terça-feira, julho 08, 2025

4 versos de Florbela Espanca

«Coveiros, só o corpo é novo, / Que há poucos anos nasceu; / Fazei-me depressa a cova / Que a minha alma morreu.» 

«Trocando Olhares», Antologia Poética

zonas de confronto

Santo Agostinho: «"Louvarão o Senhor aqueles que O buscarem." Na verdade os que O buscam, encontrá-Lo-ão e aqueles que O encontram, hão de louvá-Lo. / Que eu Vos procure, Senhor, invocando-Vos, e que Vos invoque, crendo em Vós, pois nos fostes pregado. Senhor, invoca-Vos a fé que me destes, a fé que me inspirastes por intermédio da humanidade de Vosso Filho e pelo ministério do Vosso pregador.»  Confissões (397-400) - trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina § Woody Allen: «Lembro-me perfeitamente destas coisas porque aconteceram exactamente antes daquele Inverno em que todos vivemos naquele apartamento baratíssimo no Norte da Suíça, onde, ocasionalmente, começava a chover e depois parava tão repentinamente como começara.» Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - trad. Jorge Leitão Ramos

segunda-feira, julho 07, 2025

o que está a acontecer

«Logo a seguir, o vulto de um anjo da guerra pareceu flutuar ali mesmo à sua frente, tinha asas de néon e levitava como um pirilampo em redor das lâmpadas. Através da mira da arma, é uma silhueta sem forma nem espessura que se enrola sobre si, tropeça, segura-se à escuridão para não cair  e depois salta para diante.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)

«Logo a seguir à revolução, em Abril do ano anterior, civis barbudos e soldados de cabelo comprido e camuflado em tiras vigiavam as estradas, revistavam automóveis, ou desfilavam lá em baixo, em bando, nas pracetas, comandados por um desses microfones incompreensíveis de sorteio de cegos que o marxismo-leninismo-maoismo reciclara.» António Lobo Antunes, Auto dos Danados (1985)

Peskov disse que "o Kremlin tomou nota da ameaça de Trump"

Acho sempre refrescante a Rússia responder à altura às ameaças e fanfarronices dos americanos. (aqui)

O respeitinho é muito bonito e a Rússia sabe fazer-se respeitar -- o que é essencial em face da rapacidade bandoleira daqueles bárbaros.

Portugal é outra coisa -- não pode eximir-se à Geografia, como sempre tenho dito, e tem desperdiçado o seu enorme potencial de influência internacional, começando por dar-se ao respeito. 

Um país como o nosso teria tudo para ter uma influência exponencialmente potenciada no concerto das nações. O presidente Marcelo poderia ter feito infinitamente mais e melhor, mas fez de menos e quase tudo mal ou péssimo. Os oito anos de António Costa foram catastróficos, o que não admira, dadas as características da personagem.



2 versos de José Pascoal

«Caminhar em silêncio nas planícies / Onde o vento do sul o céu liberta;» 

«O sol antes da música», Sob Este Título (2017)

zonas de conforto

José Duarte: «Oiça "cinco minutos de jazz" uma vez por dia / pelo menos» Cinco Minutos de Jazz (2000) § Vergílio Ferreira: ,,,/... «O meu "diário" está nas centenas de cartas aos amigos. Lembro as ao Lima de Freitas, L. Albuquerque, Costa Marques, Mário Sacramento, Eduardo Lourenço, alguns mais. Em todo o caso, essas mesmas, falsas. Excepto talvez quando sobre questões "sérias". E ainda aí há quase sempre um disfarce ou o tempero do gracejo.» .../... Conta-Corrente 1 (1969-1976) (1980) § Fialho de Almeida: «Nobres e antigas linhagens, esquecidas entre os homens, ocupam cargos eminentes no reino vegetal, ou são pedras preciosas entre os mineiros contemporâneos. Assim, que poeta não sabe de flores que se aproveitam do beijo que lhes damos para nos dizerem de manso aquele segredo que a nossa amante levara para a cova, e só ela sabia, ela somente...» O País das Uvas (1893) - «Pelos campos» § José Régio: «Já através das vidraças, no comboio, ela entrevira estações semelhantes, com um edifício pobre, esfumado na noite, e em que mal desciam dois ou três passageiros ao grito rouco, melancólico, atirado por um empregado que passava sacudindo a sua lanterna: / -- Chança! / -- Mata! / -- Crato!» Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941) § Frei João Álvares aos monges do Paço de Sousa (24-XII-1467) .../... «E, posto que eu tivesse grande aso, ajuda e favor pera fazer todo bem pera serviço de Deus e da ordem, no tempo em que bispava aquele bom bispo e católico sacerdote e honesto D. Luís, que me fez seu vigairo e visitador dos moesteiros de seu bispado, bem sabeis como vos unistes e viestes contra mim todolos da ordem, por me torvardes que nom visitasse, murmurando do bispo e de mim e assacando-nos muitos testemunhos falsos, dos quais prouve a Deus de nos livrar, e quis por sua misericórdia renovar per mim, indigno seu servo, alguãs cousas boas e honestas da monástica e regular disciplina, as quais eram já envelhecidas e lançadas do uso e fora de memória de todos vós outros.» .../... in Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal (1965) § Machado de Assis: «Algumas notas chegaram a ligar-se; ele escreveu-as; obra de uma folha de papel, não mais. Teimou no dia seguinte, dez dias depois, vinte vezes durante o tempo de casado. Quando a mulher morreu, ele releu essas primeiras notas conjugais, e ficou ainda mais triste, por não ter conseguido fixar no papel a sensação de felicidade extinta.» Histórias sem Data (1884) -- «Cantiga de esponsais» 

domingo, julho 06, 2025

Cannonball Adderley, «West Coast Blues»

o que está a acontecer

«Na segunda quarta-feira de Setembro de mil novecentos e setenta e cinco, comecei a trabalhar às nove e dez. Lembro-me não por ter uma memória por aí além ou escrever o que me acontece num diário (nunca me interessaram diários ou poemas ou patetices dessas) mas porque foi o meu último dia de consultório antes de fugirmos para Espanha.»  António Lobo AntunesAuto dos Danados (1985)

«1. "Quem vem lá?, Bradou ele na direcção dos passos que chapinhavam do outro lado da morte. Do lado de lá da morte havia apenas uma sebe de bambus já mortos no escuro, e uma espécie de tumor na sombra fazia supor que uma enorme cabeça degolada andava à solta na noite.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)

«GONÇALO E ANTÓNIO  - Meu pai dizia-me que da janela da repartição onde trabalhava se via o mar... / -- Que fazia teu pai? / -- Que fazia meu pai? Não fazia nada, era oficial da marinha. Entrava na repartição às 10 e saía às 6... Lá o que ele fazia na repartição não sei... Preenchia papelada ou sonhava com navios... sei lá...  talvez olhasse para o mar através da janela... Quando chegava a casa lia o jornal, fazia as palavras cruzadas e ia para a cama. Era oficial da marinha, digo-te eu...» Luís de Sttau Monteiro, Angústia para o Jantar (1961) 

«Mercy Street» (Ekaterina Yashnikova)

sexta-feira, julho 04, 2025

Yehudi Menuhin/Sir Adrian Boult, Concerto para violino #1 (Max Bruch)

5 versos de Fernando Grade

«Se fosse ainda meu o receio nocturno de / partir lanternas, ser jovem bom e nu / entre pinhais, ter o pólen sempre em flecha / para a única rapariga, a vida teria sido um navio / de sonatas, mar bruxo à espera de Setembro.» 

«Como pulsos de cão castrado», O Livro do Cão (1991)

quinta-feira, julho 03, 2025

2 versos de Arnaldo Santos

«Passa um camião onde vozes cantam. / São homens que voltam.» 

«Regresso», Fuga (1960)

quarta-feira, julho 02, 2025

Django Reinhardt, «Confessin’ (That I Love You)»

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«O apego à pequena luz do teu riso / salva-me o dia.» 

Nascente da Sede (2000)

terça-feira, julho 01, 2025

1 verso de Fernando Namora

 «As terras envelhecem como as pessoas.» 

«Erosão», Marketing (1969)

zonas de confronto

«"Queres vir ao bosque do Turó del Mig?" Tu concordaste com a excursão. Pelo caminho falava-te de duendes e de fadas. Disseste-me como era eu. Como começava a amar-te, acreditei. Subimos de gatas por um caminho de cabras... Gritei: "Chegámos". Estivemos a olhar um para o outro um bom bocado.» Félix Cucurrull, Antologia do Conto Moderno -- «Carta de despedida» -- trad. Manuel de Seabra § «O atelier  de Picasso era muito diferente do de Matisse neste ponto: enquanto o de Picasso estava todo sujo, Matisse tinha sempre tudo arrumado. Singularmente, o inverso é que era verdade. Naquele ano, em Setembro, Matisse recebeu uma encomenda para pintar uma alegoria, mas, com a doença da mulher, acabou por não a pintar, sendo por fim substituído por papel de parede.» Woody Allen, Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - «Memórias dos Anos Vinte»  § «Pisaram-no e amassaram-lhe o nariz. / Na cela há cinco polícias e um preso e os polícias sabem que o obrigarão a falar. // No céu distante entremostra-se a Lua, branca e inocente, para desaparecer de seguida, sabendo que não faz falta.» Michael Gold -- Para a Frente América... - «Cárcere», trad. Manuel do Nascimento § «Mas quem é que Vos invoca se antes Vos não conhece? Esse, na sua ignorância, corre perigo de invocar a outrem -- Ou porventura, não sois antes invocado para depois serdes conhecido? "Mas como invocarão Aquele em quem não acreditaram? Ou como hão-de acreditar, sem alguém que lhes pregue?"» Santo Agostinho, Confissões (397-400) - trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina § «E quando eu era ainda um menino de oito anos, atribuíram ao meu pai certas sangrias mal feitas, nos sacos dos que vinham ali moer, pelo que foi preso, e confessou em vez de negar, e sofreu uma pena por justiça. Espero em Deus que esteja em glória, pois aos do género dele o Evangelho chama bem-aventurados.» Anónimo, Lazarilho de Tormes (1554) - trad. Ricardo Alberty

segunda-feira, junho 30, 2025

King Oliver's Creole Jazz Band, feat. Louis Armstrong, «Alligator Hop»

se fosse húngaro, provavelmente também teria marchado (ou, melhor dito, desfilado)

Para muitos serei um homofóbico, qualificativo em que não me reconheço, pois sendo a homossexualidade uma característica que caracteriza uma pequena parte da humanidade (li há anos, algures, que rondará os 6% da população), como não há seres humanos de primeira nem de segunda, e qualquer um poderá ter essa tendência congénita, toda a liberdade e toda a tranquilidade deve ser reconhecida a esse grupo significativo de pessoas;

Embora deteste a subcultura gay extravasada pelo kitsch, não me passa pela cabeça proibir as suas manifestações organizadas, desde que públicas e reconhecidas;

Conheço as origens do pride (um massacre ocorrido nos Estados Unidos na década de 1970) e a necessidade legítima de levantamento da comunidade homossexual pelos seu legítimos direito a existir livremente e em paz;

Posto isto, estou completamente de acordo com Orbán e Putin quando limitam a inculcação da homossexualidade nas escolas, através de programas manhosos; entre outras coisas vejo-o como um abuso e um atentado à autodeterminação sexual dos jovens; uma coisa é a abordagem científica curricular da sexualidade humana em cadeiras como a Biologia e afins; outra é circo activista;

No entanto, se fosse húngaro, teria muito provavelmente estado na manifestação de ontem, em que participaram milhares de manifestantes que não eram certamente activistas do lóbi gay, antes cidadãos que não aceitam o abuso de poder por parte do Estado;

Podemos ter todas as reservas, e até aversão relativamente a certas manifestações deste grupo de pessoas -- eu, que detesto carnavais e réveillons certamente tenho --; mas não me passa pela cabeça autorizar que um governo, qualquer que ele seja, se arrogue o direito de limitar a liberdade individual e o direito de manifestação, sob falsos pretextos, como o da "defesa das crianças". Não é assim que se defende o princípio da livre e informada educação.

Qualquer governo que procure limitar a liberdade individual que não interfira com a liberdade de outro indivíduo torna-se ilegítimo e deve ser derrubado. (Note-se, porém, que me refiro estritamente à liberdade individual; quanto a organizações, o Estado já deve dispor do dever de avaliar caso a caso.)

Por isso, em princípio, se fosse húngaro teria desfilado ontem.

2 versos de Dick Hard

 «Comer-lhes a rata / não é de bom Tom»

«Tom e Jerry», De Boas Erecções Está o Inferno Cheio

domingo, junho 29, 2025

o que está a acontecer

«Os outros já desesperavam inquietos. Queriam partir quanto antes, não fossem presos ali mesmo. Já o Tarolho lhe pedira que se fizessem à vela. Logo dois partidos: um que se esperasse mais um pouco, outro, insofrido, que se largasse imediatamente. E tanto praguejaram e berraram, que temeu pela empresa.» Joaquim Lagoeiro, Viúvas de Vivos (1947)

«Entretidos na conversa, não se lhes dava da paisagem nem da vista ampla que dalguns pontos da estrada se enxergava, afeitos já àquele caminho que ela diàriamente trilhava e que ele, se não diàriamente, pelo menos frequentes vezes percorria. Alheios ao mundo em redor, não se transmitiam confidências mas partilhavam da mesma apreensão.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

«Mas não tardou que argoladas fortes soassem à porta e Jesuíno, em tamancos, as calças presas no abdómen por um negalho, camisa de estopa deixando espreitar pelos bofes a pelúcia de cerdo à mistura com o alcobaça vermelho, cigarro nos beiços, toda a sua pachorra eclesiástica mais rabugenta que cão dormido, foi ver. / Era a Feliciana, e enfadado rosnou: / -- Diabos te carreguem... esqueces sempre a chave!» Aquilino Ribeiro, Andam Faunos pelos Bosques (1926)

sexta-feira, junho 27, 2025

Portugal diante dos crimes israelitas na Cisjordânia (limpeza étnica, colonatos ilegais) e em Gaza (infanticídio, geronticídio, genocídio): melhor, mas insuficiente

 Aqui.

Entretanto, 72 pessoas abatidas 72 quando iam à procura de ajuda. 

A Europa é uma puta velha  e porca, fingindo preocupar-se com os parques infantis de Kiev e com as crianças deportadas do Donbass. 

Em tempo: parace que foram 'só' 21. É igual. 

1 verso de Alberto de Lacerda

«ver-te é ver finalmente;» 

«Ver-te», 77 Poemas (1955)

quinta-feira, junho 26, 2025

Peter Gabriel, «Darkness»

serviço público - Miguel Sousa Tavares: "Vamos gastar dinheiro que não temos a comprar armas de que não precisamos para uma ameaça que não existe"

algumas observações: 

1) não digam a ninguém, mas vê-se logo que Miguel Sousa Tavares é comunista;

2) vou pedir à Bolota, a minha cadela, que explique ao pivô o que realmente é a guerra da Ucrânia;

3) não é só o Rutte que não se importa de fazer figura de estúpido, nem a maioria dos jornalistas e comentadores de aviário: embora ninguém consiga ultrapassar a sabujice de António Costa & seus rapazes, também Montenegro junta a voz ao coro dos indigentes dos governantes da UE, muito naquela base de enquanto o pau vai e vem, etc.;

4) o que a Espanha  tem de melhor, não é o Sánchez, essa enguia, mas uma Yolanda Díaz.

Ver aqui.

(O que diz a seguir sobre o "problema" da imigração, também vale muito a pena)


4 versos de Armando Taborda

«o incerto / é o mais concreto / porto // onde chegar.» 

Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1996)

quarta-feira, junho 25, 2025

o que está a acontecer

«Tarde de infinita benignidade -- era nas vésperas de Nossa Senhora de Maio, quando ela, de andor ao céu aberto avista tudo verde em redondo -- ali apetecia gozá-la com cristianíssimo ripanço ao passo moroso da digestão. Mas não tardou que argoladas fortes soassem à porta e Jesuíno, em tamancos, as calças presas no abdómen por um negalho, camisa de estopa deixando espreitar pelos bofes a pelúcia de cerdo à mistura com o alcobaça vermelho, cigarro nos beiços, toda a sua pachorra eclesiástica mais rabugenta que cão dormido, foi ver.» Aquilino Ribeiro, Andam Faunos pelos Bosques (1926)

«Seguiam sem pressaum pouco vergados pelas próprias figuras, olhando mais o piso da estrada do que os amplos horizontes à sua volta. Grave preocupação os prendia, diferente das que lhes atribuiria quem por noivos enleados erradamente os tomasse. Onde já iam na vida de uma os tempos de noivado, quando viriam na vida do outro que a seu lado caminhava, respeitoso, preso talvez do encanto daquele convívio, mas incapaz sequer de ousar exprimir essa prisão!?» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

«Os companheiros, impacientes por largar, mas faltava um, o Inácio. Talvez se tivesse aquecido demais nalguma taberna, para ganhar coragem para a grande aventura, e, agora as pernas lhe vergassem, e a vista turva também o não ajudasse no caminho. E se o fosse procurar?» Joaquim Lagoeiro, Viúvas de Vivos (1947)

5 versos de Fernando Grade

«o sol pastoril muda de rosto, / os vinhedos voam como traineiras, / e o cão aparece, ao centro do mapa, / já curado por um chá materno de uvas / e trovões.» 

«Brinde à saúde do cão», O Livro do Cão (1991)

terça-feira, junho 24, 2025

David Benoit, «Linus and Lucy»

4 versos de Vítor Oliveira Jorge

«há quanto tempo para te encontrar / escarvo violentamente neste papel / tentando esculpir para lá dele / teu corpo verdadeiro» 

Sem Outra Protecção Contra a Noite (1980)

segunda-feira, junho 23, 2025

Putin e o Duque de Alba

Depois dos ingleses, os portugueses são o povo europeu que mais defende a continuação do "apoio à Ucrânia"; mas o mais divertido é que, logo após a Polónia -- que tem a história que se sabe --, os bons dos nossos compatriotas são, com os romenos, os que mais temem uma invasão da Rússia. Mais, por exemplo, do que a Estónia -- que também tem a história que se conhece... Mas há paciência para esta gente?; a caminho dos novecentos anos de história e sai isto?...

Mas talvez eu não esteja a ver bem; talvez Putin, que anda a marcar passo há mais de três anos no Donbass, envie uma esquadra do Árctico, passe o Báltico e o Mar do Norte e desembarque num lajedo ao pé da Guia, onde, em 1580, o Duque de Alba fez o mesmo, tomando Cascais, executando o governador, D. Diogo de Meneses, só parando em Alcântara, onde o rei D. António lhe deu combate, mas foi derrotado.

Dever ser isso: do muito que lêem e meditam, sai-lhes, aos nossos portugueses, esta sofisticação, quando deles só esperamos raciocínio em modo de espasmo intestinal.

2 versos de Mário Máximo

«Entre uma estação e outra da nossa vida / alguém utilizamos como transporte.» 

«Como transportes públicos», Um Milhão de Anos (1986)

domingo, junho 22, 2025

quem tem poder, exerce-o

Mutatis mutandis foi o que se passou na Ucrânia e agora no Irão. A Rússia violou o Direito Internacional, reagindo à golpada de 2014 em Kiev, manobrada pelos Estados Unidos; estes atacaram ontem o Irão, livrando de piores lençóis aquilo que o saudoso Carlos Matos Gomes classificou como o 51.º estado norte-americano, ou seja, Israel.

Isto deixaria embaraçados uma boa parte de comentadores -- arregimentados uns; ignorantes ou outros -- e políticos imbecis, como boa parte cá do burgo, quando dizem que a Rússia não foi atacada (de facto não o foi, convencionalmente), como os Estados Unidos não o foram pelo Irão -- não contando, obviamente com o seu proxy (ou 51.º estado, se preferirem).

Nunca mais me esquecerei de um pateta de um doutorado da treta que, querendo rebater o major-general Agostinho Costa arengava: "Estava a Ucrânia posta em sossego, quando a Rússia atacou" -- etc. É preciso ser-se muito estúpido e totalmente vesgo relativamente às matérias em que se é "especialista". Vai ser divertido ouvir esta e outras luminárias a propósito do que se está a passar.

Quanto a isto -- independentemente de todos os desenvolvimentos cogitáveis do processo em curso --, parece-me que a Rússia passou a estar muito mais à vontade na Ucrânia para abocanhar o que falta das suas regiões históricas. Quanto à velha Formosa, província rebelde da China, esperemos que a sabedoria milenar daquela gente consiga resolver a questão de forma pacífica -- se os americanos deixarem...

«Spike Island» (Pulp)

como disse Agostinho Costa, os EUA atacaram o Irão em dois dias

Foi na quinta-feira à noite, diante de uma incompetente malcriada, que há três anos vem com conversa de meia-tigela sobre a guerra na Ucrânia, para não falar do burrico de turno que faz o papel de jornalista.

Priva, aliás, de que Israel estava (está?) à rasca, caso contrário não precisariam que os americanos viessem em seu socorro.

Vejamos o que se segue no jogo de sombras da diplomacia e na acção dos serviços secretos de todas as partes.

(Estava a ouvir em directo Carlos Branco na cnn-Portugal, e agora, na RTP3,  dois jornalistas a sério: Miguel Szymansky e José Manuel Rosendo.)

sábado, junho 21, 2025

o que está a acontecer

«Prelúdio - O caminho da torre Pela estrada plana, que, bordejando as baterias do campo entrincheirado, liga a fortaleza de S. Julião da Barra à estação de Oeiras, seguiam naquela tarde outonal de Novembro de 35 dois vultos,  que, a distância, semelhavam, pela gentileza do garbo e interesse na conversação, par de noivos que, desejando-se solitário, houvesse buscado caminho pouco frequentado para seu passeio e íntimas confissões.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

«I- Rubicundo, pesadão de farto, o estômago bem lastrado com lombo de vinha-de-alhos, padre Jesuíno saiu a espairecer para a varanda que a aragem da serra brandamente refrescava. Manjericos e craveiros floriam dentro de velhos potes, e tão abertos, tão medrados, que do mainel transbordava para casa e sobre o pátio uma onda álacre de primavera.» Aquilino Ribeiro, Andam Faunos pelos Bosques (1926)

«E fiz este assento, que assinei -- Filipe Moreira Dias. // À margem esquerda deste assento está escrito: // Foi para a Índia em 17 de Março, de 1807. // Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o degredo de um moço de dezoito anos lhe há-de fazer dó.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

Bruce Springsteen, «Crush on You»

sexta-feira, junho 20, 2025

2 versos de Fernando Namora

 «Palavras foram o vinho / de uma sede inventada.» 

 «Palavras», Marketing (1969)

quinta-feira, junho 19, 2025

Bobby Timmons, «You're Blasé / Bewitched»

zonas de conforto

José Régio: «Uma luz vermelhentada tosquenejava triste no escuro; e dir-se-ia que ninguém mais saíra nessa estação deserta e lúgubre, perdida em distâncias que a Rosa Maria nem pareciam Portugal.» Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941) § Augusto Casimiro:  «Que o Amor da tua terra seja o Amor de toda a Terra, resumido mas purificado para realizar-se melhor.» O Livro dos Cavaleiros (1922) § Fialho de Almeida: «Pois estas analogias tão nebulosamente poéticas, este ar de família que as coisas brutas conservam das coisas vivas, não as pensem casuais ou fantasiosas: está provado que resultam duma ascendência logicamente propulsionada, com sua biografia, sua evolução, caracteres herdados, e mais ainda, vícios transmitidos.» O País das Uvas (1893) - «Pelos campos» § António de Cértima: «No entanto, no nosso espírito não deixa de tomar forma a ideia de que o verdadeiro Paris não vive aqui, apegado aos substratos das margens do Sena, mas sim espalhado por continentes e nações na pessoa de todos os artistas, de todos os intelectuais e de todos os sábios que se têm alimentado da sua cultura e das claridades do seu génio. / Paris, uma cidade? Não, uma expressão espiritual do orbe.» Doce França (1963) § Frei João Álvares aos monges do Paço de Sousa (24-XII-1467): .../... «E mal pecado, porque somos em tal ponto que os nossos rectores e os que nos hão-de governar mais atendem a nos trosquiar que nos aproveitar.» .../... in Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal (1965) § Machado de Assis: «Como um pássaro que acaba de ser preso, e forceja por transpor as paredes da gaiola, abaixo, acima, impaciente, aterrado, assim batia a inspiração do nosso músico, encerrada nele sem poder sair, sem achar uma porta, nada.» Histórias sem Data (1884) - «Cantiga de esponsais»

o que está a acontecer

«I-I - Quem, de longe, remire Alfamar, cada renque horizontal das suas casas brancas como a escalar os dois regaços do cerro intonso e altaneiro  que um castelo de traça mourisca ainda hoje simula proteger -- ajuizará sobre o desafogo de vistas dessa vila algarvia, a várzea, que ostenta à ilharga, engalanada com a vegetação das hortas bem cultivadas e sortidas.» Assis Esperança, Pão Incerto (1964)

«1. Empurrados do interior, os povos buscavam o litoral na esperança de uma mandioquinha, de um caldinho de peixe, de um cana para chupar, ou de folhas verdes para mastigar. Qualquer coisa que lhes desse, ao menos, a ilusão de alimento. Mas nas povoações da beira-mar, mesmo nas terras maiores, os haveres tinham sido também arrasados pelos ventos da miséria.» Manuel Ferreira, Hora di Bai (1962)

«A SEARA  - A festa -- 1. O vento arrastou as nuvens, a chuva cessou e sob o céu novamente limpo as crianças começaram a brincar. As aves de criação saíram dos seus refúgios e voltaram a ciscar no capim molhado. Um cheiro de terra, poderoso, invadia, tudo, entrava pelas casas, subia pelo ar.» Jorge Amado, Seara Vermelha (1944)

«Escolhera o mestre do barco aquela noite negra, para que a Lua não assistisse à largada. Também não compareceram as estrelas, com grande contentamento do velho João Frade, posto lhes quisesse muito, mas no alto, em plena derrota, para conversar com elas  sobre coisas noutros tempos acontecidas, já que sem idade para sonhar com vida nova.» Joaquim Lagoeiro, Viúvas de Vivos (1947)

1 verso de Alberto de Lacerda

«o gesto perfeito o grito já sem dor» 

«Orfeu», 77 Poemas (1955)

quarta-feira, junho 18, 2025

2 versos de Arnaldo Santos

 «Não sei se as dálias eram sonhos / Crescendo por acaso no carreiro...» 

«Passeio»,  Fuga (1960)

terça-feira, junho 17, 2025

Cannonball Adderley, «Something Different»

o rei dos salamaleques

 Nisto, ele está sempre a jogar em casa.

isto sim, é a PJ a funcionar

 A unidade de antiterrorismo, pois então!...

2 versos de José Agostinho Baptista

«entretanto alguma coisa se passou que ultrapassa a / excessiva solidão do poema.» 

«A Maria C.», Deste Lado Onde (1976)

segunda-feira, junho 16, 2025

Dieter Fischer-Dieskau, Uwe Gronostay, «As Bem-Aventuranças» (Liszt)

os meus desejos para esta guerra

Do que eu gostaria mesmo mesmo era que o Netanyahu levasse com um míssil nos cornos. 

Depois, o regime dos aiatolas poderia cair, e o Irão tornar-se algo mais digno dos seus milénios, uma sociedade sem discriminação das mulheres -- muito acima da condição geral das mulheres árabes, apesar de tudo --;

e de preferência sem o descendente do pseudo-Xá, filho de um militar de baixa patente que através de um golpe de estado, apeou os verdadeiros reis da Pérsia e se entronizou a si próprio.

2 versos de Rui Knopfli

«Atiramos pedras pr'além do muro / e escutamos o som opaco da queda.»

«Tédio», O País dos Outros (1959)

domingo, junho 15, 2025

Django Reinhardt, «September Song»

alhures

«Tanto eu como Gertrude Stein examinámos as últimas obras de Picasso cuidadosamente e Gertrude Stein foi de opinião que "a arte era mera expressão de algo". Picasso discordou e disse: "Deixem-me em paz. Estava a comer." Na minha opinião Picasso tinha razão. Estava mesmo a comer.» Woody Allen, Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - «Memórias dos Anos Vinte» - trad. Jorge Leitão Ramos § «Os polícias transpiram, rosnam e praguejam. As matracas erguem-se e baixam-se sobre o homem sem liberdade. / Na cela há cinco polícias fortes e um preso. // Para principiar, torceram-lhe os braços até estalarem as articulações. Bateram-lhe na cabeça com as matracas. Depois, deram-lhe valentes pontapés, ao acaso.» Michael Gold, Para a Frente, América... -- «Cárcere» (trad. Manuel do Nascimento) § «Não me perguntes o que foi feito da rapariga porque perdi a sua morada. Não imaginas o tempo que já perdi à procura dela! Daqui vem a minha doença. Quando te conheci acabava de ler o último nome da lista dos telefones deste ano. De repente reparei que te parecias muito com a mocinha de atrás dos arbustos e perguntei-te:» Félix Cucurull,  «Carta de despedida»Antologia do Conto Moderno - trad. Manuel de Seabra § «O meu pai, que Deus lhe perdoe, estava encarregado da moenda de uma azenha que fica à beira daquele rio, onde foi moleiro mais de quinze anos. E estando a minha mãe uma noite na azenha, pejada de mim, vieram-lhe as dores do parto e pariu-me ali mesmo. De maneira que posso em boa verdade dizer que nasci no rio.» Anónimo, Lazarilho de Tormes (1554) - trad. Ricardo Alberty. § «Todavia, esse homem, particulazinha da criação, deseja louvar-Vos. Vós o incitais a que se deleite nos vossos louvores, porque nos criastes para Vós e o nosso coração vive inquieto enquanto não repoisa em Vós. / Concedei, Senhor, que eu perfeitamente saiba, se primeiro Vos deva invocar ou encomiar, se, primeiro, Vos deva conhecer ou invocar.»  Santo Agostinho, Confissões (396-400) - trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina

o que está a acontecer

«E lá ia, que remédio!, de balde ao ombro, a espreitar alguma maracha que precisasse de engravatada, por oscilação de terras, ou canteiro mais soberbo por desequilíbrio da gleba. Bem regara aquela maldita com o seu suor; longas horas de repouso tinha perdido à sua volta. Mas também a alegria de ver todo o arrozal farto de espigas o dava por bem pago no fim do contrato.» Alves Redol, Gaibéus (1939)

«Porque diabo este pacóvio largou tudo e abalou também? / E os outros, -- toda a malta da terceira, imunda, sórdida -- miseráveis, porque trocam a sua pobreza livre pela escravidão? E eu?» Joaquim Paço d'Arcos, Diário dum Emigrante (1936)

«Às quatro paredes brancas, seguiam-se a capoeira da criação e o quintal, mui cultivado, muito verde -- as couves gordas, os feijoeiros abraçados às estacas e as ervilhas cheias de garridice por terem flores como violetas.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928) 

sábado, junho 14, 2025

sexta-feira, junho 13, 2025

4 versos de Carlos Queirós

«Viver! -- O corpo nu, a saltar, a correr / Numa praia deserta, ou rolando na areia, / Rolando, até ao mar... (que importa o que a alma anseia)? / Isto sim, é viver!» 

«Ode Pagã, Desaparecido (1935)

quinta-feira, junho 12, 2025

oscinco bateristas de Ian Paice

Gene Krupa, Buddy Rich, Carmine Appice, Ringo Starr e Joe Morello: três jazzmen e dois rockers. Quem ouve o eterno baterista dos Deep Purple, percebe. Aqui.


há 150 anos com as mãos nos bolsos


Faz hoje 150 anos que o genial Rafael Bordalo Pinheiro criou o Zé Povinho, caricatura do povo português, que ficou sem o que fazer depois da independência do Brasil. Gonçalo Mendes Ramires bem sugeriu  África como remédio para a apatia, mas já era tarde. Bordalo pertencia a essa Geração de 70, a mais crítica da nossa contemporaneidade -- Santo Antero, papá Eça, avô Ramalho, tio Joaquim Pedro, philosophe... 

Queriam-nos mais europeus, sem deixarmos de ser portugueses. Os mais expeditos, ambiciosos, aventureiros emigraram; os outros ficaram, agarrados à enxada.  Salazar ajudou bastante, até que, faz hoje quarenta anos, Mário Soares assinou a nossa inevitável adesão à CEE, no claustro dos Jerónimos 

Imagem magnífica a da cerimónia no vetusto monumento doutras eras, e também túmulo do venturoso Manuel I: o que éramos e o que queríamos ser. Numa geração, passámos da enxada ao 5G. 

Como escreveu o Almada Negreiros, "Coragem portugueses", etc.


Rui Ochôa


2 versos de José Régio

«Quando eu me poupe a falar, / Aperta-me a garganta e obriga-me a gritar!» 

«Invocação ao meu anjo», As Encruzilhadas de Deus (1936)

quarta-feira, junho 11, 2025

Brian Wilson, «God Only Knows»

bandidos à solta

São pequenas aberrações, larvas para extermínio antes que se desenvolvam. A polícia deve saber onde param, nas claques dos futebóis, por exemplo, mas não só. Atacaram em grupo, como é timbre destes cobardes, que se dizem nacionalistas, mas aposto que cada-palavra-cada-erro. Nacionalistas, dizem-se, pobres diabos, que atacam o actor Adérito Lopes, que, n'A Barraca, sob a direcção de Maria do Céu Guerra, interpretava o papel de Camões no Dia de Camões. Nacionalistas de caricatura cujo grupo se autoidentifica com um nome inglês... Trinta anos depois de o pacato Alcindo Monteiro ser assassinado por criaturas destas.

"Remigração", parece que estava escrito nos papelotes que estes inúteis deixaram no local do crime. Compreende-se, têm medo que o RSI não dê para todos... "Remigração" é também uma palavra usada pela cúpula do Chega, o segundo partido da parvalheira. Les beaux esprits...

Grande admiração pela classe de Maria do Céu Guerra, enorme!, no modo como se refere ao sucedido; e elogio claro a Carlos Moedas, que logo se deslocou ao local, dizendo que "isto não pode acontecer"! (Estou-me nas tintas se estamos em pré-campanha.) Pois não pode... Isto não é caso de polícia, mas de contraterrorismo. Têm os meios, mexam-se!...

4 versos de Camões

«A noite se passou na lassa frota, / Com estranha alegria e não cuidada, / Por acharem, da terra tão remota, / Nova de tanto tempo desejada.» 

Os Lusíadas, I, 57 (1572)

o que está a acontecer

«A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete, ou simplesmente o Ramalhete.» Eça de QueirósOs Maias (1888) 

«I. Óbito do autorAlgum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.» Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)

«Debalde muitos homens de génio revestidos da autoridade suprema tentaram evitar a ruína que viam no futuro: debalde o clero espanhol, incomparavelmente o mais alumiado da Europa naquelas eras tenebrosas e cuja influência nos negócios públicos era maior que a de todas as outras classes juntas, procurou nas severas leis dos concílios, que eram ao mesmo tempo tempo verdadeiros parlamentos políticos, reter a nação que se despenhava.» Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

terça-feira, junho 10, 2025

Eduardo Metzner, «Camões Morto de Fome» - um poema oportunamente recuperado por Gabriel Rui Silva

O poema que aí vai foi escrito vertiginosamente, em dois dias e à mesa de um botequim, para não perder a oportunidade, o fim que visei: a ocasião do aniversário da morte do cantor dos lusíadas. Será cinzelado e ampliado, para mais tarde, ser publicado novamente. É um documento histórico que deve ficar como protesto contra a homenagem feita ao génio por cretinos que o apedrejariam ou matariam à fome se ele vivesse hoje como se prova pelo procedimento desprezível que os portugueses sempre usaram para com as suas mais gloriosas figuras, pelos homens que têm vinculado no mundo culto o nome de Portugal. 

2 versos de Florbela Espanca

«Desde que o meu bem partiu / Parecem outras as cousas:»

in «Trocando Olhares», Antologia Poética

o que está a acontecer

«Vendo-o assim, "Piloto" hesitou um instante, enquanto agitava mais a cauda e tremuras de alegria lhe percorriam o corpo. Logo se decidiu. E, humilde, foi colocar o focinho sobre a coxa do amo, como era seu costume, quando este o chamava, à hora da comida, nos dias em que os dois andavam pastoreando o gado, lá nos picarotos da serra.» Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (1947)

«Quando o chefe voltou, depois do expediente e do sinal de partida, padre Dionísio, que aguardara solitário relanceando morosamente a vista, saiu-lhe ao encontro e inquiriu se não viera ao comboio qualquer pessoa da herdade dos Cardeais-» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica (1927)

«Em 1875, nas vésperas de Santo António, uma desilusão de incomparável amargura abalou o meu ser; por esse tempo, minha tia D. Patrocínio das Neves mandou-me do Campo de Santana, onde morávamos, em romagem a Jerusalém: dentro dessas santas muralhas, num dia abrasado do mês de Nizam, sendo PONCIUS PILATUS procurador da Judeia, ELIUS LAMMA legado imperial da Síria e J.-KAIAFA Sumo Pontífice, testemunhei, miraculosamente, escandalosos sucessos: depois voltei -- e uma grande mudança se fez nos meus bens e na minha moral.» Eça de Queirós, A Relíquia (1887)

segunda-feira, junho 09, 2025

King Oliver and his Creole Jazz Band, feat. Louis Armstrong, -«Snake Rag»

amanhã é feriado, vou perguntar ao Zelensky se está bom no Guincho

 Nos canais de bardanotícias aqui da parvónia, o Zelensky continua a ser um Churchill -- como disse, certo dia, o Fareed Zakaria... pouco importa que tenha sido uma marioneta de americanos e britânicos contra os ucranianos e com isso tenha deitado o seu país a perder, em função dos interesses americanos e não só (lembremos o papel de duas abjecções como Joe Biden e Boris Johnson no prolongar da guerra, para esvair a Rússia -- o verdeiro objectivo -- quando da primeira tentativa de acordos de paz).

Não especulo sobre as intenções deste bicho, se vai morrer de armas na mão, como seria sua obrigação, depois do mal que tem feito, ou se há alguma ponta de verdade no que dizem os seus detractores, sobre um eventual e bem esportulado enriquecimento ilícito -- não vou por aí, não me interessa, nem sequer é preciso...

Basta dizer que à conta da criatura e de quem a sustenta, a Ucrânia está como está, e a caminhar para muito pior. Mas, não contente com isso, seguindo à risca o gizado pela trupe neo-con do lado de lá do Atlântico, tem procurado, desde o princípio, envolver-nos a todos na guerra -- o que só não conseguiu ainda, não por bom-senso das lideranças europeias (meu deus, a nulidade do Costa, parece que engenheiro de pontes, é presidente do Conselho Europeu...), mas porque ainda não puderam. Mas há quem não descanse enquanto tal não suceder, não só do lado de lá, como, pasme-se, do lado de cá do Atlântico. Que imbecis, que vigaristas...

Para as notícias dos bardacanais, e os zeros que os dirigem, Zelensky, em vez de a sua acção ser abordada segundo um prima jornalístico (chamam àquilo jornalismo, certo?) -- ou seja: um político apanhado em determinadas circunstâncias, reagindo melhor ou pior de acordo com elas, o que nos dão é uma caricatura de propaganda reles, em que cada espirro e cada flato que o homem emane equivale a um tratado de clarividente liderança; ele tudo sabe, tudo vê, é um predestinado, um Churchill.




2 versos de Cesário Verde

«Se eu não morresse, nunca! E eternamente / Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!»

«O sentimento dum Ocidental - IV. Horas mortas», O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

Siiim!...







 

sábado, junho 07, 2025

sexta-feira, junho 06, 2025

ucraniana CCCXCI - o jornalismo por e para atrasados mentais - e começa no título

É da prestimosa cnn-Portugal, e reza assim: "Rússia lança um dos maiores ataques aéreos de sempre contra civis depois do ataque da Ucrânia aos bombardeiros russos"

Vejamos: "Rússia lança um dos maiores ataques aéreos de sempre". O cidadão comum que se aflige com a guerra, embora tudo aquilo o ultrapasse (questões políticas, económicas, culturais, militares -- geoestratégicas, em suma), depois de sujeito à propaganda esmagadora que os do seu lado lhe impingiram, hecatombes russas, baixas sobre baixas, etc., fica de pulga atrás da orelha quando lê, ao fim de 18 pacotes de sanções, que a Rússia lança "um dos maiores ataques aéreos de sempre". Sente-se estúpido, enganado, não acredita no que vê e lê, e já desconfia das próprias imagens. Bravo, "jornalismo"! 

E contra quem lança a Rússia este poderosos ataques aéreo: "contra civis", pois claro -- não há-de escapar um ataque com míssil hipersónico contra qualquer jardim infantil; há três anos e meio que os russos declararam guerra contra creches, hospitais, parques infantis, lares da terceira idade, canis, num genocídio atroz...

Vamos ler a "notícia" e quantas vítimas resultaram de "um dos maiores ataques de sempre contra civis"?: "pelo menos quatro mortos"Se eu fosse um palestino de Gaza, ou habitante do Rio de Janeiro, quereria rapidamente procurar refúgio na Ucrânia.

Palma-cavalinhos que não se enxergam; são tão estúpidos, ó valha-me deus!... 

5 versos de Arnaldo Santos

«Cansados / Mansamente / Escondendo-se no crepúsculo de uma esquina. // Escondiam-se do mundo / E de si próprios.» 

Fuga (1960)

quinta-feira, junho 05, 2025

Yehudi Menuhin, Rafael Frühbeck de Burgos, Concerto para violino (Mendelssohn)

não vejo retrocesso nenhum na Cultura

Ao contrário do que defende um pensador de alto coturno, não vejo retrocesso nenhum na pasta da Cultura. Onde antes estava uma nulidade política e um equívoco, está agora uma dirigente nacional do partido no poder. Claro que não tem a dimensão cultural de um David Mourão-Ferreira, de uma Gabriela Canavilhas, ou uma visão de largo espectro como Lucas Pires, Manuel Maria Carrilho ou Pedro Adão e Silva. Mas tem uma ou duas coisas que faltam a muitos: tem poder e não está confinada aos nichos da 'cultura'. Se tiver alguma substância (que até parece ter, independentemente de parecer deixar-se contaminar por wokismos saloios -- deve ser da idade), poderá fazer um lugar aceitável. Logo veremos se não será outro Santana Lopes, politicão e popularucho. O facto de ter acoplado o desporto e a juventude, no primeiro caso, um sec. de estado chega; no segundo, as grandes decisões nunca passam por ali. 

a cobardia de Portugal -- que vergonha, que vergonha, como nos envergonham!

Nem se trata deste governo em particular. Depois de Espanha, Eslovénia e Irlanda terem reconhecido o Estado palestino (nem falo no Brasil, que o fez há anos, na primeira presidência de Lula, creio); nem com a prática de genocídio: a morte indiscriminada, a fome usada como arma aos olhos de todos, ninguém em lado algum se admiraria que Portugal fizesse o que é justo, com as facilidades que o criminoso Netanyahu e o seu governo fora-da-lei nos tem dado.. Mas não, os primeiros-ministros que temos tido só mostram medo -- medo de irritar os americanos, ou até os ingleses quem sabe (li algures que Malta, o país mais pequeno da UE se prepara para fazê-lo).

Venham cá falar do Putin, grandes vigaristas!...

Como é possível um país com a história de Portugal e com a sua cultura, descer tão baixo? Como é possível diminuirmo-nos assim? Como podem politcóides de meia-tigela que elegemos desbaratar a história que temos, os nossos recursos históricos e diplomáticos. Que voz não poderíamos ter no mundo. mas temos isto, claro. Governos cobardes, um povo amarfanhado, como convém.

Que vergonha olhar para isto tudo...

4 versos de Armando Taborda

«banco de jardim ao sol onde me sento / espero que a morte me leve / à velocidade da luz / para a explicação da vida»

Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1986)

quarta-feira, junho 04, 2025

3 versos de José Pascoal

«Sei de nomes e de rostos que conheço, / E daqueles, também, que desconheço, / E que tudo tem fim no seu começo.» 

«Oração de sapiência», Sob Este Título (2017)

terça-feira, junho 03, 2025

Peter Gabriel, «Red Rain»

2 versos de Carlos Queirós

«E escravo, como sempre me encontraste, / Do mais breve sorriso que tu esboces.» 

«Frivolidade», Desaparecido (1935)

o que está a acontecer

«Decidi compor, nos vagares deste verão, na minha quinta do Mosteiro (antigo solar dos condes de Lindoso), as memórias da minha Vida -- que neste século, tão consumido pelas incertezas da Inteligência e tão angustiado pelos tormentos do Dinheiro, encerra, penso eu e pensa o meu cunhado Crispim, uma lição lúcida e forte.» Eça de Queirós, A Relíquia (1887)

«Nenhum outro passageiro descera. Dois homens rústicos, tipos de guardadores de gado, de mantas e safões de pele de ovelha, ostentando militarmente cajados altos como armas em descanso, atentaram nele, curiosos, pasmados, mas sem quebrarem suas atitudes rígidas, indiferentes àquele estranho que chegava.» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica (1927)

«Horácio estava junto de Idalina, também conhecida de "Piloto"; estavam sentados num dorso de rocha que emergia da terra, ao cabo das decrépitas e negrentas casas do Eiró, no cimo da vila. E tão atarefado parecia Horácio com as palavras que ia dizendo à rapariga, que não deu, sequer, pela chegada do cão.» Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (1947)

segunda-feira, junho 02, 2025

debate sobre o controlo da comunicação e das mentes, a propósito da Guerra da Ucrânia -- é claro que vou!

Haverá uma jornalista a moderar, e ainda bem, pois jornalismo é coisa que raramente se viu até agora -- pelo contrário: impreparação, ignorância, desleixo, descaso, mediocridade crassa, enfim. No liceu, tive uma cadeira chamada 'Iniciação ao Jornalismo'. Aí aprendi que o jornalismo deve, por exemplo, reportar ambos os lados de um conflito. Alguém, com excepção de um free lancer, mandou uma equipa de jornalistas ao outro lado?, alguém ouviu os habitantes da Crimeia, do Donbass? A RTP, televisão do estado, é gritante: enviou para Kiev um lamentável pé de microfone da propaganda americana, chamado Cândida Pinto; correu com o rebarbativo Raul Cunha, demasiado inconveniente; convida Agostinho Costa quando o rei faz anos; foram preciso quase três anos de guerra para que uma das vozes mais cultas, críticas e lúcidas (o grande problema é mesmo ignorância e boçalidade cultural) do espaço público, como Viriato Soromenho-Marques, fosse dizer qualquer coisa à RTP, e primeiramente a propósito de outro assunto (as eleições americanas); Carlos matos Gomes, um militar que foi um intelectual esplêndido, além de romancista de alto coturno, nunca lá pôs os pés, que eu saiba (a não ser para falar sobre a Guerra Colonial); Pezarat Correia nunca aparece. Em geral, quem aparece são uns marrões que seguiram a carreira académica, atrasos de vida que lêem imensos papers, lixo igual ao que produzem, ou então não percebem nada do que lhes passa debaixo dos olhos. A generalidade das estações de notícias (a sic e a grotesca parelha Rogeiro-Milhazes, ou a falcoa Vaz Pinto), exceptuando a cnn-Portugal, valha-nos deus, apesar do humorista Botelho Moniz e da inefável Soller, entre tantas outras personagens da carnavalização do comentário geopolítico). Da imprensa escrita e radiofónica, nem se fala. 

Por isso, vou fazer o sacrifício de pegar em mim e ir de Cascais a Lisboa -- talvez fique a perceber por que razão o que nos é vendido como jornalismo não passa da negação do próprio jornalismo.




5 versos de José Régio

«Aqui, sentado, / Sobre mim próprio dobrado, / Com livros ao lado, / Canetas e aparos, / Tinteiro e papel timbrado,»


«Caos», As Encruzilhadas de Deus (1936)

uma sociedade doente, desconjuntada e à beira do colapso

Bem pode o ministro do interior francês falar em minoria de bandidos que cometeram os desacatos sexta à noite, em Paris, após a vitória do PSG. O que mostram as imagens, mesmo que se trate de duas ou três ruas em cada cidade, é o mal-estar daquela sociedade, à beira de se desconjuntar. Quem tem andado por lá, pelas ruas, nos transportes, sente-o.

sexta-feira, maio 30, 2025

1 verso de Alberto de Lacerda

«Sou uma janela onde se debruçam todas as coisas da vida.»

«Janela», 77 Poemas (1955)

zonas de conforto

José Régio: «Quando já os soluços lhe subiam ao peito, um homem parou diante dela: / --...Camionette... / -- Sim... murmurou entregando maquinalmente as suas coisas. Acompanhando o homem, ladeou o comboio, achou-se em frente da estação.» Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941) § Augusto Casimiro: «O amor da Pátria é a cristalizada síntese do grande Amor humano. O altar mais próximo em que rezas a esse maior Amor para quem a Terra é um templo.» O Livro dos Cavaleiros (1922) § Fialho de Almeida: «Na agitação das populaças que respiram alto, pela noite, entre as flambagens do gás, nos gemidos que os arvoredos soltam, azorragados do nordeste, ou quando a vaga regouga, espadanando contra os granitos da riba, a mesma evocação misteriosa, confusa, mal sonhada, nos surpreende, de vozes que já antes tínhamos ouvido, e agora parecem despertar dentro de nós saudades de idílios extintos e de felicidades mortas em plena adolescência.» O País das Uvas (1893) -- «Pelos campos» § Frei João Álvares aos monges do Paço de Sousa, 24-XII-1467: .../... «Mas empero eu verdadeiramente conheço que de ignorância e de negligência me nom posso escusar porque, nom embargando que eu muito mais pudera fazer do que fiz,, nom sei como pudera ir com elo ata a fim. E às vezes melhor é de não começar homem a fazer alguas cousas quando nom vê como se possam acabar.» Andrée Rocha, A Epistolografias em Portugal (1965) § António de Cértima: .../... «E é aqui, certamente, que tudo o que há de cerebral, de luminoso e de fútil, na permanência dos seus valores e das suas sugestões, se encontra bem marcado, excitante e inamovível.» .../... Doce França (1963) § Machado de Assis: «A mulher, que tinha então vinte e um anos, e morreu com vinte e três, não era muito bonita, nem pouco, mas extremamente simpática, e amava-o tanto como ele a ela. Três dias depois de casado, mestre Romão sentiu em si alguma cousa parecida com inspiração. Ideou então o canto esponsalício, e quis compô-lo; mas a inspiração não pôde sair.» Histórias sem Data (1884) - «Cantiga de esponsais»

quinta-feira, maio 29, 2025

o que está a acontecer

«Do alto daquela Torre. outrora de menagem, estendia-se um país inteiro, seiva virgem de uma nação. Toda a  História se abria com a paisagem. Que importava que a  Moutosa ficasse ali, riba acima, a vila de Serzedelo mesmo naquele rincão apetitoso de verdura e, lá em baixo, calão, e adormecido, o Lima.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964)

«I parte - A provação - I. O comboio do sul parou na pequena estação sòzinha, perdida no descampado, entre grandes searas verdes já espigadas. Padre Dionísio, moço e ágil, saltou da 3.ª classe, poisou no chão a leve mala de viagem e olhou em roda, à espera que alguém se lhe dirigisse.» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica (1927)

«Forçado a deter-se, ele regava, à esquerda e à direita, rudes pedras, velhos castanheiros, velhos cunhais, mas fazia-o alegremente e com o visível modo de quem leva pressa. Em seguida, voltava a correr no faro do seu dono. Cada vez o sentia mais perto e cada vez era maior o seu alvoroço. Por fim, lobrigou-o.» Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (1947) 

2 versos de Rui Knopfli

«Os pássaros passam de largo / e recusam-se ao cimento e ao asfalto da cidade hostil.»  

«Kwela para amanhã», O País dos Outros (1959)

quarta-feira, maio 28, 2025

Bruce Springsteen, «Out in the Street»

ucraniana CCCXC - Trump a ladrar, e aí está Medvedev

Era até previsível. Trump não se contém, Medvedev, que diz o que Putin não deve dizer, manda-o para a casota

Como ainda ontem escrevi, no que respeita à sua segurança e soberania, a Rússia marimba-se para a qualidade do presidente americano que tem pela frente. Assim é, assim continuará a ser -- até porque a Rússia continua com o fundamental apoio económico da China e da Índia, entre outros. Se estes lhe tirarem o tapete, admito que seja mais complicado, mas não estou a ver, por exemplo Xi Jinping a encetar este tipo de contabilidades com os Estados Unidos. 

Meu deus, os russos (e os ucranianos com eles) enfrentaram os mongóis, os polacos, os suecos, os turcos, os franceses, os alemães estão agora a enfrentar praticamente todo o Ocidente. Querem mais? Eles têm. 

2 versos de Fernando Grade

«O barulho que vier da terra pede fogo / é um sistema de lágrimas a vapor» 

«Não apunhalem o sangue magnífico do cão», O Livro do Cão (1991)

terça-feira, maio 27, 2025

ucraniana CCLXXXIX - o sentido de humor de Peskov, numa perigosa fase de provocação da UE

Dmitri Peskov, que os bons me(r)dia televisivos levaram mais de dois anos a mostrar a mesma foto com expressão de alucinado, teve ontem uma saída muito boa a propósito do chilique de Trump, agradecendo o empenho dos Estados Unidos na resolução do problema (que eles próprios criaram, primeira boa piada); dizendo, paternalisticamente, que andamos todos com sobrecarga emocional... 

O Trump, que não é estúpido como o destroço que o antecedeu, deve saber que para Putin e os russos em geral, tanto se lhes dá que o inimigo seja liderado por ele ou por Biden (supostamente). 

Os americanos queriam a Ucrânia na sua esfera de influência e, ao mesmo tempo, fazer a Rússia arder em lume brando. Tudo lhes saiu furado, e, por desistência, são agora os incapazes dos europeus que se chegam à frente, o menino largado nos braços, na estúpida esperança de que os EUA acabem por envolver-se (outra vez e mais).

Enganados uma e outra vez, os russos já não vão em conversa fiada, e por essa razão as provocações no Báltico, das marinhas destes aterrorizados países, cujo medo irracional nos poderá fazer perder todos, as preocupações dos finlandeses com brigadas russas na fronteira (foi uma maçada a neutralidade durante o tempo da União Soviética, não foi?), a autorização, pelo ceo Merz, do uso de armas alemãs em território russo, fazem temer o pior, a começar para os próprios ucranianos. Os últimos ataques são uma resposta aos pseudo-ultimatos destes inúteis. Nem todos podem ser como o Robert Fico, um socialista a quem os criados da imprensa logo qualificaram como 'populista'...  Os russo não querem os americanos nem os seus lacaios a sujar-lhes a porta  

Aliás, quanto mais tempo de guerra, menos Ucrânia. Por muito imbecil, ignorante ou prostituída (riscar o que não interessa) que esta clique dirigente europeia seja, já deve ter percebido que o que foi tomado pela Rússia (e já agora bem tomado, pese o Direito Internacional), será para continuar na Rússia.  



3 versos de Mário Máximo

«Habituei-me a levantar a persiana todas as manhãs / seguro de que era a ti / que a claridade emergente iria acordar.» 

«Essência», Um Milhão de Anos (1986)

Bobby Timmons, «Corcovado (Quiet Nights of Quiet Stars)»

segunda-feira, maio 26, 2025

1 verso de Fernando Jorge Fabião

 «Claridade, mansidão dos justos.»

Nascente da Sede (2000)

o príncipe e o parolo de maralago

Nos últimos anos do regime de apartheid, entre muitas outras, havia três vozes da resistência sul-africana em liberdade relativa que o mundo ouvia com particular atenção: Oliver Tambo, presidente do ANC no exílio, o bispo Desmond Tutu e o líder da confederação sindical do país, a COSATU, chamado Cyrill Ramaphosa.

O actual presidente sul-africano, político experimentado, respeitável e respeitado, esteve como um príncipe ao lado do americano, Trump, emblema do desprezível kitsch que não se enxerga.

É por isso que ele pode fazer momices, trafulhices & outras trumpices com uma marioneta como Zelensky, enganar porcarias como Macron e Starmer, desprezar e destratar a cúpula política da UE. Em relação a Putin e Xi Jinping, que já se esqueceram daquilo que Trump anda agora  a aprender, a coisa fia mais fininha, como se está a ver.

Quando se depara com alguém com a densidade, a história e a categoria de Cyrill Ramaphosa, resulta isto, um parolo de maralago.




 

domingo, maio 25, 2025

sexta-feira, maio 23, 2025

2 versos de José Agostinho Baptista

«primeiro o sossego do teu corpo / e só depois as cidades abertas à multidão --» 

«E as casas são brancas loucamente brancas e vermelhas», Deste Lugar Onde (1976)

quinta-feira, maio 22, 2025

Nat Adderley, «That's Right!»

2 versos de Cristóvão de Aguiar

«para ti o alarme de todas as ilhas / acordadas nos sinos do vento nordeste» 

«O alarme das ilhas», Sonetos de Amor Ilhéu (1992)

quarta-feira, maio 21, 2025

«Hands of Time» (Eric Church)

2 versos de Florbela Espanca

«Para que quero eu os olhos / Se não servem pra te ver?» 

in «Trocando Olhares», Antologia Poética

terça-feira, maio 20, 2025

alhures

«I. 1. "Sois grande, Senhor, e infinitamente digno de ser louvado". "É grande o vosso poder e incomensurávela vossa sabedoria". O homem, fragmentozinho da criação, quer louvar-Vos; -- o homem que publica a sua mortalidade, arrastando o testemunho do seu pecado e a prova de que Vós resistis aos soberbos.» Santo Agostinho, Confissões (397-400) - trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina § «I. Conta Lázaro a sua vida e de quem era filho. Pois saiba vossa mercê, antes de mais nada, que me chamam Lázaro de Tormes, que sou filho de Tomé González e de Antona Pérez, naturais da província de Salamanca, aldeia de Tejares. Nasci no rio Tormes, e daí me veio o apelido. E aqui tem.» Anónimo, Lazarilho de Tormes (1554) - trad. Ricardo Alberty § «Picasso era um homem baixo que tinha uma maneira cómica de andar, pondo um pé adiante do outro atá dar aquilo a que se chama "passos". Rimo-nos com as suas ideias deliciosas, mas pelos finais dos anos 30, com o fascismo no auge, havia muito poucas coisas de que nos ríssemos.» Woody Allen, Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura - «Memórias dos Anos Vinte» - trad. Jorge Leitão Ramos § «Nessa altura gostava muito da cozinha catalã; mas desde esse dia começaram a desfazer-se-me as gengivas e a apodrecer os dentes. Os médicos, unânimemente, declararam que o meu mal não tinha cura. Mandei deitar as cartas. Foi então que o curandeiro me receitou o regime de nuvens.» Félix Cucurull, Antologia do Conto Moderno - «Carta de despedida» - trad. Manuel de Seabra § «Na cela há cinco polícias fortes e um preso. Os polícias dispõem de meios que tudo alcançam e sabem que o obrigarão a confessar. / Como feras esfaimadas, atiram-se ao preso, às cegas, numa fúria. No fundo sentem-se mal, porque a cela é demasiado pequena para tanta gente. Além disso, os fatos pesados são um estorvo e os colarinhos duros incomodam terrivelmente.» Michael Gold, Para a Frente América... - «Cárcere» - trad. Manuel do Nascimento

Django Reinhardt, «Brazil»

2 versos de Luísa Dacosta

«No meu outono, agreste, / invento-te.» 

«Solidão», A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

o que está a acontecer

««Aquele veludo de musgo às camadas de cor carregada mostrava-se agora mais espaçado em débeis tentáculos acastanhados como filetes de caracóis. Quando se topava uma abertura na parede, as exclamações irrompiam: Upah! Uih! Deito os bofes pela boca! Valha-me minha Santa lá no Céu. Abrenúncio, Virgem Maria! Até parece promessa ao São Semedo. Vamos, mais um pouco. É chegar ao patamar, às alturas.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964)

«Começavam então a chegar à tasca os guardas encanecidos no mester de receber enterros, graves nos seus uniformes fatídicos, os coveiros angulosos e vesgos lançando de si um fétido deletério; e cada um, dando boas noites à tia Lauriana, ia sentar-se à banca, no seu lugar, chupando pontas de cigarro e pedindo decilitros.» Fialho de Almeida, A Ruiva (1878)

«A cauda ergueu-se num ápice, formando volta que nem cabo de guarda-chuva; a cabeça levantou-se também e nela luziram os olhitos até aí amortecidos. "Piloto" estugou o passo. O caminho estava cheio de tentações, de paragens obrigatórias, estabelecidas por todos os cães que passaram ali desde que Manteigas existia, desde há muitos séculos.» Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (1947)

segunda-feira, maio 19, 2025

«Deslocado» (NAPA)

3 versos de A. M. Pires Cabral

«Contentes  no seu charco, carregando nos erres, / rãs aos milhares erguem louvores / ao criador das libelinhas que voam por perto» 

«As rãs e as libelinhas», Caderneta de Lembranças (2021)

bolas

Desta vez, para meu pesar, o voto não foi suficiente útil para ajudar a eleger António Filipe.

Quanto ao resto: vitória da AD: pode chefiar-se um governo e receber uma avenças por fora, ao domicílio familiar. Como se vê, é o um assunto que não interessa a ninguém, a maioria dos portugueses faria o mesmo, se pudesse.

PS: Pedro Nuno Santos foi vendido como radical... e os portugueses, manhosos como são, não gostam disso. É verdade que também há uma aversão bastante justificada ao partido do catastrófico António Costa, uma enguia de manobrismo. Quero lá saber do PS, ainda para mais gafado do tifo woke...

Chega: afinal, um partido bem português. Antes das eleições do ano passado, não acreditava que chegasse aos 10%; hoje já não digo nada. Pode ter-se um mentiroso e um demagogo como líder, que os eleitores estão-se nas tintas. "Coragem, portugueses," disse o Almada, que continuava...

BE e Livre: a bancada woke perde um deputado no conjunto. É bem.

IL: nada a acrescentar.

PCP: perde um deputado, e dos melhores.

PAN: também são terrivelmente woke, mas no meio desta hecatombe até gostei que Inês Sousa Real ficasse em Parlamento; dá-lhe um outro ar.

JPP: não sei bem o que é, mas Filipe Sousa tem um discurso civilizado, o que quer que isto signifique.

E pronto.

sábado, maio 17, 2025

as 2-razões-2 por que vou voltar a votar no PCP/CDU este ano

Como sempre, continuo a votar onde e em quem me apetece; como no ano passado, volto a votar nos mesmos e pela mesmíssimas razões. São elas:

1. A posição do PCP em relação à Guerra da Ucrânia, entre a Rússia e (parece que ainda) os Estados Unidos. Posição moderadíssima, aliás, que tem a grande virtude de não tolerar que Portugal seja nesta questão mais um verbo de encher, ao contrário dos outros partidos todos com assento no Parlamento, do do "nacionalista" Ventura ao do sofista Tavares.

2. Gosto de votar e que o meu possa ter influência, o que várias vezes não sucede. Há uma ano votei na CDU para ajudar a eleger António Filipe, número dois por Lisboa. O último ano mostrou como a Assembleia da República se degradou com a eleição dos candidatos do Chega. Nunca como agora o Parlamento precisou tanto de bons parlamentares. E António Filipe é dos melhores. 

E é isto

sexta-feira, maio 16, 2025

Peter Gabriel, «Mercy Street»

2 versos de Cristóvão de Aguiar

«velha pecha esta minha de mergulhar / nos confins do teu nome para te procurar» 

«Na esquina do vento», Sonetos de Amor Ilhéu (1992)

Palestina, um crime nas nossas barbas

Se há nação e estado que nunca deveria ser agente, por acção ou omissão, do que se está a passar na faixa de Gaza (nem nos colonatos da Cisjordânia ocupada, já agora), esse seria o povo judeu e o estado israelita, com o perpetrar de um genocídio nas nossas barbas. Nunca como agora o velho cartoon do António foi tão actual, tão verdadeiro, e infelizmente também, cada vez menos exagerado, na sua função satírica.

(Infelizmente palavras como genocídio estão cada vez mais banalizadas, num tempo em que elas, as palavras, valem cada vez menos. Se chamamos genocida a um ladrão pindérico como o Bolsonaro, como designaremos agora Netanyahu: alguidar?, carburador?,  pastel de nata?...)

A partir de agora a bandeira da Palestina vai estar na coluna direita. Perdi por Israel todo o respeito e admiração que em tempos tive. Restam os kibutz, as pequenas comunas que já existiam antes da criação do estado e que continuarão a existir depois dele.

Não se trata com isto, como sabem os que por aqui passam, de desculpar e muito menos "absolver" a barbárie do Hamas -- grupo armado independentista islâmico, e não terrorista na sua essência, mesmo que praticando abjectas acções terroristas, como o são quaisquer ataques a civis; mas o a abjecção do governo israelita traduz-se na multiplicação do terror infligido pelo Hamas. Se fosse a vingança bíblica que queriam, há muito que estavam vingados. Mas é mais que isso: é genocídio praticado por um povo que foi sempre perseguido, de Nabucodonosor a Hitler.

 

quinta-feira, maio 15, 2025

2 versos de Camões

«Tão brandamente os ventos os levavam / Como quem o Céu tinha por amigo;» 

Os Lusíadas, I,43 (1572)

o que está a acontecer

«Lá dentro, na fofa viuvez de um canapé acolchoado, um Mestre de Rythmos me sondava os músculos e as articulações, na esperança de poder contribuir para o meu futuro alindamento. Lembro-me de que um moço do talho chamado Isaac fazia sempre cócegas à mesma criada e no mesmo sítio. Lembro-me ainda de que, quando a noite caía e a rua se tornava numa tira preta colada aos vidros, eu ia sentar-me na casa de banho para ouvir pingar as torneiras, pois tinha medo do silêncio.» Nuno Bragança, A Noite e o Riso (1969)

«O clarão, dos altos daquele encafuamento, deixava-se ganhar, degrau a degrau, e fazia descobrir as tonalidades mais verdes de musgos escondidos e de andrajosos líquenes de fraca reprodução. Tinham passado já o suar das paredes que cá em baixo tanto fazia admirar os visitantes.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964)

«Em anoitecendo, tudo aquilo era duma contemplação lúgubre e misteriosa, em que se adivinhava o trabalho de milhões de larvas; o ladrar dos cães tinha um eco desolado, que tornava depois mais sinistro o silêncio; a porta fechava-se sem rumor, girando em gonzos discretos, e uma luz esmaecia na treva, no fundo dos ciprestes e dos túmulos, diante de um santuário deserto, onde o Cristo, do alto, olhava vagamente o guarda-vento.» Fialho de Almeida, A Ruiva (1878)

quarta-feira, maio 14, 2025

Byron Stripling, «Tiger Rag»

4 versos de José Pascoal

«É a vontade sensível de viver / Mergulhado nos mapas deslumbrantes / Da memória, nas cartas do futuro / Incompleto de todos os instantes.» 

«A vida íntima», Sob Este Título (2017) 

terça-feira, maio 13, 2025

ucraniana CCLXXXVIII - Zelensky repara, Zelensky substitui

Chega um tipo ao restaurante, a televisão sintonizada na cnn, e vê o pobre general Carlos Branco a pisar um daqueles filetes que está na base do ecrã, destacando as últimas (ou penúltimas) parvoíces de desinformação. Hoje era qualquer coisa como isto: Zelensky delineia plano de paz para a reunião na Turquia; Zelensky só aceita reunir-se com Putin, etc....

Não é cómico? Um tipo que vai ao país dos otomanos por uma orelha e pela mão do Trump, e estas pulgas da cnn-Portugal (certamente orientadas pela casa-mãe) a aldrabarem os feirantes de Espinho, dizendo-lhes que Zelensky repara, Zelensky substitui; Zelensky delineia, Zelensky exige.

Já não me sorria tanto desde que uma barbie empoderada (é português isto?) parecia a caminho do orgasmo sempre que pronunciava o nome do grande líder; ou uma outra, velha platinada, vinda ao ecrã gabar o tónus olímpico do Biden destroço. 


4 versos de Rui Knopfli

«Das sombras, das solidões / dos recantos recônditos / da noite e da chuva / saem homens.» 

«Dawn», O País dos Outros (1959)

atrás de um idiota

Diz este estúpido que "a chave é ter tropas na Ucrânia". É um imbecil que nem sequer tem filhos para mandar para lá, acirrado por os russos estarem a tramá-lo em África. Isto daria pano para muita conversa. O que espero é que os que agora estão com sorrisinhos eleitorais, em especial Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, sejam políticos portugueses e não nos atrelem a esta criatura. Devo dizer, aliás, que tanto Montenegro como Rangel, para surpresa minha, foram muito menos infelizes nas suas declarações enquanto governantes do que o infelicíssimo Costa e ministro -- não sei se estão recordados do catastrófico Costa, recompensado pela sua miséria política com um posto de corta-fitas na UE. Aqueles tinham ao menos o cuidado da ponderação mínima e de dizer que a acção do estado português decorrerá sempre sob a égide da ONU e no respeito pelo Direito Internacional. Veremos se é só conversa.