quarta-feira, novembro 22, 2017

no LEFFest #10

Crash, de David Cronenberg (Canadá, 1996). «Simpósio internacional -- Pode a arte ser ainda subversiva?» A pergunta é irritante e tonta: não há arte sem subversão; e neste filme de Cronenberg a subversão não está, quanto a mim, na sexualidade, digamos, desviante, ou coisa que o valha (acho que nem há 21 anos, tantos quanto leva o filme), mas na reificação do sexo, um dos aspectos da coisificação do ser humano -- fenómeno que diariamente nos tenta fecundar com cinco letras. A arte é indissociável da libertação individual, de quem a pratica, executando-a e de quem a recria, usufruindo-a (ou de quem a usufrui, recriando-a). Nesse sentido é sempre subversiva. Não o sendo, não é arte, mas espertalhice, publicidade, entretenimento para televisões, mercados de arte, desfiles de moda, e até, porventura, festivais de cinema.  

5 comentários:

Jaime Santos disse...

Lembro-me de ter ficado chocado por um filme que era pornográfico, mas nada tinha de erótico. E chocado precisamente pela representação crua dessa coisificação do ser humano de que fala, no sentido da sua quase integração com a máquina.

Não sei se devo ver alguma coisa nesta obra que talvez nunca tenha passado pela cabeça do seu autor (ou talvez o que faça uma grande obra seja precisamente a sua capacidade de vermos nela o que queremos), mas ela lembra-me a famosa passagem dos 'Fundamentos' de Marx, o fragmento sobre as máquinas, em que o filósofo olha para o próprio sistema capitalista como algo que transforma os seres humanos em meras engrenagens constituintes do próprio sistema, uma espécie de gigantesca máquina ao serviço não dos capitalistas mas de si própria...

R. disse...

Eu creio que isso esteve na cabeça do Conenberg, e porventura do prórpio J. G. Ballard, mas não li o livro. De qualquer modo, o filme não é pornográfico, e o seu erotismo é gélido, o que para uns quantos, acaba por anular o efeito, por muita curva e cinto de ligas. Mas o Cronenberg não devia ter bem em mente excitar o pessoal.

Jaime Santos disse...

Chamo-lhe pornográfico pela exibição explícita e crua da violência e da carne (a cena do suicídio da personagem interpretada por Elias Koteas chocando de cima num autocarro é absolutamente aterradora), não tanto pelo sexo. Mas tem razão, há ainda assim um erotismo gélido que perpassa pelo filme.

Quanto à obra o Ballard, também não li...

P.S. Assino por baixo o que diz sobre Rui Moreira :-) . Deus nos livre de alguém assim vir a liderar a Direita...

R. disse...

Creio que uma boa definição de pornografia, em sentido estrito, será a exibição dos órgãos genitais humanos em relações, sem outro objectivo que não esse. Poderemos alargar o conceito para tudo o que seja exibição 'gratuita' de determinadas práticas ou comportamentos, com o objectivo de estimular o voyeurismo, sem outra intenção que não retirar daí ganhos. Por isso é que não se aplica a classificação ao filme do Cronenberg.
Quanto a Moreira, também acho...

Jaime Santos disse...

Sim, nesse sentido estrito, o filme não é pornográfico. Mas na exibição quase gratuita da violência e da desfiguração do corpo acho que é, mas não é caso único entre a filmografia de Cronenberg, note-se. Não tenho nada contra isso, como não tenho nada contra a pornografia do costume, só que passado algum tempo, ela aborrece...