sábado, janeiro 18, 2020

JornaL, de a a z

Bernardino Soares. Casa nobre quinhentista, na Póvoa de Santa Iria, conhecida como Palácio Valflores, há muito em ruínas, está a ser recuperada por uma equipa de arqueólogos, arquitectos e engenheiros. Casa de recreio mandada construir em 1550 por Jorge de Barros, feitor de D. João III na Flandres. Não vai ser um hotel, diz a Câmara de Loures, dona do imóvel.

Escumalha. Frederico Varandas, presidente do Sporting, chama escumalha à escumalha. Para sempre a minha consideração.

Joacine. A gritaria não lhe fica bem, por razão que tenha, e sei que tem alguma. Joacine vende, por isso a imprensa trata de alimentar uma telenovela com notícias enganosas. Uma moção assinada por cinco pessoas em dezanove moções, que considera essa possibilidade não significa que "Livre quer expulsar Joacine", como li e vi esta semana.

Rio vai em frente tens aqui a tua gente. Não era bem isto que queria dizer, mas serve.

Racismo. Lamento desapontar, mas onde vivo não há racismo. E onde vivo eu, perguntais? No Cobre, uma velha aldeia saloia a pouco mais dum quilómetro do centro de Cascais, que de aldeia só tem vestígios, engolida pela cidade que prefere ser vila. Vejo casais mistos; uma das pastelarias que frequento é propriedade de uma senhora negra, com os seus empregados branquíssimos da fonseca e mestiços também. Aliás poderia acrescentar que onde trabalho, na vila de Sintra, também não há racismo. Testemunho-o todos os dias no restaurante onde vou almoçar, com empregados de todas asa cores. Há outra coisa naquela linha: medo de gangues (com as questões sociais conexas que sabemos). Sempre tive a noção de que o nosso racismo é classista; o resto é fantasia e aggionamento parolo. Claro que só estou a referir-me aos africanos, não aos ciganos, história outra.

Vaticano. Olhar para o Vaticano é regressar aos tempos dos Bórgias. Notável. Apetece-me ser provocador e dizer algo do género: "quem não está com o papa Francisco é pedófilo!" Uma simpreza, mas quero lá saber...


10 comentários:

Jaime Santos disse...

Meu caro, grande parte do racismo tem motivações de classe, para com quem é pobre e é de outra etnia (ou não) e também entre os pobres de diferentes etnias. E onde há a pobreza, normalmente cresce também a exclusão social e mesmo a marginalidade. Isto é verdade com negros e é verdade com os ciganos.

Mas cabe perguntar então, porque são essas pessoas pobres, ou melhor porque o são ainda.

É muito fácil gostar-se de quem pensa como nós, ouve a mesma música, lê os mesmos livros e tem a mesma educação...

E depois, Portugal não se livrou ainda dos ressentimentos da descolonização, sobretudo da parte de quem fugiu das (ex-)colónias e perdeu tudo e infelizmente também da parte de seus filhos e netos.

Ainda no outro dia, eu que vivo no Porto e onde há bem menos negros do que na região de Lisboa, e calho de viver na parte da cidade que não é particularmente afluente (Bairro Oriental), tive que perguntar a uma senhora num café, que ao meu lado se tinha lançado numa diatribe em alto e bom som porque o PR tinha abraçado umas pessoas de cor no bairro da Jamaica, qual era o problema de se abraçar alguém?

Não há racismo onde vive? Tem sorte, se calhar é porque tem boa vizinhança...

R. disse...

Caro,
O seu primeiro parágrafo, se bem percebi, vai ao encontro do que escrevi.
Eu arriscaria dizer que essas pessoas são pobres (essas e as outras de pele clara) porque vivem num país pobre para padrões europeus e porque não foram municiados com o que retira as pessoas da pobreza, que é a sua escolaridade. Como sabe, talvez melhor que eu, quem vem da pobreza tem mais dificuldade em elevar-se dela do que cresce na classe média: há todo um universo de referências que uns têm e outros não.

Quanto aos ressentidos da Descolonização, o seu ódio está virado para as elites, creio que não entram neste problema, pelo menos do que eu conheço -- todos nós temos "retornados" na família, creio.

A questão que me põe da Jamaica, não tendo presenciado, parece-me encaixar-se perfeitamente no que escrevi: a malandragem que vive do rendimento mínimo e outras considerações do género.

Pois, se calhar tenho, mas olhe que é reconfortante. Também conheço um caso desse racismo digamos classista -- uma popular que aliás muito considero, trabalhadora esforçada e educada, com esse discurso epidérmico contra os que vivem do rsi, os 'pretos' e os 'ciganos' que apanhou com duas netas mestiças, que cuida com desvelo. É a vida, como diria o outro...

Jaime Santos disse...

Quanto ao seu primeiro parágrafo, resta explicar, como bem diz, por que razão, se estas pessoas vivem num País pobre, estão ainda entre os mais pobres entre os pobres. Seguramente a falta de escolaridade é uma das razões, o ambiente familiar será outra, mas atrevo-me a dizer que a discriminação será ainda outra...

Relativamente aos ressentidos da descolonização, o ódio está virado para as elites, mas também para os africanos que eles consideram como iguais a quem lhes terá feito mal (com razão ou sem ela). E fazer juízos de carácter com base na cor da pele é racismo.

Vejamos, como eu costumo dizer, fomos colonizados por celtas, romanos, mouros (berberes) e no auge da idade das Descobertas, uma percentagem considerável da população de Lisboa era negra (escrava, lembro-me de um texto do Clenardo que criticava a sua presença) ou judia.

Somos um povo bastante bastardo e onde o racismo é uma atitude ridícula, para além de vil, claro.

O que não quer dizer que não exista e se resuma à atitude dessa senhora (conheci quem tinha educação e era francamente racista). Depois, como esse exemplo também mostra, vale a pena lembrar que se pode perfeitamente amar profundamente quem não se respeita (embora seja um amor incompleto e por vezes doentio e até perigoso), pelo que a miscigenação não é nenhum antídoto contra o racismo...

R. disse...

Não tenho francamente essa percepção. Também conheço racismo entre gente supostamente ilustrada -- mas também o que conheço é escória, com ilustração, por isso não serve de exemplo.

Somos maravilhosamente miscigenados: eu cá tenho de tudo, graças a deus: de celta ao negro: e até suspeito que possa haver ciganos, mas é só uma suspeita. Devenos ser o povo mais misturado da Europa, mas lá está, sendo o racismo predominantemente classista, como me parece, é como diz.

Jaime Santos disse...

Educação formal é educação formal, meu caro, o carácter nada tem que ver com isso. Ou melhor, quem tem educação deveria ter mais responsabilidades em relação àquilo que lhe sai da boca, supostamente terá mais instrumentos para fazer tal juízo.

Mas é porventura mais fácil até encontrar sentido de Justiça entre as pessoas simples que entre as ilustradas.

Aposto que o Doutor Ventura, contrariamente à maioria dos Portugueses, não tem familiares lá fora a lutar pela vida... Eu, como vivi 13 anos no Estrangeiro (era um imigrante razoavelmente privilegiado, mas um imigrante ainda assim e que sentiu por vezes que o racismo entre brancos é uma realidade presente, mesmo que bem menos séria que o racismo em relação às pessoas de cor) e como uma boa parte da minha família ainda vive na Suíça, França, Reino-Unido e Brasil (neste último caso há umas 4 gerações), estaria a ser hipócrita e depois estúpido se tomasse tais posições... Além de vil, claro...

Era capaz de não ser má ideia lembrar isto a quem se dispõe a votar no Sr. Doutor, porque ele diz aquilo que essas pessoas pensam. A mim ensinaram-me que quem diz tudo o que pensa é, para começar, mal-educado :-) ...

R. disse...

O pior (ou o melhor) é que ele não pensa aquilo. Ele pensa o que for preciso...

Jaime Santos disse...

Sei lá o que ele pensa, não leio mentes, nem me interessa :-).

O que o meu caro quer certamente dizer é que ele diz o que é preciso, o que faz dele (como de Trump) o pior de todos os racistas.

Um racista por convicção pode, porventura (mas não certamente por Ventura ;-) ), ser convencido a mudar de opinião graças a argumentos ou a factos (como ter-se uma neta de cor, talvez).

Um oportunista é um pedaço de escória sem carácter que só pensa em si próprio. Diz-se que Eichmann era mais fanático do que procurou parecer no seu julgamento, em que fez a figura do carreirista que na verdade não era má pessoa, o que levou Arendt a cunhar o termo 'banalidade do mal' para o descrever.

Se era realmente um fanático talvez merecesse, apesar de tudo, um bocadinho mais de respeito do que mereceria se fosse completamente banal, muito embora, a ter sido verdade a primeira hipótese, tal teatro revele então a cobardia de quem não assume convicções e responsabilidades para salvar a pele.

É que se calhar o mal banal é mesmo o pior de todos, não tem sequer a desculpa da cegueira da paixão ou do ódio e mais, serve de perfeita alavanca a todos os fanatismos...

A pura venalidade denota a ausência completa de consciência moral, como bem notou Arendt, aliás...

R. disse...

Caríssimo,

para mim, é sempre útil ver o que está por detrás das palavras. Raramente elas têm o seu valor facial, tirando os casos dos muito sérios e dos muito estúpidos.

Pois, não sei o que é pior. Talvez concorde consigo quanto ao que é pior; sendo que aquilo a que chama racismo 'por convicção' é resultado de um atavismo que se manifesta quase epidermicamente. E isso só se trata com a convivência (e a educação), creio eu. Depois há esse racismo mais raro, ideologicamente demente, pseudoelaborado, de que o nazismo é o caso mais patológico. A isso só se responde com reclusão compulsiva e tendencialmente perpétua, uma vez que a civilização impede o seu extermínio a lança-chamas, que seria a melhor forma de os respeitar. Sonhos… devaneios… :)

Sim, o oportunismo é uma gangrena. Conheço casos completamente amorais e destrutivos. O único consolo é que é gente que vive de enganar toda a gente, e, como se sabe pode enganar-se muita gente por muito tempo, mas não toda a gente o tempo todo. O problema é que têm de viver muito para alguma vez virem a ser desmascarados.

Jaime Santos disse...

Bem observado. Reconheço que há evidentemente todo um grau de diferença entre o racismo 'epidérmico' e o racismo ideologicamente elaborado, que refere acima. O primeiro é mais comum entre quem tem pouca formação, o segundo só aparece em gente supostamente mais ilustrada.

Mas a origem de ambos é a mesma, parece-me, sendo que o segundo resulta da tentativa de se racionalizar o primeiro, o que requer sempre alguma formação. Sou suficientemente otimista para pensar que mesmo este último é passível de tratamento (em alguns casos).

Já não sou tão otimista relativamente à possibilidade de se desmascarar um oportunista ou de se derrotar um fanático em tempo útil.

Diz-se amiúde que o fascistas não se preocupam com a lógica dos seus argumentos ou com a verdade dos factos, porque o fascismo é a pura vitória da vontade sobre a razão, a lembrar o 'onde há uma vontade, há um caminho', citado noutras bandas ideológicas, que é naturalmente uma boutade otimista e tonta, ele há mesmo problemas sem solução.

Ora, eu, racionalista que sou, acredito que a razão prevalece sempre. Nem que seja sobre ruínas. O problema é que muitas vezes é mesmo sobre ruínas, sejam as literais como no caso limite do nazismo, sejam as vidas destruídas pelas acções de oportunistas ou de fanáticos...

Moralmente, sou capaz, como disse, de dar um desconto um pouco maior aos fanáticos. O ódio ou a paixão cegam. Diz-se aliás que todos poderíamos cometer um assassínio num momento de cegueira. Já o concupiscente mantém sempre os olhos bem abertos.

O tratamento reservado a uns e a outros deve, muito naturalmente, ser o mesmo. Punem-se os atos sobretudo pela sua gravidade e não pela motivação, embora esta também possa contar aos olhos da Lei...

R. disse...

De acordo quanto às ruínas. por vezes os estragos são tantos que não há justiça que ressarça...