste... / Uma vila encardida -- ruas desertas -- pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva -- o castelo -- restos intactos de muralha que não têm serventia: uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures.» Raul Brandão, Húmus (1917).
«Há em Lisboa um pequeno número de restaurantes ou casas de pasto [em] que sobre uma loja com feitio de taberna decente se ergue uma sobreloja com uma feição pesada e caseira de restaurante de vila sem comboios.» Fernando Pessoa, Livro do Desassossego por Bernardo Soares (póst., 1982)
domingo, dezembro 15, 2024
os três guitarristas de Mark Knopfler
sábado, dezembro 14, 2024
sexta-feira, dezembro 13, 2024
serviço público - Carlos Branco e Jaime Nogueira Pinto
"As encruzilhadas de Zelensky" -- não é só a análise da inconsistência e incongruência do Zelensky, é toda a canalhada que fez a guerra alem de, muito em particular, os indígenas que dirigem aqui a Parvónia desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, todos sabemos porquê. Até quando vamos aceitar calados as mentirolas, a cobardia e a incompetência crassa?
"De Bucareste a Damasco, a democracia está bem e recomenda-se" entre outras coisas, uma das razões que fez de mim um eurocéptico; ou um intelectual salazarista a escrever por que está podre o demo-liberalismo europeu. Ajunto nomes, nomezinhos: de António Costa a Emmanuel Macron, passando por Pedro Sánchez, de Ursula von der Lyen + Josep Borrell, de Stoltemberg a Rutte, de Boris Johnson à ministra alemã dos Estrangeiro, a "verde" Annalena Baerbock -- sou só eu que fico nauseado?
se Stoltenberg era um caniche dos americanos, Rutte não passa dum cão de circo coxo
Mentiroso, aldrabão, vendedor de soutiens -- daqui a cinco anos, diz esta criatura improcriável, os russos estarão a atacar os países da Nato. Ao princípio da noite, o major-general Vítor Viana, um militar ponderado e educado, considerou essas afirmações como uma fantasia, explicando porquê. Mas aquele bicho presta-se a fazer figuras tristes, achando que os europeus são tolinhos como certos professores portugueses de Relações Internacionais e afins; acha que a meter medo consegue convencer as pessoas (e os governos, que dependem dos eleitores) a aceitar o desvio de recursos para gastar em armamento (de preferência americano).
Estes estúpidos podiam ser honestos e dizer algo como: a Europa tem de ter uma mínima autonomia, em termos defensivos, e isso implica uma política de defesa que tem de ser discutida. Mas não, preferem acenar com espantalhos. São estúpidos destes, criminosamente estúpidos, que levaram ao atolar da Ucrânia, e não contentes, a levar o resto do continente atrás. Tão miseráveis são eles com os dirigentes que, por cá e por outros sítios, vão atrás da conversa, como macacos amestrados.
fragmentos
«1. Num árido e abrupto vale, habitado apenas pelo rumor longínquo do rio lutando para conseguir passar entre as estreitas fragas, uma voz disse-me que só estamos aqui de passagem, que a nossa estadia na terra é temporária. Sentado nas pedras, aprendi que essa voz, atravessando aquela solidão arcaica e silenciosa, era o próprio rio, imparável.» Rui Chafes, «O perfume das buganvílias» (2012)
«A imensa maioria da gente subordina a opinião ao interesse, como norma de vida, raramente subordinando o interesse à opinião. Se, por infelicidade para a tua pessoa, pertences ao número, bem pequeno, dos que subordinam o interesse à opinião, lembra-te daquela verdade, para não seres sempre vítima.» Emílio Costa, «A esmo», Filosofia Caseira (1947)
«Uma máxima não pretende defender um ponto de vista ou indicar uma direcção; uma máxima constata, simplesmente. Não é pois um género actual.» José Bacelar, Revisão 2 -- Anotações à Margem da Vida Quotidiana (1936)
quinta-feira, dezembro 12, 2024
o que está a acontecer
«Rápido, roxo e frio vinha o crepúsculo. Eduardo Campelo, gola do sobretudo até às orelhas, centrado no janelo do casebre de Vilarinho, ainda sustentava o olhar além do ribeiro que, a colear entre choupos e vimieiros, era estrema de duas freguesias.» Guedes de Amorim, Aldeia das Águias (1939)
«Estes ensinamentos foram-me inoculados sem especial zelo pela minha família, transmitidos quase como um ruído de fundo que acaba por se integrar no nosso pensamento, o rumor que se ouve quando tu está em silêncio. Saí para o mundo convicto da vitória e regressei, cabisbaixo, com o fardo do meu fracasso.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)
«A acrescentar às celebrações eclesiásticas que, durante a Quinta e a Sexta-Feira Santas, e ainda o sábado até à Aleluia, envolvem de pranto e angústia a desejável autoridade dos templos; em complemento das gravatas negras, dos jejuns forçados, dos rosários de penitência, da música clássica na televisão e de outras manifestações de nojo intenso, surge-nos o deplorável hábito de os cinemas projectarem filmes bíblicos, normalmente antiquíssimos, em que o drama passado ganha aspectos duplamente impressionantes: o actor que faz de Cristo também já morreu!» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981)
quarta-feira, dezembro 11, 2024
terça-feira, dezembro 10, 2024
2 versos de Rui Knopfli
«Dizem-me bom dia como quem fecha / uma janela sobre o nevoeiro,»
«Princípio do dia», O País dos Outros (1959)
segunda-feira, dezembro 09, 2024
vária
«Tinha eu seis anos de idade ao término da Primeira Grande Guerra, a de 1914/1918, quando o impacte da Revolução de Outubro, do estabelecimento do Congresso dos Sovietes em nome dos trabalhadores, chego aos oitenta anos quando o mundo nascido de duas guerras mundiais e da revolução socialista se esboroa e nas ruas se discute e se planeia uma nova carta geográfica e política, quando o impossível acontece, ruem muros, nações.» Jorge Amado, Navegação de Cabotagem (1992)
«Qualquer ramito conta por milhares as florações e dá em pleno país do sol a fresca sensação duma neve caída em flocos sobre cada proeminência de haste. Quantas vezes, folheando Madame Chrisanthème, que Myrbach e Claudius Popelin vêm de ilustrar, eu pensei nesta esquecida floração do pilriteiro, que não figura nos álbuns, nem inspira os desenhistas, e todavia resume, na sua pureza, o que de mais belo possa haver, como motivo ornamental, para a ilustração de livros e jornais!» Fialho de Almeida, «Pelos campos», O País da Uvas (1893)
«Fora das trincheiras, antes de irem para a linha de fogo ou antes de virem de lá, não deixam nem um dia de praticar a guerra, para não perderem o treino deste sport sinistro, a que toda a nação inglesa se entregou com um ardor nunca visto.» Adelino Mendes, «A cidade d'Albert» (A Capital, 29-III-1917), Repórteres e Reportagens de primeira Página (s.d.)
coitado do Pedro Nuno Santos
Meteram-lhe na cabeça que o wokismo é a luta, digamos, pela justíssima igualdade, nas diferenças biológicas, entre homem e mulher, ou a liberdade para amarmos quem quisermos, ou seja, a liberdade para pessoas que se sentem atraídas por outras do mesmo sexo o possam fazer livremente e sem descriminação. Se fosse isso, também eu seria woke. Mas ele pelos vistos não sabe, ou finge não saber, que o wokismo não é só isso.
"Extrema-direita", não é?... Tristeza de simplificação do que é complexo. Não vou perder mais tempo com quem desvaloriza (ou concorda?...) com o pidismo woke. Como tenho dito, PS minado -- e espero que eleitoralmente derrotado. O Mário Soares deveria adorá-los...
Síria, e agora?
Al-Jolani. Quando o ouvi, muito articulado e razoável, a dar uma entrevista à CNN-Internacional, com a repórter (in)devidamente coberta, só me lembrei das promessas dos talibãs... Como cantou o poeta, "Pode alguém ser quem não é?" Ele diz que sim. Para já, é uma fabricação da Turquia.
Rússia. Para já, tem as bases seguras. Tudo deve ter sido combinado com a Turquia. Além disso, só os parvos acham que se podem meter com os russos e ficar impunes. Um dia contarei aqui uma história de como eles lidaram com os assassinos de um agente seu no Líbano, ainda no tempo da velha URSS.
Irão. Tem que engolir, pelo menos para já. E outro golpe (fatal?) para o Hezbollah.
Israel. Estão muito contentinhos, para já. Estarão com as mãos ainda mais livres para massacrar os palestinos?
Curdistão. Aquilo que eu gostaria, mesmo mesmo era o início de um estado curdo, juntando para já as partes síria e iraquiana. Mas obviamente a Turquia nunca iria deixar. Dependerá, também, de qual o grau de sacrifício e apoio externo que os curdos possam ter. O Curdistão iraquiano nunca declarou a independência, quanto a mim, pois seria certa a entrada dos turcos pelo território adentro. Até que ponto os curdos do Iraque e da Síria terão força suficiente para levantar-se? Para já, parece que os maiores que estão a ter lugar na Síria envolvem o SNA (municiado pela Turquia) e os curdos, que estarão a contar com o apoio dos Estados Unidos.
E isto é apenas uma pequena parte do grande tabuleiro da região. Precisa-se de um milagre para este Natal naquelas santas terras. Para já.
domingo, dezembro 08, 2024
o que está a acontecer
«Estou em crer que a rádio passava uma peça da Suite Bergamasque, embora não o possa jurar. A memória trai-me. A sorte dos que lá ficavam era-me indiferente. Cresci com a ideia de que só os derrotados, os vagabundos e os infelizes não saíam de lá, pessoas que se confundiam com a paisagem, os candeeiros de globos partidos, as balizas ferrugentas do Arregaça, as paredes encardidas, os bancos lascados dos parques.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)
«Ainda hoje, era de ciência e de tecnologia sem par, desvendados mistérios, esclarecidas superstições, há largos milhões de homens e de mulheres que sentem o crânio encharcado pela barrela de Jerusalém e se humilham, cada ano, reacendida a braseira absurda e macabra de uma culpa colectiva, no roxo pungente dos lutos pascais!» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981)
«Lá no fundo, namorando o mistério das águas, uma francesa linda como as coisas mais lindas, aventureira viajada, da qual se fazia conhecer todos os países e todas as raças, o que equivale a dizer que conhecia toda espécie de homem, tolera, com um sorriso condescendente, o galanteio juliodantesco de uma dúzia de filhos-família brasileiros e argentinos: / -- A senhorita é linda... / -- Minha vida pela sua vida... / -- Faça um sinal e me atirarei n'água! / -- Eu queria que o navio naufragasse para poder provar quanto a amo...» Jorge Amado, O País do Carnaval (1931)
sábado, dezembro 07, 2024
o que aconteceu
«E, quanto mais cismo, mais dou razão ao Miguelão da Cabeça da Ponte, que falava como livro aberto, o grande bruxo. Muitas vezes lhe ouvi dizer quanto estava de boa lua, o que nem sempre sucedia: / -- Tempos virão em que o governarão as terras vãs e os filhos das barregãs.» Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas (1922)
«Seja pelo que for, não gosto de viajar. Já pensei em pedir a demissão. Mas é difícil arranjar outro emprego equivalente a este nos vencimentos. Ganho dois mil escudos e tenho passe nos comboios, além das ajudas de custo. Como vivo sòzinho, é suficiente para as minhas necessidades.» Branquinho da Fonseca, O Barão (1942)
«O rapazinho deitou a correr, e lá foi a caminho da serra. Tendo de optar entre os malefícios da alma penada e a biqueira do tamanco do amo, preferia encontrar o defunto capitão-mor. Ainda assim, ia rezando alto quanto sabia da cartilha: os Pecados Mortais, as Obras de Misericórdia, os Sacramentos da Santa Madre Igreja, tudo.» Camilo Castelo Branco, Maria Moisés (1876-77)
sexta-feira, dezembro 06, 2024
JornaL - a Roménia como mais um bantustão
Tribunal constitucional anula resultados das eleições presidenciais na Roménia. O TikTok, não é?... Eu acho que parece mais o estertor do liberalismo, aqui e ali, tomado que foi, à direita e à esquerda, pelo rapinanço capitalista. De Blair a Sarkozy, de Hollande a Boris Johnson, de Macron a Starmer -- o que são estes gajos senão bonecos? Claro que as interferências não terão faltado, não sejamos ingénuos; mas anula-se umas presidenciais num país como a Roménia por causa do tiktok, como se fosse um bantustão ou uma república das banas?... Pelos vistos é. Tenha sido condicionado pelas redes sociais, ou estejamos a assistir um golpe do seu TC, o país fica mesmo mal no retrato. Depois do facínora ridículo que foi Ceausescu, o país do Mircea Eliade merecia melhor.
o pior de Soares sempre foram os soaristas
Nunca simpatizei com a personagem, por razões muito diversas do ódio que lhe votava a grande massa dos chamados retornados ou da aversão que tinha por ele o PCP, partido a que pertenceu na juventude.
Uma das muitas coisas de que Portugal se deve orgulhar (um orgulho bem tardio, é verdade) é a Descolonização -- com todas as suas imperfeições --; a passagem do poder ao MPLA, ao PAIGC e à FRELIMO. Deveria ter sido outro o modo? Sim, mas a responsabilidade de como a descolonização foi feita deve-se apenas ao Salazar e entourage. Importante era descolonizar, em nome da decência; Soares foi um dos que esteve na Descolonização, por isso, viva Soares!
Soares liderou a contestação na rua aos que se preparavam para instaurar no país uma ditadura mais cruel e mais estúpida (parafraseio as palavras do sapateiro Manuel Joaquim de Sousa, antigo secretário-geral da CGT). Claro que Soares se aliou ao Diabo (Kissinger, CIA) e beneficiou do apoio da pequena burguesia assustada e da grande, defenestrada. É a vida.
E depois, foi o líder da nossa adesão à CEE. Não é sua a responsabilidade de a UE ser hoje uma entidade agónica e sem autonomia, dirigida por pequenos e habilidosos funcionários, da Úrsula ao Costa (neste último caso, é um vaticínio; gostava de me enganar, mas não creio). Ideia extraordinária a União Europeia, que talvez ainda possa ser salva. Não perguntem como, porque não sei, a não ser que a UE nunca o poderá ser enquanto as suas instituições não forem reformadas, com a obrigatória criação de uma segunda câmara que dê peso igual aos países, e com poderes reforçados, possivelmente numa perspectiva confederal.
Voltando a Soares, que não foi nenhum génio, mas um homem singular com qualidades e defeitos de sobra. Não admiro a pessoa, embora reconheça o seu lugar na História recente de Portugal -- uma obviedade, de resto. Mas o que sempre me causou particular repulsa foram os soaristas, coevos e póstumos, basbaques e engraxadores. Um horror.
4 versos de Dick Hard
«Um cavalheiro / ergue-se sempre / à passagem / de uma dama.»
«Irresistível», De Boas Erecções Está o Inferno Cheio (2004)
quinta-feira, dezembro 05, 2024
3 versos de Fernando Jorge Fabião
«Há noites em que a madeira / pede um incêndio, um pó voraz / que a liberte»
Nascente da Sede (2000)
diários
.../... «E então lembrei-me: e se eu tentasse uma vez mais o registo diário do que me foi afectando? Admiro os que o conseguiram desde a juventude. Nunca fui capaz. Creio que por pudor, digamos, falta de coragem. Um romance é um biombo: a gente despe-se por trás. Isto não.» .../... Vergílio Ferreira, Conta-Corrente 1 (1969-1976) (1980)
.../.. «Desde o recordatório histórico das lutas ingentes da humanidade para a sua esforçada emancipação até à esquematização das eficazes soluções para a consolidação da Democracia moderna, tudo Benes focou com inteligência e invulgar cultura. / Quem se debruçou sobre essa obra de meditação e de crítica aprendeu, através duma prosa fácil e emotiva a lição dum extraordinário pensador, sociólogo de primeira plana e político de rasgados horizontes.» .../... Vasco da Gama Fernandes, Jornal (1955)
.../... «Sentimo-nos regressar às fontes da pureza em todas as intenções humanas, mesmo nas mais malignas ou convencionais. // -- Afinal, onde é Paris? / Esta interrogação leva-nos à ideia de uma concepção perimétrica que nos faz recuar desde o actual plano da urbe até aos círculos pantanosos donde emergiram as colinas de Santa Genoveva e Montmartre, sentinelas defensivas da pequena ilha de Lutécia, a cujos juncais aportariam um dia os nautas parisii, fundadores do burgo.» .../... António de Cértima, Doce França (1963)
quarta-feira, dezembro 04, 2024
JornaL - Graça e o lobo
Novo alerta pelo lobo europeu. Esplêndido artigo de Marta Leandro, muito sustentado e cheio de informação, a respeito de mais um ataque ao lobo na Europa desferido pela própria União Europeia, com um voto favorável de Portugal, com a ministra Graça Carvalho a fazer de troca-tintas. Eu até tenho (tinha?) boa opinião a seu respeito; no entanto, muito anos na actividade partidária -- a politcalha -- originam episódios como os relatados no artigo -- isto, num país que conta com 300 lobos, após décadas de políticas estritas de conservação. (Plataforma Lobo).
Mas ninguém trava esta Úrsula?...
5 versos de Cesário Verde
«E pitoresca e audaz, na sua chita, / O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, / Duma desgraça alegre que me incita, / Ela apregoa, magra, enfezadita, / As suas couves repolhudas, largas.»
«Num bairro moderno», O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)
o que está a acontecer
«Quando, em finais dos anos noventa, voltei costas ao Bairro Amélia, com os seus estendais de gente mórbida, a banda sonora incessante das suas misérias, nunca pensei que a vida me devolveria ao ponto de partida. Naquele dia final, enquanto olhava pela janela do carro, senti uma onda de orgulho a alastrar pelo meu peito, uma sensação de triunfo. Dava um belo travelling.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)
«Fazendeiros ricos de volta da Europa, onde correram igrejas e museus. Diplomatas a dar a ideia de manequins de uma casa de modas masculinas... Políticos imbecis e gordos, suas magras e imbecis filhas e seus imbecis filhos doutores.» Jorge Amado, O País do Carnaval (1931)
«A quem imputar, todavia, as reais responsabilidades de tais actos: ao inocente ou às abomináveis gravuras de um pequeno livrinho de catecismo, estendal de horror, medo e violência, pesadelo da minha meninice? / Essa mórbida tradição religiosa, impregnada de brutalidade ancestral, iniciou-se há cerca de dois mil anos, quando um romano venal e astuto, de nome Pilatos, lavou as suas mãos de uma atitude de transigência ante os clamores da canalha assassina e despejou a água da bacia sobre a cabeça de quem calhou.» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981)
terça-feira, dezembro 03, 2024
JornaL - o lítio: É fartar, vilanagem!...
Lítio. O país a saque (é um lugar-comum, mas não deixa de ser verdadeiro). Do lítio aos aeroportos, para enchimento de meia dúzia de bolsos à custa da colectividade.
Sem ouvir as populações directamente interessadas e sem acordar o que quer que seja com elas, qualquer decisão está ferida de falta de legitimidade, que é um valor superior ao da legalidade.
É por isso que sou favorável à acção directa, de preferência pacífica, mas sem excluir outra, do bloqueio à sabotagem, desde que não ponha em causa a vida humana. Chama-se a isto autodefesa popular contra um Estado que está pronto a vender-se e aos seus cidadãos.
segunda-feira, dezembro 02, 2024
o que vai acontecer
«E sofria no seu amor por elas: "Cala-te, Marrafa, cala-te, Nina..." Mas o céu não parava de abrir-se em neve, e a neve em frio, e o frio a picar a carne velha de Melo Bichão. Choramingava o filho maluco, baliam os animais famintos na verde saudade dos pastos. E mais sofria o pastor velho com a fome das sete ovelhas.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1949)
«Nascera num bairro miserável, fora de portas. A mãe vinha todos os dias à cidade buscar roupa e deixava-a só. Cresceu como um bicho, sem moral, nem beleza. / Atingida a puberdade entregou-se ao primeiro que apareceu. Romance? Nenhum. Prazer, sensualidade, vício mesmo? Nada. Só sensaboria, fatalismo e alguma curiosidade.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)
«Acabou a festa; é como se acabasse um clarão intenso, e deixasse o rosto apenas alumiado da luz ordinária. Ei-lo que desce o coro, apoiado na bengala; vai à sacristia beijar a mão aos padres e aceita um lugar à mesa do jantar. Tudo isso indiferente e calado. Jantou, saiu, caminhou para a Rua da Mãe dos Homens, onde reside, com um preto velho, pai José, que é a sua verdadeira mãe, e que neste momento conversa com uma vizinha.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)
da Geórgia à Síria
A Ucrânia está perdida para os Estados Unidos. Limitar a vitória da Rússia, que será sempre retumbante, assim o creio e desejo, passou a ser o objectivo imediato. A crise institucional na Geórgia e tentar instalar o caos na rua (parece que faltam contestatários...) é uma tarefa levada a cabo pela CIA, por sua vez ligada à reactivação dos jihadistas na Síria. Nada disto é novo, os resultados também não o devem ser.
sábado, novembro 30, 2024
sexta-feira, novembro 29, 2024
3 versos de Luísa Dacosta
«Searas de espuma / invadem, violentas, / as areias.»
A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)
o que está a acontecer
«I. Entre o azul do céu e o verde do mar o navio ruma o verde-amarelo pátrio. Três horas da tarde. Ar parado. Calor. No tombadilho, entre franceses, ingleses, argentinos e ianques está todo o Brasil (Evoé, Carnaval!)» Jorge Amado, O País do Carnaval (1931)
«Tempos depois, já mais crescidito, débil mancha de buço precoce, anunciadora da virilidade futura, encontrar-me-ia a enterrar coroas de espinhos na cabeça dos cães vadios que vinham esperar as crianças à saída do liceu. Inadvertidamente, apliquei esse mau trato à cadela de um professor de latim, bicha de raça, estimada, e fui denunciado, repreendido pelo reitor, castigado em casa, proibido de brincar durante um mês com o comboio eléctrico.» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981)
«É o fumo desses fogos que vejo espalhar-se na planície, ao sabor do vento fresco e forte. / Também a fogueira que me protege contra o frio se verga ao ímpeto do vento, mas quando olho em frente posso distinguir, no interior do templo, cuja porta está aberta, a chama sagrada ardendo erecta e impassível, sem que um sopro a perturbe. Mais perto de mim, ao ar livre, as flores que cobrem a ara dos sacrifícios são varridas para o chão.» João Aguiar, A Voz dos Deuses (1984)
quinta-feira, novembro 28, 2024
ucraniana CCLXXII - um bisneto do Tólstoi a propósito da guerra da Ucrânia, com um pensamento melancólico na miséria deputal do Velho Continente
3 versos de Alberto de Lacerda
«Olhos profundos e mãos nervosas / tacteando o encantamento preparado / desde a dor antiga da perdida infância.»
77 Poemas (1955)
quarta-feira, novembro 27, 2024
2 versos de António Salvado
«o que eu procuro é incorpóreo e vago / sem alfabeto claro que o inscreva,»
Entre Pedras, o Verde (2004) / Café dos Poetas (2015)
terça-feira, novembro 26, 2024
ucraniana CCLXXI - os europeus submissos e cabisbaixos
Quando vemos e lemos o à vontade com que se fala e escreve a propósito da III Guerra Mundial, quando há sempre falcões que não passam de falquinhos, como este Rob Bauer, e outros puxa-saco dos palonços dos dirigentes políticos europeus, só podemos fazer figas ou pôr velas a Nossa Senhora.
Não, não se trata de nenhuma política de apaziguamento semelhante à da Europa Ocidental em face de Hitler, como sucedeu em 1938 -- assim o têm dito os pequenitos académicos de meia-tigela de Relações Internacionais e outros que vêm atrás --, mas sim a submissão miserável, cobarde e cega à estratégia norte-americana, que, porque pretende partir a Rússia aos bocados, não hesitou em usar e sacrificar a Ucrânia e os seus povos, como não hesitará em sacrificar o resto da Europa, se tal lhe servir. A Europa não passa de um mero peão da guerra dos Estados Unidos contra a Rússia.
Resta saber o que farão os políticos europeus: se defender os seus países e povos de uma hecatombe, ou se vão, obedientes, lutar pelos interesses dos outros, submissos e cabisbaixos, tal como os judeus enfileiravam para os fornos crematórios dos nazis. A responsabilidade e a diferença entre patriotismo e traição está nas mãos dos eleitos.
Nota (para o caso de o não ter ainda escrito): Não sou pacifista. Sou contra exércitos profissionais: a defesa do país deve ser sempre dever de todos. Defendo o serviço militar (ou cívico) obrigatório para ambos os sexos, em moldes muito diferentes da estupidez que existia antigamente. Um período mais breve, com reciclagem anual até uma certa idade, tal como existe na Suíça.
Ah, claro, sou contra a subserviência e o espírito de rebanho pastoreado pela Úrsula e os seus rafeiros.
E ah, outra vez: a "ajuda" da União Europeia à Ucrânia tem sido fabulosa, como se vê. Mesmo com as mentiras da manipulação, creio que os ucranianos já devem estar um bocado cansados de tanto auxílio. Só falta a "ajuda" da Nato.
Porcos.
2 versos de A. M. Pires Cabral
«O Outono avança cauto, como se / não conhecesse bem o território que pisa.»
«E uma cotovia», Caderneta de Lembranças (2021)
segunda-feira, novembro 25, 2024
5 versos de José Régio
«Ai!, bem quiseram amar-me! / Bem o tentaram. / Mas nunca me perdoaram / O não serem dominados / Nem poderem dominar-me...»
«Carta de amor», As Encruzilhadas de Deus (1936)
não é bem o 25 de Novembro, mas o 28 de Maio
Antes de mais, não tenho nada contra o 25 de Novembro, e até podia. Tinha onze anos, e no dia seguinte, em 1975, a minha Mãe iria completar os seus 39. Estragaram-nos um bocado a festa, com a família a ter de sair mais cedo, por causa do recolher obrigatório. Lembro-me bem...
Também não tenho nada contra, por muitíssimas razões que não vou explanar aqui, mas apenas dizer que António Ramalho Eanes é o estadista português que mais admiro no pós-25 de Abril. De resto, na condição de simpatizante, andei a espalhar folhetos do PRD pelas caixas de correio do Estoril, nos idos de 1985.
Compreendo que ele compareça à sessão solene que evoca a data da qual ele foi o principal militar operacional -- afinal não ir seria renegar-se; mas também compreendo que os elementos ainda vivos do Grupo dos Nove não queiram lá pôr os pés.
O que acontece é que as forças políticas que querem alegadamente comemorar o 25 de Novembro, na sua maioria detestam o 25 de Abril. São os derrotados do Estado Novo e a sua data de referência é o 28 de Maio de 1926. Isto vai de boa parte do PSD e do seu eleitorado, ao CDS e ao Chega. Calculo que seja diferente com a IL: sendo liberais não podem ser nostálgicos do Portugal da pobreza, do analfabetismo, da mortalidade infantil, da emigração para os bairros de lata dos arredores de Paris, da Guerra Colonial, já para não falar da pide, da legião portuguesa, da Censura. É isto que boa parte da direita portuguesa gostaria de facto comemorar; mas como não pode, agarra-se ao 25 de Novembro, que aceito ter sido um golpe contra-revolucionário, graças a deus. Basta pensar que boa parte dos patetas-palhaços da revolução tinham como referência o Enver Hoxha, o Mao Tsé-Tung e o José Estaline.
Foda-se, mal por mal dêem-me a puta da sociedade burguesa.
Ainda outra coisa: lembro-me bem de que nos comícios da AD de 1980, onde estavam muitos dos que hoje expelem jaculatórias de homenagem ao General, uma das palavras de ordem era "Eanes para a Sibéria". A direita portuguesa não só é a mais estúpida da Europa, diz-se; continua a ser uma badalhoca.
domingo, novembro 24, 2024
serviço público
Viriato Soromenho Marques, «O míssil Biden foi lançado sem regresso».
o que está a acontecer
«Finalmente, dá-se conta do passamento de Arantes Braga, jornalista de incendiado verbo, socialista e independentista, o qual abandona esta estória no término do presente capítulo, isto é, a dezassete de Novembro de mil oitocentos e oitenta e cinco (assim o viu a mucama Josephine) em seu próprio caixão.» José Eduardo Agualusa, A Conjura (1989)
«Arcóbriga e Meríbriga nasceram sob a protecção divina. Tanto quanto a memória dos homens recorda, as muralhas das duas povoações nunca cederam a um ataque e mesmo quando soou a hora da derrota não houve sofrimento ou ignomínia. Por isso, os antigos habitantes, agora instalados ao longo da ribeira, continuam a trazer oferendas à divindade, pois sabem que lhe devem a vida, o pão e a segurança que lhes permite amanhar a terra, caçar, apascentar o gado e, pela tardinha, acender com toda a tranquilidade os seus fogos para preparar a refeição da noite.» João Aguiar, A Voz dos Deuses (1984)
«Ao contrário do que propalou pelas vias da coscuvilhice da vizinhança, a gangrena que o vitimou não derivou do ferro ferrugento da cavilha, mas de um panarício anterior ao atentado -- o que não impediu que tanto a acção concreta como a calúnia me marcassem para o resto da vida, com a memória escaldante de uma tragédia.» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981)