domingo, novembro 02, 2014

crónica da crise de '29

John Kenneth Galbraith, A Crise Económica de 1929 -- Anatomia de uma Catástrofe Financeira (1954). Crónica do crash bolsista de 1929, que levaria à Grande Depressão, com efeitos devastadores, dento e fora dos Estados Unidos.
Galbraith, que era um académico e um economista sagaz, procedeu a um levantamento historiográfico com o à-vontade dum bom narrador, ainda por cima provido de humor -- o que, num tema árido como este, é feito de monta (não foi em vão que John Kenneth Galbraith se deixou tentar pela ficção).
A mentalidade do especulador é esta: fazer muito dinheiro com pouco trabalho e no mais curto espaço de tempo possível. A ideia  de que "dinheiro gera dinheiro" serviu em cheio este espírito ganancioso, que uns criativos trataram de explorar em todas as suas potencialidades. Existe um bem que se valoriza tanto mais quanto a procura é maior -- é a lei da oferta e da procura, como se sabe. Simples, mas não chega: a esta mecânica elementar, acrescenta-se artificialmente valor, atribuído das formas mais variadas, de tal maneira que deixariam zonzo qualquer aldrabão de feira. Um parágrafo, como exemplo:
«Na alta da Florida o negócio [sobre terrenos para a especulação imobiliária] fazia-se através do pagamento de um sinal. Não eram os próprios terrenos que se transaccionavam, mas o direito de os comprar a determinado preço. Este direito de compra -- que se obtinha através do pagamento de 10% do valor de transacção -- podia ser vendido. Deste modo, os especuladores beneficiavam integralmente das valorizações. Verificada a valorização, o especulador podia revender o "sinal" por uma importância igual à soma do que tinha pago com a valorização.» (pp. 60-61) Escusado será dizer que, com a febre especulativa, a valorização era constante e permanente -- pelo menos até ao estoiro, algo que estava fora das cogitações dos compradores & revendedores.
Para um leigo como eu, estes episódios fazem lembrar as habilidades do subprime, já  neste século. E, interessante, há até protagonistas que se repetem: a Goldman Sachs, que esteve no olho do furação em 29. 
Estas aldrabices da criação de valor sem base de sustentação na economia real continua a ser galhardamente ensinada nas business schoolls por esse mundo fora, de Lisboa a, provavelmente, Ulan Bator, com as miseráveis consequências que se conhecem. Que os mercados, na sua desregulação, sejam entidades insusceptíveis de controlo (ou de se deixarem controlar), é algo com que convivem bem. Quem vier atrás, que feche a porta. Em caso de agitação, há sempre governantes inoperantes e gurus do mundo académico e da imprensa económica bovinamente deslumbrados com as maravilhas da finança, ou, talvez mais comum, generosamente estipendiados para papaguearem aquilo que os argentários pretendem que se veicule.
Livro pormenorizado e cuidadoso, cheio de informação publicado pela primeira vez em 1954, é um bom exercício sobre a cupidez, revelando a lamentável fragilidade humana, sempre a morder os iscos lançados pelos mais vivaços.  

4 comentários:

Carla disse...

Interessante.
Eu, que sou leiguíssima no assunto, gostava de o ler. A ver se o desencanto na Biblioteca Municipal, da próxima vez que lá for.

Ricardo António Alves disse...

Vale a pena, sem dúvida.

Dalaiama disse...

Este, porque não tem título, não consigo partilhar no fb... :/

Ricardo António Alves disse...

Olha!, pois não tem...
Mas vai passar a ter. :|