terça-feira, agosto 13, 2024

tempo de romance

«O pinhal, todo de troncos grossos, casca áspera e gretada, adormecia austeramente no silêncio da tarde primaveril. As suas pinhas dir-se-iam incopuladas ou corroídas por antídoto malthusianista, pois cá em baixo, no solo castanho e acidentado, nenhum pinheiro infante erguia para o céu os bracitos verdes.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928) § «Contavam-se histórias singulares da sua voracidade. O Carlos da Botica -- que o detestava -- costumava dizer, sempre que o via sair depois da sesta, com a face afogueada de sangue, muito enfartado: / -- Lá vai a jibóia esmoer. Um dia estoura! / Com efeito estourou, depois de uma ceia de peixe -- à hora em que defronte, na casa do dr. Godinho, que fazia anos, se polcava com alarido.» Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (1875/80) § «Homem de muitas letras, já ruço, mas ainda de bom garbo nos seus setenta anos, sãos de alma e de corpo, antes de abrir Horácio, aprazia-lhe lembrar num doce tom de iluminado: / -- Neste sítio, Libório, descansou o grande padre S. Francisco de jornada para Compostela.» Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa (1918) § «De pá ao alto, descansada no ombro, o "seu Arriques" já pensava na volta a casa, pois da sangria à recolha do bago poucas semanas iam. / -- Que rica seara! Andei-me nela que nem sombra atrás d'alma penada, mas o patrão arrinca para cima de quarenta sementes. Se os outros a pudessem comer coa inveja...» Alves Redol, Gaibéus (1939)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«-- Seria obra de dez horas e caía uma geada muito forte que sobradava os agros e metia pela terra dentro suas agulhas de gelo. No céu, adiante de cirros, ia de jornada uma lua bochechuda. E tão estanhada, que os barrocais luziam até muito para riba do povo, donde as águas manavam cantando, glau! glau! Os telhados que da portela cimeira do Brás desciam em alpendurada para a igreja figuravam, a cavalo sobre as lajes puídas, nadar em leite.»
Aquilino Ribeiro, "Terras do Demo". Romance. (1919)