sábado, fevereiro 08, 2025

o que está a acontecer,

«O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival. / No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando por colina e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava grão e plantava cepa em tempos de el-rei D. Dinis.» Eça de Queirós, As Cidades e as Serras (1901)

«O próprio gato, depois de ter brincado algum tempo à roda das saias da dona -- "Sape-gato, já me arranhaste!" -- pulou de leve para o lar da chaminé, e dorme agora enroscado na auréola de calor do fogareiro. / Há quantas horas dura a tarefa? Deram as onze na Sé, depois no relógio aguitarrado da casa de entrada, e as duas mãos param um instante na toalha branca, sob o comando da reflexão.» José Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso (1960)

«O polícia, que vinha sentado junto do motorista, chupou, quatro vezes seguidas, a ponta mungida do cigarro, atirou-a fora -- e desceu. Sentindo os olhares despejados lá de cima, que davam maior vaidade ao seus gestos, ladeou a furgoneta e, atrás, abriu a porta, que era chapeada e sólida como a de um cofre.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954) 

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Apenas a forma em que se envolvem as coisas e com que se indumenta a história dos homens é mutável, que no mais continua a prefixa eternidade. Por baixo da corrente de ideias, que hoje preponderam, defluem outras que, vindas de mais longe e realizadas, cederam àquelas a superfície do golfo social. Essas traduzem a substancialidade em arte e beleza. Mediante elas, o seu tonus e quantum, se pode ajuizar na leitura dos Lusíadas que está ali o tombo poético da Pátria Portuguesa. Sentimentos e paixões particulares para enquanto durar o mundo.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)