sexta-feira, junho 14, 2013

senhor do seu métier

Júlio Dinis é enorme. Com Camilo e Eça faz parte da santíssima trindade da novelística portuguesa de oitocentos. A escrita, tão escorreita quanto cuidada; a densidade psicológica que transparece da observação fina; a aguda compreensão do seu tempo histórico; o wit que brotará (vamos pensar assim...) do sangue inglês que lhe vem de Ana Constança Potter, sua progenitora; o próprio savoir faire enquanto autor que se pré-publica nas páginas de um jornal, e que, engenhosamente, sabe aguçar a curiosidade do leitor, prendendo-o e dessa forma fidelizando-o à folha que lhe acolhe o folhetim...
Quatro romances, contos, poesia, algumas peças juvenis -- e tese do curso de Medicina à parte --, numa vida que se esgotou ainda antes de completar os 32 anos. 
Por exemplo, o notável A Morgadinha dos Canaviais (1868), que me preparo para saborear de novo, os dois viandantes encavalitados em muares numa tarde de Dezembro, «sincero e genuíno Dezembro, açoutado do sul e sem contrafeitos sorrisos de primavera», o percurso inóspito e agreste no Minho, apesar de «risonha e feracíssima província», perto já da de Trás-os-Montes, «alpestre e severa». É Henrique de Souselas, um dândi de Lisboa, espécie de Ulisses novato, em estafada e pequena odisseia pelo Norte profundo. A delícia das interpelações ao leitor sobre as vantagens e os inconvenientes das viagens, o que se antegoza e o que se sofre, e o que de novo merecerá recordação saudosa e confortante, passado um bom tempo pelos muitos incómodos que  implicava o jornadear pelos trilhos do Portugal da Regeneração, ainda (e sempre) por terminar. A reflexão sobre o benefício da descoberta que a viagem permite, a surpresa do novo e do desconhecido, contrastante com o hábito e a rotina:
«O homem positivo e frio recolhe de qualquer excursão à pátria com a carteira cheia de apontamentos; o entusiasta e poeta nem uma data regista. Viu menos, sentiu mais.»
Assim: preciso, exacto, certeiro, em duas páginas iniciais de um romance.


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