quarta-feira, março 26, 2025

o que está a acontecer

«Diante dessa varanda, na claridade forte, pousava a mesa -- mesa imensa de pés torneados, coberta com uma colcha desbotada de damasco vermelho, e atravancada nessa tarde pelos rijos volumes da "História Genealógica", todo o «Vocabulário» de Bluteau, tomos soltos do "Panorama", e ao canto, em pilha, as obras de Walter Scott, sustentando um copo de cravos amarelos.» Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires (1900)

«Era uma paixão, uma paixão da alma, a mocidade na velhice, essa ânsia impotente dum coração que quer romper os tecidos atrofiados de cinquenta e cinco anos para dar quatro pulos em pleno ar.. / Quem era a vítima desta paixão impetuosa? Uma menina de quinze anos, que a leitora, enjoada das indecentes cuecas do Sr. Silva, pode ver, no segundo andar desta mesma casa, sentada a costurar na varanda, com uma gata maltesa no regaço, e um papagaio ao lado, que lhe depenica os sapatos de cordovão.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

o que vai acontecer

«Tinha a vocação íntima da música; trazia dentro de si muitas óperas e missas, um mundo de harmonias novas e originais, que não alcançava exprimir e pôr no papel. Era esta a causa única da tristeza de Mestre Romão.« Machado de Assis, Histórias sem Data (1884» -- «Cantiga de esponsais»

regressar ao século XIX

Não passam de fariseus quantos dizem que "regressámos ao século XIX" quando as grandes potências fazem pressão sobre territórios sobre os quais têm apetência. Dar-lhes-ia razão se dissessem que à sombra do Direito Internacional agonizante, as guerras não se fizeram por procuração, do Vietname a Angola e ao Afeganistão -- ou então através da desestabilização dos regimes, usando os respectivos agentes, do Kadafi ao Navalny, sem esquecer a Ucrânia, pois claro.

Ou se o status quo pelo qual agora choram alguma vez impediu o imperialismo e a lei do mais forte, da ocupação do Tibete  ou a barbárie da guerra do Iraque, a tal das armas de destruição maciça, vistas e identificadas pelo Durão Barroso...

Que grande paciência é precisa para aturar os semi-canalhas e os hipócritas por inteiro.

4 versos de A. M. Pires Cabral

«Tivesse eu umas pernas tão altas como as tuas / e travaria contigo o ardoroso combate / -- velha guerra amistosa e sem quartel --, / para meu e teu contentamento.» 

«Fala de um cão basset a uma cadela são-bernardo com cio», Caderneta de Lembranças (2022)

terça-feira, março 25, 2025

o primeiro post

-- Vinte anos disto. Valeu a pena?

-- Eu diria que sim... Perdeu-se nuns lados o que se ganhou noutros.

-- Mas é um bom blogue?

-- Escapa, tem dias.

-- E porque não fazes melhor?

-- Eh...

hei-de ver mais tarde a entrevista do Rodrigues dos Santos a Paulo Raimundo -- parece que só deu Ucrânia

Espero sempre o pior deste ignorantão doutorado (o que mostra bem a miséria em que está parte da Universidade portuguesa -- mas miséria mesmo). 

Já me estou a rir antecipadamente pelo rol de imbecilidades que antevejo. Tenho a certeza de que não me desapontará.

Adenda: Vi. É jornalismo de compostagem: cretinismo e má-fé. Sem novidade.

4 versos de José Pascoal

«Pertences / Ao comum dos mortais / Que contam os silêncios / Pelos dedos das mãos.» 

«Na segunda pessoa», Sob Este Título (2017)

segunda-feira, março 24, 2025

diários

[14.8.1961] .../... «Esta mistura violenta de vida e de morte é, de resto, o sedimento da vida de Paris, o cadinho trágico donde dimanam as suas cristalizações de arte e de grandeza.» António de Cértima, Doce França (1963)

e se a Nato acabar -- o que têm os senhores candidatos partidários e presidenciais a dizer sobre o assunto?

A inflexão da política externa norte-americana no sentido de um isolacionismo monroviano, que poderá ir além do(s) mandato(s) de Trump e de Vance, com a concomitante partilha do planeta em grandes esferas de influência entre Estados Unidos, Rússia e China -- para já -- com uma possível (embora para já me pareça improvável) dissolução da Nato, por obsolescência;

uma União Europeia presa por arames, como está,  em que a unidade política é uma miragem e sê-lo-á sempre enquanto não se conjugar a livre, espontânea e informada adesão dos povos europeus com uma reforma política que assegure a democraticidade dos órgãos políticos europeus (a União Europeia será (con)federal, ou nunca será);

a circunstância de ninguém fazer ideia que realidades geopolíticas irão emergir com a convulsão em que actualmente vivemos, obriga tanto candidatos presidenciais, como as lideranças partidárias a serem instadas por jornalistas minimamente dignos desse nome a porem as cartas na mesa.

O que poderá estar em causa é apenas a continuidade de Portugal enquanto estado-nação independente e isso, por muito que custe perceber aos medíocres, transcende todas as questões de lana-caprina com que se entretém o espaço político-mediático.

Voltarei a este assunto, tentando reflectir sobre a estratégia política portuguesa em tempos de desagregação.

4 versos de Luísa Dacosta

«Na crista das vagas, / o embalo da lua / lembra-me os teus braços, / acorda o meu desejo de ser tua.» 

«Luar», A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

a autobiografia de Eric Hobsbawm - II. frases

5. «A seguir ao sexo, a actividade que combina no máximo grau a experiência corporal e a intensidade da emoção é a da participação numa manifestação de massa em condições de extrema exaltação cívica.»

4. «Vivíamos a bordo do Titanic, e toda a gente sabia que o choque com o iceberg se avizinhava.»

3. «O sonho da Revolução de Outubro permanece algures vivo em mim, nalgum recanto da minha intimidade, como se se tratasse  de um desses textos que foram apagados, mas que continuam à espera, perdidos num disco duro de um computador, que um especialista apareça para os recuperar.»

2. «Não tenho qualquer obrigação moral de observar as práticas de uma religião ancestral e muito menos de servir o pequeno Estado-nação militarista, culturalmente frustrante e politicamente agressivo, que solicita em termos raciais a minha solidariedade.» (sobre Israel)

1. «A minha vida desenrolou-se ao longo de quase todo o século mais extraordinário e mais terrível da história humana.»

(continuação daqui)

Eric Hobsbawm, Tempos Interessantes -- Uma Vida no Século XX (2002) Trad. Miguel Serras Pereira, Porto, Campo das Letras, 2005

domingo, março 23, 2025

serviço público - Carlos Matos Gomes

"Perante as transformações, os dirigentes europeus e os seus produtores e distribuidores de opinião encontraram-se (e encontram-se) na situação dos cães abandonados pelos caçadores após o final da época de caça e que vagueiam perdidos, reunindo-se em alcateias que procuram sobreviver." (aqui)

o que está a acontecer

«A livraria, clara e larga, escaiolada de azul, com pesadas estantes de pau-preto onde repousavam, no pó e na gravidade das lombadas de carneira, grossos fólios de convento e de foro, respirava para o pomar por duas janelas, uma de peitoril e poiais de pedra almofadados de veludo, outra mais rasgada, de varanda, frescamente perfumada pela madressilva, que se enroscava nas grades.» Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires (1900)

«O negociante representava cinquenta e cinco anos, bem conservados. No olho direito tinha muita vida; o esquerdo, porém, nesta ocasião, tinha um terçollho, e inflamado,  de mais a mais, pelo calor. / Além do dito, o Sr. Silva estava sofrendo um segundo terçolho no espírito.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

«A escuridão remexe. Não se sabe bem onde o sonho acaba e começa a matéria, se é uma cidade desconforme, sepulta em treva e lavada em lágrimas, ou meia dúzia de casebres e uma torre banal. Uma luzinha alumia um Cristo aflitivo na abóboda de pedra sustentada por quatro arcos ogivais.» Raul Brandão, A Farsa (1903)

sábado, março 22, 2025

serviço público - Viriato Soromenho-Marques

"Uma das mais dolorosas aprendizagens durante estes mais de três anos de guerra na Ucrânia tem sido a de confrontar-me com o trágico declínio da honorabilidade académica e do brio intelectual, tanto nas instituições universitárias como nos meios de comunicação social." (aqui)

sexta-feira, março 21, 2025

1 verso de Armando Taborda

«O universo é perverso» 

Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1996)

Nat Adderley, «You Leave Me Breathless»

quinta-feira, março 20, 2025

é para isto que Israel tem o direito a existir?

Mas claro que não tem! Nenhum estado ou organização tem o direito a existir para o massacre. 

Eu, que fui por largos anos defensor e admirador daquilo, quanto mais crimes comete o bando de Netanyahu, que tem a agravante de ser um líder político democraticamente eleito, maior se torna a minha aversão ao estado judaico. 

Estado, cuja obrigação moral seria o de, mesmo defendendo-se e anulando agressões exteriores, ter um padrão moral inatacável nos princípios e na prática. 

Quando se elege repetidamente um comprovado facínora, com os resultados que estão à vista, o direito à cidadania perde-se.

Haverá sempre uns quantos atrasados mentais no universo político-comunicacional cá do burgo que agitem o espantalho do antissemitismo. Não sei se é por não terem princípios (suspeito que sim) ou se caem facilmente na esparrela montada pela propaganda governamental. Mas estão ao nível dos coitados que ainda dizem que a guerra na Ucrânia se deveu à invasão russa (É não perceber um boi...).

Quanto mais olho para os oficiais do exército israelita, mais os acho parecidos com nazis.

Por mim, e continuando a impunidade dos pulhas que têm o poder, o estado israelita não só pode, como deve acabar.

Quando digo isto, é isto.

4 versos de Dick Hard

«Este é o bode de Deus / que põe o pecado no Mundo / o sátiro dos bosques / com cheiro putrefacto» 

«A Última Ceia», De Boas Erecções Está o Inferno Cheio (2004)

o que aconteceu

«Ecoam os passos na eira deserta, abre-se a porta da cozinha e o criado atura ao lume um braçado de poda: entre estalidos, a labareda ilumina as figuras atentas, o homem seco como as vides e a cabeça toda branca; a senhora Emília metida na sombra, calada como se não existisse; os filhos, o José que é ladrão, a Rosa que acabou nas vielas; e o criado, o Manco, sempre a cantar, como aqueles grilos a quem se tira uma perna para cantarem melhor.» Raul Brandão, O Pobre de Pedir (póst., 1931)

quarta-feira, março 19, 2025

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«És o nome em que tropeço / a água que me prende» 

«És o nome», Nascente da Sede (2000)

terça-feira, março 18, 2025

ucraniana CCLXXXVI - a vitória da Rússia e a clamorosa derrota da União Europeia em todas as frentes

Rússia: depois da cooperação com o Ocidente, veio o aviso sério de Putin (Munique, 2007), ao ver, com a invasão do Iraque, de que massa é feita aquele covil de ganância e pulhice; a resposta ao miserávelzinho agente americano que estava na presidência da Geórgia (hoje na cadeia) e às manobras de diversão respectivas no antigo espaço soviético, culminando com a apetecível Ucrânia.

A estratégia (?) norte-americana do execrável Joe Biden falhou rotundamente; a inflexão de Trump "apenas" salvou os Estados Unidos de maior humilhação (quem não se lembra deste senil a dizer de fugida a um jornalista que os EUA estavam sem munições?)

Os dirigentes da UE, esses metem nojo; antes, pela vassalagem,; agora, pela estupidez e a desesperada tentativa de fuga para a frente que iremos ver como acaba (talvez acabe com a UE, infelizmente): um Macron em perda em África, a aproveitar-se do vazio temporário da Alemanha, apoiado na desorientada Inglaterra. Dos grandes países parece ser a Itália e a Polónia (em circunstâncias diferentes) que melhor sabem o que querem (ou não querem). 

Dirigentes da UE abaixo de cão: Leyen, uma abusadora descarada, o que é uma vergonha para os líderes europeus eleitos; Costa, tão fala-barato lá como cá, zero em substância, 20 em parlapatice; para não falar das duas coisinhas que arranjaram para as relações exteriores e mantiveram a presidir ao PE. Ridículos, de mão estendida, à espera que Trump lhes dê atenção, mas fingindo que não o ouvem. Putin despreza-os, e nunca tanto desprezo foi tão merecido.

3 versos de Cristóvão de Aguiar

«em outra língua  trago um sabor / a merda ressequida -- é o medo // roendo-me às ocultas como traça»

«Ouve o meu desabafo» Sonetos de Amor Ilhéu (1992)

segunda-feira, março 17, 2025

Sócrates faz bem

Fartei-me aqui de falar sobre Sócrates e dos atrasos de vida no sistema da Justiça em Portugal. A justiça acompanha o jornalismo e a política partidária na pocilga em que transformam o país. Incompetentes, medíocres e até maus.

Estou-me nas tintas para o julgamento de Sócrates. E nauseado também. Depois de tanto tempo (nem me vou dar ao trabalho de ver quantos anos já passaram), é agora que vai haver julgamento? E, provavelmente, com a expertise que têm demonstrado, correndo o risco de ver o julgamento anulado. É mesmo isso que parece estarem a pedir.

Para já, Sócrates mandou-os à merda. É isto.

3 versos de José Alberto Oliveira

«A tarde afoga-se na marina do Vieux Port, / acontecem desavenças por tão pouco, / rosas que murcham no íntimo de Maio:» 

«Como regressei de Marselha, incólume, quase», O que Vai Acontecer? (1997) 

domingo, março 16, 2025

Camilo Castelo Branco, no dia do bicentenário

Rafael Bordalo Pinheiro
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Bairro Alto, Lisboa, 1825 – São Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão, 1890).

Escritor completo, cultivou todos os géneros literários: é o efabulador romântico de Romance de um Homem Rico (1861) e Amor de Perdição (1862), o escritor realista de A Queda dum Anjo (1866) ou O Retrato de Ricardina (1868), o romancista “histórico” de A Filha do Regicida (1875), o autor ironicamente à la page com o naturalismo em Eusébio Macário (1879) e A Corja (1880); é o poeta de Nas Trevas (1890); o dramaturgo de O Morgado de Fafe em Lisboa (1861); o folhetinista de cordel de Maria! Não me Mates que Sou Tua Mãe (1841); o polemista de O Clero e o Sr. Alexandre Herculano (1850) ou Vaidades Irritadas e Irritantes (1866); o memorialista das Memórias do Cárcere (1862); o crítico de Esboços e Apreciações Literárias (1865); o biógrafo de D. António Alves Martins – Bispo de Viseu (1870); o epistológrafo da Correspondência com Vieira de Castro (1874); o antologiador do Cancioneiro Alegre (1879); o historiador comprometido do Perfil do Marquês de Pombal (1882); o publicista de O Vinho do Porto (1884)…

Entre as convulsões da Guerra Civil e a agonia do Ultimato, o Portugal do século XIX, dos Cabrais à Regeneração, espelha-se na obra de Camilo. Mas, erudito, vem de trás, das crónicas vigiadas de Fernão Lopes aos cartapácios fantasiosos de Frei Bernardo de Brito; prosador exímio e mestre da língua, é herdeiro do Padre António Vieira e está também na génese de Aquilino Ribeiro; instável, sarcástico, violento e ao mesmo tempo lírico, encerra uma verdade envolta em fingimento que não deixa indiferente o leitor do século XXI.  

É um dos génios tutelares da cultura portuguesa. O seu nome próprio, Camilo, tem dimensão idêntica aos de Camões, Vieira, Bocage, Garrett, Antero, Eça, Cesário ou Pessoa. Amor de Perdição emparceira em peso e relevância canónicos com Os Lusíadas, Menina e Moça, Viagens na Minha Terra, Os Maias, O Livro de Cesário Verde, , Clepsidra, Mensagem, Andam Faunos pelos Bosques, A Selva, Mau Tempo no Canal, Sinais de Fogo, Para Sempre – clássicos absolutos. Escritores como Teixeira de Pascoais, Aquilino, Vitorino Nemésio, José Régio, João de Araújo Correia, entre muitos outros de primeira água, sentiram-se interpelados pelo génio do «colosso de Seide», dedicando-lhe estudos de amplitudes várias; também artistas plásticos como Roque Gameiro, Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Leal da Câmara, Diogo de Macedo, Tom, João Abel Manta ou Mário Botas não lhe ficaram indiferentes.

O tempo, ele próprio – em boa parte graças aos jornais e às bibliotecas itinerantes, primeiro, ao audiovisual e aos curricula escolares, depois – encarregou-se de tornar o acervo literário de Camilo em elemento identitário dos portugueses, o que se verifica quando a cultura popular se deixa impregnar pela criação erudita, e vice-versa. Esse intercâmbio fecundo é a glória dos criadores: por um lado assegura a perenidade do seu nome e de parte da sua obra; por outro, acrescenta densidade à comunidade nacional em que o autor e os seus livros se fizeram.

O legado artístico camiliano constitui-se como património incomparável. O mesmo se passa com outras manifestações seculares equivalentes em importância: das cantigas de D. Dinis e os autos de Gil Vicente à obra romanesca dos nossos maiores escritores contemporâneos; das gravuras rupestres do Vale do Côa aos projectos de Siza Vieira, passando pelos painéis de Almada Negreiros; das sonatas de Carlos de Seixas às sinfonias de Luís de Freitas Branco e à guitarra de Carlos Paredes; dos retábulos da escola de Nuno Gonçalves às telas de Júlio Pomar, dos retratos de Columbano aos cartoons do seu genial irmão, Rafael Bordalo Pinheiro – a cultura portuguesa não é susceptível de ser apreendida sem estas, e outras, manifestações do espírito. Assim com Camilo Castelo Branco.


Texto inédito, datado de 31-V-2010

sábado, março 15, 2025

Django Reinhardt, «Blues For Ike»

fragmentos

«Quem a vida lava / Que vidas oculta?» Liberto CruzÚltima Colheita -- «Livro de Registos» (2022)

«Pátria é a soma de interesses nobres, de deveres sagrados, de justas aspirações, de puras finalidades, de ideal e sonho, em que a tua actividade e a tua ventura não diminuem, antes servem, a ventura dos do teu sangue e a das outras Pátrias.» Augusto Casimiro, O Livro dos Cavaleiros -- «Da Pátria» (1922)

«Há uma espécie de indulgência que é a indulgência do desinteresse. Uma indulgência mil vezes nefasta -- porque igualiza tudo e todos.» José Bacelar, Revisão 2 -- Anotações à Margem da Vida Quotidiana -«Prefácio» (1936)

sexta-feira, março 14, 2025

4 versos de Fernando Namora

«A infância foge dos braços / mas o peso continua: / é a vida que pergunta / quando acaba.» 

«Evidência», Marketing (1969)

quinta-feira, março 13, 2025

King Oliver's Creole Jazz Band, feat. Louis Armstrong, «Chimes Blues»

3 versos de Fernando Grade

 «A barba do cão faz anos / e nesses cabelos a crescer / ficamos todos mais velhos.» 

«Há livros perversos que mordem o pêlo do cão», O Livro do Cão (1991)


quarta-feira, março 12, 2025

3 versos de Cesário Verde

«Lembra-me, de manhã, quando nas praias anda, / Por entre o campo e o mar, bucólica, morena, / Uma pastora audaz da religiosa Irlanda.» 

«Manhãs brumosas», O Livro de Cesário Verde (1887)

terça-feira, março 11, 2025

Peter Gabriel, «Intruder» (New Blood Version)

o que está a acontecer

«Desde as quatro horas da tarde, no calor e silêncio do domingo de Junho, o Fidalgo da Torre, em chinelos, com uma quinzena de linho envergada sobre a camisa de chita cor-de-rosa, trabalhava. Gonçalo Mendes Ramires (que naquela sua velha aldeia de Santa Ireneia, e na vila vizinha, a asseada e vistosa Vila-Clara, e mesmo na cidade em Oliveira, todos conheciam pelo "Fidalgo da Torre") trabalhava numa novela história, "A Torre de D. Ramires", destinada ao primeiro número dos "Anais de Literatura e de História", revista nova, fundada por José Lúcio Castanheiro, seu antigo camarada de Coimbra, nos tempos do Cenáculo Patriótico, em casa das Severinas.» Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires (1900)

«O Sr. Silva, inquieto e resfolegando como um hipopótamo, passeava no seu escritório. O seu traje era muito simples: andava de cuecas e alpercatas de estopa com sola de cortiça. Este vestido, conquanto singelíssimo, e o primeiro talvez que se seguiu ao que trajou Adão no Paraíso, dava-lhe ares dum sátiro voluptuosamente gordo.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

«A torre da Sé deformou-se: o granito aliado à névoa, a névoa de mistura com a noite, abriram arcarias, alongaram as portas,  e fizeram dos restos da muralha antiga um tropel caótico. É um amálgama de realidade e pesadelo, trapos de nuvens e palácios desmedidos.» Raul Brandão, A Farsa (1903) 

a entrevista de Montenegro

Ficaria de mal com a minha consciência se, depois de ouvida a entrevista, não acrescentasse ao que aqui escrevi o seguinte: dando de barato que o PM disse a verdade e que as explicações foram convincentes, resta apenas isto: teríamos de confiar na palavra do PM de que sempre exerceu as suas funções com honestidade e que quando um potencial conflito de interesses se antevia, ele se abstinha de  tomar parte nas respectivas decisões concernentes. No entanto, resultaria bizarro se a nação não tivesse outro remédio senão a confiança na palavra dada do governante, quando esse governante, por via conjugal ou outra, beneficiou de um estipêndio a que absolutamente se deveria eximir. 

3 versos de Florbela Espanca

«Lá passa a doida cantando / Num suspiro doce e brando / Que mais parece chorar!» 

«A doida», Antologia Poética (ed. Fernando Pinto do Amaral)

4500 euros x quantos meses?

Não há volta a dar: são 4500 euros por mês no orçamento familiar, enquanto primeiro-ministro, mas já antes como líder do PSD, entregues por uma sociedade que tem negócios que dependem de confirmação estatal.  Não querem eleições? Ainda bem. Demita-se o PM e apresente o partido um nome para formar novo governo. Está o caso resolvido. Com eleições, será um merecido massacre: 4500 euros vezes quantos meses? O líder de um partido de governo a ser subvencionado por uma empresa que tem negócios com o Estado? Onde é que há ponta por onde se pegue?... Como disse António Filipe -- eleito deputado também com o meu voto, felizmente --, ninguém é obrigado a ser primeiro-ministro. 


segunda-feira, março 10, 2025

por aí


Mário Domingues

 

4 versos de Carlos Queirós

«Canto a cálida calma do teu corpo, / Deitado na praia; / A fina brisa que te ondula a saia, / O Sol que queima a tua pele!» 

de «Sete caprichos para ela», Desaparecido (1935)

domingo, março 09, 2025

«Redemption Song» (Bob Marley)

serviço público: "Portugal à deriva na tempestade -- quatro notas de leitura" (Viriato Soromenho Marques)

"Nem os fanáticos que queriam declarar guerra ao império britânico, na sequência do Ultimato de 1890, nem o furioso Afonso Costa, colocando Lisboa a ferro e fogo em maio de 1915 para enviar, por decisão unilateral, milhares de soldados analfabetos para a Flandres, se comparam à façanha do mesquinho consenso nacional que vai de António Costa a Rui Tavares, numa contemporânea demonstração da veracidade da tese de Unamuno que considerava ser Portugal um país de suicidas."

aqui

sexta-feira, março 07, 2025

Byron Stripling, «West End Blues»

defesa europeia, ou começar a casa pelo telhado

Ao contrário do que escrevem para aí uns asnos todos os dias, a unanimidade de ontem  quanto ao rearmamento europeu é muito mais aparente do que efectiva. É facílimo concordar com empoderamento (peço desculpa pela palavra horrível) europeu quando se embrulha a Ucrânia com a Gronelândia e o Árctico com o Sahel...

Quando for a doer é que se vai ver, já dizia o Shakespeare: quem comanda quem e o quê, e quem é comandado, contra quem, onde e como. Minudências...

Como até a minha boxer já percebeu, não é possível uma política externa e de defesa comum com esta União Europeia -- felizmente, acrescento, porque se é para isto, mais vale deixar como está.

Continuam sem perceber um boi, estas andorinhas do jornalismo. Mas não são as únicas (ainda ontem, ao ouvir o quase sempre lastimável debate com Agostinho Costa, malgré lui). Tenho aliás aprendido que há tetrápodes que riem e burricos que moderam.

4 versos de José Pascoal

«Pertences / Ao comum dos mortais / Que contam os silêncios / Pelos dedos das mãos.» 

«Na segunda pessoa», Sob Este Título (2017)

correspondências

(Frei João Álvares aos monges de Paço de Sousa, 1467) «Aos filhos amados em Deus, monjes do moesteiro de S. Salvador de Paço de Sousa, da ordem de S. Bento, saúde e bênção em Nosso Senhor Jesu Cristo. Certo é que Nosso Senhor Deus, por sua bondade e misericórdia, ordenou que todos assi fôssemos juntos, como somos, polo legamento da caridade, pola (qual) eu cá onde ando, e vós lá onde estais todos a reveses possamos gouvir de nossos benefícios e orações, e que eu convosco e vós comigo nos hajamos de salvar, e que todos juntamente, feitos executores do que prometemos, possamos receber a glória que nos é prometida se perseverarmos com boa obediência nos santos mandamentos da regra.» in Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal (1965)

(José da Cunha Brochado a desconhecido, 1696) .../... «Estas reverentes vozes na fé do indulto deste dia mereçam, meu Senhor, alguma dissimulação na graça de V. Ex.ª, a cujos preceitos quer a minha obediência ter a ousadia de resignar-se. Deus guarde a V. Ex.ª muitos anos / 7 de Maio de 1696.» Cartas**

(Eugénio de Andrade a Jorge de Sena, 1955) .../... «E, para que lhe não fique a menor dúvida, dir-lhe-ei só mais isto -- um dos poemas do livro, suponho que o intitulado Frente a frente, é-lhe dedicado -- bem assim como todo o livro à Sofia -- dedicatórias essas que retirei, por razões óbvias, nas cópias que mandei. Quando o livro for publicado você encontrará tais dedicatórias no seu lugar.» .../... Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena*


** ed. António Álvaro Dória, 1944

* ed. António Oliveira, 2015

quinta-feira, março 06, 2025

4 versos de Carlos Queirós

«Na cidade nasci; nela nasceu / A minha dispersiva inquietação; / E o meu tumultuoso coração / Tem o pulsar caótico do seu.» 

«Cidade», Desaparecido (1935)

quarta-feira, março 05, 2025

3 versos de Armando Taborda

«escondes-Te / em tudo o que há / para não Te mostrares» 

Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1986)

terça-feira, março 04, 2025

6 versos de José Régio

«E uns olhos que era difícil, / E era admirável, / Fitar. / Contava dum outro Reino, / E ensinava / Um novo modo de amar.» 

«Quando Deus fala», As Encruzilhadas de Deus (1936)

ucraniana CCLXXXV - falemos da "ameaça russa" à Europa, e dos alertas necessários

Existe uma ameaça russa? Existe pois! Vejamos:

1. Quando o compromisso -- tomado com Gorbachev! -- de os Estados Unidos não expandirem a Nato para a área do antigo Pacto de Varsóvia é desprezado...;

2. Quando as plataformas para mísseis são colocadas em países como a Polónia com o argumento de servirem sistemas defensivos relativamente a possíveis ataques do Irão...;

3. Quando um homem de Washington, que ocupava então a presidência da Geórgia, avança com tropas sobre território russo, provocando a resposta que se conhece...;

4. Quando são rasgados os Acordos de Minsk, subscritos por Rússia, Ucrânia, França e Alemanha, sem nenhuma intenção destes de serem cumpridos, segundo confessaram, enganando uma vez mais os russos...;

5. Quando a desestabilização política é fomentada por ong's na própria Rússia, na Bielorrússia, no Casaquistão, na Geórgia, na Ucrânia -- aqui com a visível intervenção política dos americanos no terreno, com a deposição do presidente eleito, o que leva à subsequente ocupação e anexação da Crimeia (após referendo que obviamente a Rússia ganharia sempre, sem precisar de recorrer a fraude), seguindo-se as intervenções nos oblasts separatistas do Donbass...;

Depois, foi a guerra.

Sim, a Europa, principalmente agora com a nova política americana, tem todas as razões para temer a "ameaça russa", uma vez que a Rússia não vai deixar-se imolar como cordeiro para a Páscoa, no que faz muito bem.

Mas o que a Europa realmente deve temer, são os seus dirigentes: em negação, Starmer quer mandar britânicos para o matadouro; Macron propõe, com falsa candura, uma trégua aos russos por um mês, uma grande oportunidade, segundo eles, para Putin mostrar a sua boa-fé -- como se ele estivesse ávido de reconhecimento por parte destes indivíduos; como se a Rússia não estivesse a ganhar no campo de batalha -- trégua para quê?... Ursula von der Leien, que faz de estadista eleita, dirige -- pretende dirigir e deixam-na -- a política europeia de defesa, como se tal lhe fosse atribuível. E por estes três me fico.

Trump acaba de suspender a transferência de meios militares para a Ucrânia por tempo indeterminado. O plano europeu que Starmer apresentará ao POTUS deverá ter um lindo destino, o caixote do lixo, se é que nesta altura ainda exista. Boots on the ground sob a protecção americana. Faz rir, certo? 

Menos graça é ouvir comentadores sem vergonha e incompetentes -- é difícil ver tanta incompetência e cegueira juntas -- falarem da tal ameaça russa, da potência invasora e da vítima invadida, da sensibilização da opinião pública e dos eleitorados, e do "medo" da Europa, segundo estes valentões das dúzias. A propaganda desbragada vais continuar, a não ser que a paz se estabeleça rapidamente, por acordo ou capitulação. Vai continuar a lavagem ao cérebro e será bom que os povos da Europa estejam atentos para onde os querem levar.

E dialogar com a Rússia, não?... Basta olhar o mapa e ver o que era a ocupação da Crimeia e do Donbass, e o que é agora, ao fim destes três anos. Que estúpidos...

segunda-feira, março 03, 2025

Abbey Lincoln, «Live for Life»

e que viva o Brasil, o Brasil são, o Brasil democrático, o grande Brasil!

Como já muitos disseram, «Ainda estou Aqui» não precisava de Óscar nenhum para ser o grande filme que é, de que não gostam os bronco-fascistas brasileiros e portugueses nem o fanatismo totalitário woke. Viva Walter Moreira Salles, Marcelo Rubens Paiva, Fernanda Torres e todos os outros. E viva eu, que tenho raízes no grande Brasil também da escravatura!


Arturo Holmes


6 versos de José Agostinho Baptista

«ainda me perturbam todos os nomes e as regiões agora / desabitadas / gente que vi partir deixando o olhar parado à volta / nas encostas e nos telhados vermelhos / gente perdida nas altas escarpas do norte e / no passado interminável...»

«Nunca mais sossegou a minha vida», Deste Lado Onde (1976)

domingo, março 02, 2025

"Napoleão" 1/3

Recebo da Gradiva, o tomo III de Napoleão, com texto de Noël Simsolo (1944), desenhos de Fabrizio Fiorentino (1973), com supervisão de Jean Tulard (1933), um dos mais destacados historiadores deste período da História iniciado com a Revolução Francesa. 

aqui escrevi que Napoleão Bonaparte (1769-1821) é uma das poucas personagens de carne e osso que compara com as grandes personagens da ficção, de Ulisses a Dom Quixote, tal a desmesura da sua personalidade e do efeito da sua acção, que ainda hoje continua a marcar o Velho Continente, do edifício judiciário à mentalidade geopolítica -- veja-se a Guerra da Ucrânia. Contextualizando um pouco mais, Napoleão, génio político e militar -- embora nem todos assim o considerem tal, como Tolstói em Guerra e Paz (1869) -- perdura no imaginário comum ocidental, e não só, de conquistadores, guerreiros e e estadistas lendários, de Alexandre o Grande e Júlio César a Carlos Magno e Gengis Khan, Carlos V ou mesmo Luís XIV.

O resultado final é bastante bom, mesmo se o traço de Fiorentino não seja o que mais aprecio, mas é uma subjectividade minha; o trabalho conjunto, muito difícil numa obra de cariz biográfico como esta, estou a pensar, por exemplo, nas dificuldades da découpage, que foram muito bem contornadas, em favor da fluidez da narrativa.

O primeiro tomo compreende o período que vai da infância na Córsega, período controverso quanto a informações fidedignas, à retirada do Egipto para ganhar a França.

sábado, março 01, 2025

Bruce Springsteen, «Jackson Cage»

o que está a acontecer

I- «Em 1815, um dos mais abastados mercadores de panos da Rua das Flores, na cidade do Porto, era o Sr. António José da Silva. E, a 23 de Agosto do mesmo ano, o negociante da Rua das Flores que mais suava e bufava aflito com a calma era o mesmo Sr. António José da Silva. O Sr. António, como os seus caixeiros o chamavam, tinha razão para suar. As bochechas balofas e trémulas, dilatadas pelo calor do Estio, ressumavam-lhe um suco oleoso, que descia em regos pelos três rofegos da barba e vinha aderir à camisa às duas grandes esponjas, que formavam os seios cabeludos do nosso amigo atribulado.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

«Ai que ma levam! / É o único grito que irrompe do escuro, lúgubre, aflitivo, raspado. Depois o silêncio, a mudez concentrada da noite, a nuvem negra coalhada sobre as ruínas da vila toda lavada em lágrimas. Só aquele grito ressoa na praça solitária.» Raul Brandão, A Farsa (1903)

«Depois, demorando nele os olhos pestanudos e pretos: / -- Oh Jacinto "Galeão", que andas tu aqui, a estas horas, a rebolar pelas pedras? / E Jacinto, aturdido e deslumbrado, reconheceu o senhor infante D. Miguel! / Desde essa tarde amou aquele bom infante como nunca amara, apesar de tão guloso, o seu ventre, apesar de tão devoto, o seu Deus!» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póst., 1901)  

sexta-feira, fevereiro 28, 2025

ucraniana CCLXXXIV - Zelensky esqueceu-se de que era o moço de fretes dos Estados Unidos

Não foi bonito, mas foi muito bem feito, e lembrou-me de quando o Zelensky tinha encontros com estes patéticos dirigentes europeus, ou era recebido nos seus parlamentos, e  se achava à vontade para dar reprimendas aos anfitriões. Pois não era ele o moço de fretes dos Estados Unidos?

Não sei se ele caiu numa armadilha, nem me interessa. Fartos do presidente ucraniano, Vance disse-lhe o óbvio: era o tempo da diplomacia -- essa mesma diplomacia que Biden não autorizou que prosseguisse na Turquia. Pois não era o objectivo daqueles idiotas infligir uma "derrota estratégica" à Rússia? Era. E Zelensky, como moço de fretes, obedeceu, secundado pelos lacaios da UE.

E Trump disse a verdade àquele aldrabão/incompetente/inconsciente (riscar o que não interessa): quer ele estava a brincar à III Guerra Mundial. Ou já se esqueceram dos pedidos/exigências da no fly zone, que poria a Nato em guerra directa com a Rússia? Esta foi uma das primeiras das muitas brincadeiras de Zelensky.

Carlos Branco num dos seus textos, classificou Zelensky como um instrumento da administração Biden; eu chamo-lhe o mesmo, sem carícias: moço de fretes. 

O frete deixou de ser preciso, e Zelensky ou assina ou assina -- caso contrário é deixado à sua sorte. De qualquer modo, o destino da Ucrânia está traçado, graças à inteligentíssima estratégia de Biden e dos idiotas da UE, com a activissima colaboração do Zelensky: um país amputado e controlado pela Rússia, ou amputado pela Rússia e o remanescente subjugado pelos Estados Unidos. Brilhante!

A União Europeia cacareja. E a verdade é que não pode fazer outra coisa -- não por estar desarmada, mas pelo que tenho referido: não é um país ou uma federação. Países com interesses diferentes não podem ter uma política externa comum. Mas isto fica para depois.

e a propósito da USAid, alguém voltou a ouvir falar dos lutadores pela liberdade e democracy na Geórgia? Não?...

Falta-lhes o subsílio (como diz o povo) da benemérita USAid, que parece financiava também ópera transgénero na Colômbia, que deve ser uma coisa maravilhosa de se ver e ouvir.

Nobel da Inclusão para o Joe Biden, já!

-- Ah, mas o gajo é o porco que queria provocar uma derrota estratégica à Rússia, até ao último ucraniano...

- E isso que interessa?!... 

(Nota: é possível que a USAid tenha actividades meritórias. Não sei, não fui ver. Na verdade, estou-me nas tintas.)

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«Quando falas / uma brisa furtiva povoa a casa» 

Nascente da Sede (2000)

quinta-feira, fevereiro 27, 2025

Crosby, Stills, Nash & Young, «Déjà Vu»

oh, o PCP e as autárquicas em Lisboa...

Mas por que diabo iria o PCP aliar-se em Lisboa com os amigos do Zelensky -- o mesmo é dizer -- o homem da nato em Kiev, estúpida e imbecilmente apoiado entre nós, do Chega ao Bloco, sempre às ordens e de cu para o ar? Só se não tivesse coluna vertebral... Digo eu, que voto onde me apetece, e ainda não tenho candidato em Cascais.

E lá se vai também outra oportunidade para fazer de Junho o mês arco-íris em Lisboa (o grande projecto do Livre, quando fez caminho  com Medina). Pobre Lisboa, pobres sardinhas, pobres varinas de outrora, pobres duendes... 

Mal por mal, antes o Moedas, vigiado pelo CDS, é claro.

4 versos de Fernando Namora

«Na varanda do vizinho / todas as manhãs / canta / a rola da minha infância.»  

«Canto», Marketing (1969)

quarta-feira, fevereiro 26, 2025

os interesses permanentes de Portugal situam-se no Atlântico e na Ibéria, não na Europa Oriental, nomeadamente na Ucrânia -- ou seja:

Agora que parece avizinhar-se o fim da Guerra da Ucrânia, através da previsível entente entre os Estados Unidos e a Rússia, convém lembrar a políticos loquazes como Marcelo Rebelo de Sousa (e aos papagaios do comentário, se tivessem vergonha e competência) que os interesses permanentes de Portugal e o seu espaço geopolítico principal são o Atlântico e a Ibéria -- esquematicamente: Estados Unidos (mais do que a Inglaterra, por razões óbvias), a Espanha, estado multinacional, e os países da CPLP. A Ucrânia para Portugal, país que assinalará os seus 900 anos em 1128 (Batalha de S. Mamede -- e não em 1143, como pretendem para aí uns chungas) -- para Portugal, a Ucrânia representa aproximadamente zero. Bem sei que já não estamos no Século XIX, mas a História e a Geografia continuam -- e de que maneira.

É claro que não podemos ignorar que somos um país europeu e que pertencemos à União Europeia. Esta (ainda) é uma extraordinária construção política, e é também uma associação de estados independentes com interesses próprios, por vezes conflituantes. Não é uma confederação, e muito menos uma federação. E também já vi o seu fim mais longe.

Há, na União Europeia quem queira a guerra com a Rússia (coitados). Se os bálticos, os finlandeses, os escandinavos ou os polacos, por razões e medos históricos querem guerra, eles que a façam; se a França quer tirar desforço por estar a perder posições em África por causa da Rússia, ela que se enterre sozinha, que a nós não nos interessa nada. O perigo islamita radical, larvar mas real no Magrebe, tanto é combatido por franceses como por russos, estes talvez o façam até melhor, e pelo menos não têm contra si o pó dos antigos países colonizados  


bonecos


3 versos de Rui Knopfli

«Amo-te cidade da infância, / com girassóis e casas de madeira e zinco / a dormir na neblina da memória.» 

«Carta para um amor», O País dos Outros (1959)

estampanços


André Carrilho, Fado



 

terça-feira, fevereiro 25, 2025

vária

«Sem boas estradas não se pode fazer a guerra, tão grande é a influência que o motor exerce nesta luta devastadora e gigantesca. Se a gasolina desaparecesse, a guerra não poderia continuar. Faltava-lhe o camion, e sem camions não há, no nosso tempo, possibilidade de alimentar exércitos com rapidez.» Adelino Mendes, «A cidade d'Albert», (A Capital, 29-III-1917), Repórteres e Reportagens de Primeira Página (s.d.)

«Só tenho pena de não me restar o tempo necessário para ver em que tudo isso vai dar. Bem que gostaria. / Oitenta anos vividos intensa, ardentemente, de face para a vida, em plenitude. Minha criação romanesca decorre da intimidade, da cumplicidade com o povo. Aprendi com o povo e com a vida, sou um escritor e não um literato, em verdade sou um obá -- em língua iorubá da Bahia obá significa ministro, velho, sábio: sábio da sabedoria do povo.» Jorge Amado, Navegação de Cabotagem (1992)

«E os olhos delas perecem dizer-me: "Recordas-te", trémulos, querendo falar... Disse-me um dia Henri Heine, prosseguindo no meu espírito esta identificação perturbadora, entre as floritas mudas e a alma errante dos mortos que nos foram caros: "Os perfumes, meu filho, são os sentimentos das flores. Assim como as emoções do coração são mais profundas de noite, se estamos sós e sem testemunhas, assim as flores parecem esperar que escureça, para no espaço exalarem seus perfumes, almas nostálgicas de noivas!, numa fantástica ronda de divagações emotivas."» Fialho de Almeida, «Pelos Campos», O País das Uvas (1893)

atrasos de vida

Desde o início da guerra entre os EUA e a Rússia na Ucrânia que muito se tem falado em Munique '38 e o nefasto apaziguamento de Hitler, que se verificava já pelo menos desde 1936, com a reocupação do Ruhr. A equiparação é fácil de entender, Putin o novo Hitler, e, claro, associando-lhe características idiossincráticas e ideológicas do estafermo austríaco: insânia, espaço vital, superioridade rácica e todo o folclore, para sugestionar simplórios. Que pivôs feitos jornalistas à pressão ou uns quantos pobres de Cristo do direito ou das relações internacionais o digam, ao fim de três anos de estupidez começa a ser tradicional; que historiadores de meia-tigela venham com comparações fáceis mas erradas, é uma nódoa de que não poderão limpar-se. 

(Lembram-me outros historiadores que no seu activismo se esqueceram de que o eram,  contestando a palavra/expressão Descobrimentos para designar uma parte fundamental das navegações e expansão portuguesas. Que estúpidos...)

Mas... -- há sempre um mas. Se enquanto vigorar a Nato, um ataque, por exemplo, aos países do Báltico ou à Polónia seria suicidário (e para quê, o ataque?...), não se segue que, no momento, presente Estónia, Letónia e Lituânia, com uma forte minoria de nacionais russos entre a sua população (num dos países, quase chega aos 50%), não devam ter em atenção o tipo de política que a estes é dirigida, e não fazer como na Ucrânia, perseguição, proibição, massacre até -- sem dúvida o que levou as autoridades russas a falarem com merecido desprezo da necessidade de desnazificação. (Também há para lá nazis, embora os propagandistas de cá digam que não). 

Ontem ouvi o major-general Agostinho Costa referir-se a este pormaior; e seria bom que estes mini-estados resistissem à tentação fácil. Se é a guerra que eles querem -- como se fartam de gritar -- começá-la será facílimo. Imitem a Ucrânia. Destas provocações, sim, é preciso ter medo. 

4 versos de Valter Hugo Mãe

«agora eu era linda outra vez / e tu existias e merecíamos / noite inteira um tão grande / amor» 

O Resto da Minha Alegria (2003)

domingo, fevereiro 23, 2025

Nat Adderley, «Tadd»

ucraniana CCLXXXIII - a crise profunda e talvez irreversível da UE

Que a opinião pública, desenquadrada e alheia da complexidade das questões estratégicas e diplomáticas se deixasse levar como uma criança por onde um forte arsenal de propaganda de serviços secretos, ong's dissimuladas e utilização da incompetência me(r)diática a dirigia foi compreensível, pelo menos ao princípio, pois com desenvolvimento a que se assistiu qualquer bípede com dois dedos de testa percebeu que não se tratava de uma guerra da Rússia com a Ucrânia, mas entre aquela e os Estados Unidos (a minha cadela já o tinha compreendido ao fim de seis meses). Inaceitável é a incompetência e indigência de boa parte dos académicos, ou a excessiva prudência de alguns deles, mesmo sabendo que ao princípio não era nada fácil furar a barragem de fogo propagandístico que era lançada até ao absurdo.

O que assistimos agora na Europa é não apenas negação e cobardia dos grandes países, em especial França e Inglaterra, para não falar na cúpula da UE -- a Polónia mostra-se apesar de tudo mais realista, enquanto que os Países Bálticos, no seu pavor patológico, não desistiram ainda de nos arrastar para uma guerra com a Rússia. (Há que ter calma, que a Nato ainda não acabou; e só acreditarei no seu fim depois de ver.) 

Para já, o plano dos americanos é deixar-nos, europeus, com o menino nos braços e fazer-se pagar (um outro nome para pilhagem) da "ajuda" à Ucrânia, como dizem os jornalistas analfabetos. Uma win-win-win situation: levam-lhe a guerra e destruição (com cumplicidades internas e europeias, claro), sacam-lhe boa parte das terras raras e aposto como ainda terão parte de leão no reerguer do país.  

As viagens da semana que começa de Macron e Starmer aos Estados Unidos e de Sánchez e ainda von der Leyen e Costa à Ucrânia (porquê?, o que vão lá fazer? com mandato de quem?... Vai ser cómico ouvi-los.) serão muito esclarecedoras. A UE, sim, está em risco, por demissionismo de boa parte dos governos europeus que levou ao extravasar de competências da Comissão Europeia.  

Algumas desta reflexões foram suscitadas pelo esplêndido artigo do major-general Carlos Branco

«Boots of Spanish Leather» (Trevor Willmott & Juliana Richer Daily)

sábado, fevereiro 22, 2025

o que aconteceu

«Agora deitem Vossorias consultas e digam-me: quem tudo lo manda no concelho? Quem? O doutor Alípio, o filho da Ruça da Folgosela, com porta aberta aos marchantes na feira de S. Mateus. Quem recolhe boas novidades? O pele-de-asno do Bisagra com umas barreiras rabosanas, donde não valia a pena enxotar a milheira, quando ainda o mundo não andava torto.» Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas (1922)

«Oh! moços que vos dirigíeis vivamente a S. Carlos, atabafados em paletós caros onde alvejava a gravata de soirée! Oh! tipóias, apinhadas de andaluzas, batendo galhardamente para os touros quantas vezes me fizestes suspirar! Porque a certeza de que os meus vinte mil réis por mês e o meu jeito encolhido de enguiço, me excluíam para sempre dessas alegrias sociais, vinha-me então ferir o peito -- como uma frecha que se crava num tronco, e fica muito tempo vibrando!» Eça de Queirós, O Mandarim (1880)

«À saída da aldeia, recuou estarrecido. Vira um fantasma branco a destacar das trevas, e agachado na raiz dum castanheiro. / -- Ó Zé da Mónica, és tu? -- perguntou o suspeito fantasma. / -- Sou eu, tia Brites -- respondeu o rapaz suspirando ofegante. / Credo! Que medo você me fez!» Camilo Castelo Branco, Maria Moisés (1876-77) 

sexta-feira, fevereiro 21, 2025

Paredes toda a semana: «Verdes Anos»

2 versos de Camões

 «Já no largo Oceano navegavam, / As inquietas ondas apartando;»

Os Lusíadas I-19 (1572)

quinta-feira, fevereiro 20, 2025

Paredes toda a semana: «Variações em Ré Maior»

ucraniana CCLXXXIII - da política europeia na guerra da Ucrânia

Durante a administração Biden, a União Europeia fez o que a América mandou; na administração Trump, a União Europeia fará o que a América mandar e o que a Rússia autorizar.

4 versos de Sebastião da Gama

«Que não há rio nem rua nem montanha / nem floresta nem prado nem jardim / nem pensamento algum nem livro algum / em que não me apareças, sorridente.» 

«Obsessão», Pelo Sonho É que Vamos (póst. 1953)

quarta-feira, fevereiro 19, 2025

Django Reinhardt, «Night and Day» (Paris, 10.03. 1953)

ucraniana CCLXXXII - quando os fariseus choram pelo fim do Direito Internacional

Em cada hipócrita há um detestável vigarista. Ler e ouvir lamentações pelo "fim" do Direito Internacional e a prevalência do direito do mais forte, vinda de criaturas que se marimbaram para o assalto ao Iraque (quando não o apoiaram...), esses mesmos indivíduos que falam dos nossos valores, mas, em muitos casos, não tugem nem mugem quando os delinquentes do governo israelita massacram indiscriminadamente, em vindicta de contorno veterobíblica, a população inteira da Faixa de Gaza -- ler e ouvi-los sem os insultar é tarefa impossível.

ucraniana CCLXXXI - quando o pseudo-jornalismo é ao mesmo tempo tendencioso, desonesto e ignorante

Está aqui na TSF, podia ser o Público, e a imprensa quase toda. Depois de resumirem as declarações do Trump, o redactor introduz um período da sua lavra, para explicar aos mentecaptos que o lêem que ele, Trump, está a trumpar, está a mentir. Leia-se:  

«[,,,] "Hoje ouvi dizer 'não fomos convidados'. Bem, vocês [Ucrânia] estão lá há três anos. Deviam ter acabado com isto há três anos. Nunca o deviam ter começado", disse Trump sobre o conflito na Ucrânia. / A guerra foi desencadeada pela Rússia que invadiu o país em fevereiro de 2022.» (sublinhado meu)

E o pior é que este incompetente e analfabeto (ou analfabeta) provavelmente acha que está a ser honesto, que foi realmente assim, mesmo que, deixando a deontologia pelas ruas da amargura, sinta a necessidade de meter o bedelho na matéria noticiosa -- um pouco como aqueles inomináveis pivôs, que, após declarações de um convidado que diga algo diferente das convicções do criaturo, rematam com um aparte discordante a declaração que o seu convidado acabava de fazer, tendo assim -- malcriadamente e desrespeitando também os telespectadores -- a última palavra...  

Nada disto é novo, e no que respeita à guerra da Ucrânia (entre a Rússia e os Estados Unidos, q.e.d.) há três anos que estamos a aguentar esta pocilga informativa.

2 versos de Dick Hard

 «Pau Pau / Beijo Beijo»

«História breve de meretriz que trocava favores sexuais por sanduíches de queijo» /

/ De Boas Erecções Está o Inferno Cheio (2004)

Paredes toda a semana: «Sede»

terça-feira, fevereiro 18, 2025

o que está a acontecer

«Pastas sobre pastas de nuvens álgidas, que a noite transforma em crepes, amontoam-se na escuridão. O granito revê água. E sob a chuva ininterrupta, sob as cordas incessantes, a vila, envolta na treva glacial, parece lavada em lágrimas...» Raul Brandão, A Farsa (1903)

«Avançava cautelosamente, inclinando a cabeça para não tocar no tecto. À medida que se aproximava da claridade exterior, via-se que se tratava de um homem novo. O polícia sabia a sua idade exacta. Mas não era necessário ler o papel que o polícia trazia no bolso: Januário de Sousa, filho de Ana Maria e de pai incógnito, etc.; bastava deitar o rabo do olho à sua pele morena, lisa e macia, que nem a água passada a ferro na popa dos barcos, para se ver que ele não tinha mais de vinte anos, apesar de os seus olhos parecerem exaustos por não se sabia quantas madrugadas do princípio do mundo.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954)

«Seu avô, aquele gordíssimo e riquíssimo Jacinto a quem chamavam em Lisboa "o D. Galeão", descendo uma tarde pela Travessa da Trabuqueta, rente de um muro de quintal que uma parreira toldava, escorregou numa casca de laranja e desabou no lajedo. Da portinha da horta saía nesse momento um homem moreno, escanhoado, de grosso casaco de baetão verde e botas altas de picador, que, galhofando e com uma força fácil, levantou o enorme Jacinto -- até lhe apanhou a bengala de castão de ouro que rolara para o lixo.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póst., 1901)

Paredes toda a semana: «Mudar de Vida»

segunda-feira, fevereiro 17, 2025

por aí


Gérard Castello-Lopes
Algarve, 1957

 

Paredes toda a semana: «Dança da Aldeia»

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«as veias dos mapas  são fundas / como minas abandonadas» 

Nascente da Sede (2000)

sábado, fevereiro 15, 2025

o que vai acontecer

«E uma ideia nasceu no cérebro velho do pastor esfaimado. Tosas as ovelhas eram iguais, feitas por Deus: então, porque baliam as suas de fome e as do vizinho de fartura? E não achava resposta boa para mistério tamanho. Não pensava em si, na sua fome; se os homens eram também iguais, por as ter a todos feito o mesmo Deus, não sabia ele, nem isso o preocupava.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1948)

«A lavadeira voltou para a realidade ao meter as mãos na água. O Inverno só agora começava e o riacho gelara já nalguns sítios. O frio, excitado como um animal selvagem que se apanha finalmente à solta, rasgava-lhe a pele e mordia-lhe os ossos. Escurecia, mas a Alice não podia parar. A roupa era muita.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)

«Parece que há duas sortes de vocação, as que têm língua e as que a não têm. As primeiras realizam-se; as últimas representam uma luta constante e estéril entre o impulso interior e a ausência de um modo de comunicação com os homens. Romão era destas.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)

King Oliver, c/ Louis Armstrong, «I'm Going Away To Wear You Off My Mind»

ucraniana CCLXXX - o telefonema de 7 minutos de Trump a Zelensky e o 'jornalismo' doloso

Se o jornalismo era já uma actividade pouco prestigiada e prestigiante, não obstante a percentagem reduzida de grandes profissionais que sempre se verificou existir, é já uma banalidade referir o quão fétida e cadaverosa está uma actividade que deveria ser nobre, mas que se degrada e prostitui todos os dias, a todas as horas. Ainda hoje ouvi um rui qualquer do Expresso, que pouco mais deve saber do que contar até dez a evolucionar verbalmente sobre a Conferência de Munique... 

No que respeita à guerra da Ucrânia os exemplos de incompetência e principalmente ignorância são diários -- e estou a referir-me apenas a jornalistas, dos pivôs, quase todos uma desgraça, aos patéticos enviados especiais.

Mas há subtilezas que mostram a má-fé e o propósito de confundir e esconder. Por exemplo: os já célebres telefonemas de Trump a Zelensky. Nessa madrugada ouvi num canal, que neste momento não posso jurar qual tenha sido (muito zapping tenho feito nos últimos dias), que amalgamava os dois telefonemas, referindo-se à duração de hora e meia. No fim, ficara com uma estranha sensação de que Trump falara longamente com ambos, achando estranho a coincidência da duração idêntica de ambos, a tal hora e meia, foi assim que a coisa ficou a pairar. Às vezes há coincidências... Foi preciso, no dia seguinte, ouvir Agostinho Costa, para ficar a saber que de facto, a conversa com Putin durara noventa minutos, enquanto Zelensky foi despachado em sete-minutos-sete.

É risível? Quase, mas não há aqui nenhuma novidade. Estes três anos de guerra não se caracterizam apenas pela manipulação da informação que as partes fazem, mas da activa participação nesse renegar do jornalismo sério em que tem participado uma extensa parte dos profissionais, todos os dias e a todas as horas.

sexta-feira, fevereiro 14, 2025

4 versos de Luísa Dacosta

«Só o voo dos meus olhos / te persegue / e tenta / trazer-te até mim.» 

«Tentativa», A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

quinta-feira, fevereiro 13, 2025

Dieter Fischer-Dieskau com Coro de Câmara dos Países-Baixos, «Arbeiterchor» (Liszt)

ucraniana CCLXXIX - o amigo americano

O amigo americano da Ucrânia usou-a primeiro para impor uma "derrota estratégica" à Rússia. Serviu-se para isso, não apenas dos neo-nazis da terra, como dos fantoches europeus que fizeram o que o amigo lhes mandou fazer. Com a provocação à Rússia conseguiram um país destruído, milhares de mortos e amputação de uma parte do território (tudo isto tem o que se lhe diga). Para compensar tanta ajuda, o novo amigo americano decide ser reembolsado. É ou não é um génio, o Zelensky? Os vigaristas e os analfabetos que por cá comentam acham que sim.

Entretanto, nunca esta crise me deu tanta vontade de rir ao ouvir o secretário-de-estado da Defesa na reunião da Nato. Não tive a ventura de ver as carinhas dos ministros presentes, a começar pela do nosso, que nesta questão da Ucrânia foi sempre um atraso de vida, para não destoar.

Vi também o horrífico eunuco que está como sec-geral da Nato a ameaçar ameaçadoramente Putin, que se atacasse um país da Nato a resposta seria esmagadora, etc. Ora se há uma coisa que Putin não tem é estupidez e cretinismo, Se ele joga xadrez, este patetas nem o chinquilho.

No entanto, percebe-se que há alguns que não vão largar o osso e continuar a hostilização da Rússia à espera que mude a maré. Parece, porém, que esta amizade se estenderá, depois de Trump a Vance, sem esquecer o que se desenha por essa Europa. Mas isso já é outra história.

quarta-feira, fevereiro 12, 2025

2 versos de José Régio

«Procurei fugir de mim, / Mas sei que sou meu exclusivo fim.» 

««Poema do silêncio», As Encruzilhadas de Deus (1936)

terça-feira, fevereiro 11, 2025

Peter Gabriel, «San Jacinto»

o que está a acontecer

«A luz, ao entrar, varreu os pontos que o ralo projectava ali, uns pontos brancos aglomerados no jeito das cavidades dos favos e que constituíam a única luminosidade existente lá dentro quando a porta se encontrava fechada. / Dois bancos laterais corriam de um extremo a outro, no interior da furgoneta. Um homem levantou-se e começou a andar em direcção à porta.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954)

«-- Ai que ma levam!, ai que ma levam! / Uma nuvem desce da serra: arrastam-se rolos pelas encostas pedregosas e depois as baforadas espessas abafam de todo a vila. E noite, cerração compacta, névoa e granito formam um todo homogéneo para construírem um imenso e esfarrapado burgo de pedra e sonho.» Raul Brandão, A Farsa (1903) 

«A sua quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo Douro, cobriam uma serra. Entre o Tua e o Tinhela, por cinco fartas léguas, todo o torrão lhe pagava foro. E cerrados pinheirais seus negrejavam desde Agra até ao mar de Âncora. Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, n.º 202.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póst., 1901)

e que tal darem a medalha devida a Angela Carini?

Refiro-me à atleta italiana a quem os guardiães do manicómio no COI arrebataram a medalha olímpica para darem a esta belíssima moçoila. Direitos humanos, não é, ó palermas? Levam (levamos todos) agora com o Trump e os mais que se avizinham. Obrigadinhos...

2 versos de Alberto de Lacerda

«Na noite, na chuva, sem ti, / sou apenas o ritmo que diz o teu nome.» 

«Depois de teres partido», 77 Poemas (1955)


segunda-feira, fevereiro 10, 2025

a autobiografia de Eric Hobsbawm - .I impressões gerais

Terminei há pouco a leitura da autobiografia de Eric Hobsbawm (1917-2012), Tempos Interessantes -- Uma Vida no Século XX (2002). Nascido em Alexandria, filhos de um judeu inglês e de uma judia austríaca, a infância e adolescência decorrem na Viena pós-imperial, terminando na Alemanha hitleriana, onde se torna jovem comunista, e da qual se desterra para o seu país, a Inglaterra, onde tinha família que só então conhece, pouco depois da ascensão nazi.

Hobsbawm foi um dos grandes historiadores do seu tempo, aliando a análise marxista de base a um espírito simultaneamente crítico e criativo e não-dogmático. Pertencem-lhe ou desenvolveu conceitos como o da dupla revolução (Revolução Industrial e Revolução Francesa), "invenção da tradição", "o longo século XIX" (1789-1914) ou o "curto século XX" (1914-1991), nas suas obras mais emblemáticas: A Era das Revoluções: Europa 1789-1848 (1962), A Era do Capital: 1848-1875 (1975), A Era dos Impérios (1875-1914) (1987) e A Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991)  (1994). Foi também pela atracção pela cultura popular e pelo ethos dos marginais que escreve a esplêndida História Social do Jazz (1959) ou  Bandidos (1969), entre outros títulos.

Nestas memórias assume erros de avaliação, como observador-historiador e como político-intelectual. Crítico acérrimo do estalinismo, mas sem nunca cair na apologia do capitalismo ou inflectir para a direita, como sucedeu com tantos intelectuais, à medida que a leitura se desenrola estamos sempre à espera que ele anuncie a sua desvinculação do Partido Comunista da Grã-Bretanha, ao qual aderiu em meados da década de 1930: por exemplo, a tomada de Budapeste pelas tropas do Pacto de Varsóvia, em 1956 (que entre nós está na origem do abandono do PCP por Mário Dionísio). Quando verificamos que ele se mantém no PCGB -- a seu modo, é claro, e como intelectual de espírito objectivo -- por ocasião da Primavera de Praga e a repressão da liderança de Dubcek e do seu "comunismo de rosto humano", percebemos que ele nunca abandonará o Partido -- com maiúscula. No fundo, é o partido que se extingue (em 1991) com ele lá dentro. Percebe-se: velho comunista, renegar o partido seria, na minha interpretação, renegar-se a si próprio e ao trajecto em que consolidou o seu edifício historiográfico: mantendo-se marxista, mantém-se no Partido Comunista, no entanto com outra distensão, diferente da do jovem militante dos anos 30 a 50. Percebe-se também que se sente atraído pelo eurocomunismo de Berlinguer, criando fortes laços com o PCI, nomeadamente com Giorgio Napolitano, intelectual que viria a ser Presidente da República já neste século.

O meu desapontamento prende-se com ausência de referências a Portugal -- apenas duas, uma das quais certeiríssima, ao caracterizá-lo, num parênteses de um capítulo sobre a Espanha, como um "país enclausurado". Não aparecer o 25 de Abril e a revolução que se lhe segue é lastimável (nessa altura andava por outras paragens, mas ainda assim). Não aparece Cunhal, para o qual suponho não tivesse já grande paciência, mas duvido que não se entusiasmasse com Vasco Gonçalves e muito provavelmente com a Reforma Agrária. Há referências indirectas à Guiné Portuguesa e aos "criminosos da Unita"; o Brasil, com um pouco mais de sorte: Prestes, Kubitschek, Niemeyer e principalmente Lula, com quem priva, deliciado com a ascensão do PT. Também não aparecem os escritores, como os comunistas mais internacionalizados, Jorge Amado ou José Saramago, já Nobel e, pela igual ausência, parece que já não terá dado pelo Pessoa do Livro do Desassossego, cujas primeiras traduções na língua inglesa datam de 1991.

Judeu nascido no dealbar do seu short century, meio inglês-meio austríaco, e no olho do furacão nazi quando o extermínio começava, comunista num irrelevante PCGB, historiador assumidamente marxista e de largo alcance, excepto para lá da Cortina de Ferro, onde só foi traduzido na Hungria (sem esquecer a Iugoslávia, outra realidade, em esloveno), noutro post farei uma recolha de frases destes Tempos Interessantes. 

(ver também aqui, Hobsbawm a propósito de Louis Armstrong)


duplo elogio a Pedro Nuno Santos, entre a falsa esquerda 'woke' e os cães-de-guarda do capital

Já me impacientei com ele, agora duplamente o elogio.

O primeiro, a propósito da suas mais do que sensatas declarações a propósito da emigração. Não me pronunciei logo, porque a circunstância de haver um desgraçado sem escrúpulos chamado André Ventura que está a subir na vida à custa da boçalidade primária ou do oportunismo dos portugueses, coibiu-me de o fazer. E, no fundo, fiz mal. Assuntos sérios -- reais ou percepcionados -- não podem ser deixados nem à pseudo-direita avinhada nem â falsa esquerda wokeE se há um problema real ou inventado que os venturas cavalgam, é obrigação de toda a esquerda decente e inteligente de o não deixar à mercê dos oportunistas incendiários de serviço.

Quando Pedro Nuno Santos, mais ou menos inabilmente, se referiu na preservação dos nossos valores culturais, eu li-o uma chamada de atenção para a precária situação das mulheres na maior parte do mundo islâmico -- 'maior parte', pois ainda agora vemos como tudo é bem diferente por exemplo entre os muçulmanos ismaelitas. Assim sendo, fez o líder do PS muito bem em elevar a fasquia para os parâmetros ocidentais at large (Portugal e a sua realidade de violência doméstica é um país subdesenvolvido do Ocidente). A suposta esquerda woke -- a começar pela que mina o PS -- caiu-lhe em cima. Em nome dos seus absurdos padrões duplos de manicómio, convive bem com a domesticação das mulheres islâmicas -- e portanto, lá teve Santos de arcar com o lixo ideológico do costume.

Agora, parece que terá falado em salvaguardar as pensões dos portugueses da economia de casino, dos fundos de investimento e de toda essa panóplia de alavancas da ganância, para choque dos azeiteiros do costume. 

Quando alguém se diz de esquerda, convém dizer coisas de esquerda. Uma delas é o da defesa das mulheres e da necessidade da sua igualdade intrínseca -- se possível contra os neo-fachos woke; a outra é mostrar repugnância pela 'economia de casino' que é uma economia de bordel, em que se movem muito bem todas as traficâncias, e cuja defesa tem também os seus rafeiros a ladrar na praça pública. 

 

2 versos de Rui Knopfli

«A minha infância é um cão malhado. / Chama-se Foxie  e ladra aos passantes.» 

«Tempo morto», O País dos Outros (1959)

domingo, fevereiro 09, 2025

«Hot House» (Charlie Parker & Dizzy Gillespie)

alhures

«"Apesar do que, e tal como está e se encontra -- com a grande mó partida e a erva a crescer por entre os tijolos da plataforma -- declara o Sr. Daudet achar o dito moinho de acordo com as suas conveniências e capaz de servir para os seus trabalhos de poesia, pelo que o aceita com todos os riscos e perigos e sem nenhum recurso contra o vendedor no tocante às reparações de que porventura careça.» Alphonse Daudet, «Prólogo», Cartas do Meu Moinho (1869) - trad. Fernanda Pinto Rodrigues

«São fabricadas por um taumaturgo que habita um continente longínquo; agora já está velho e sofre de arteriosclerose. O pobre homem aborrece-se e cada vez se torna menos ágil. / Vejo-me obrigado a dizer-te adeus...» Félix Cucurrul, «Carta de despedida», Antologia do Conto Moderno - trad. Manuel de Seabra

«Pela tarde, Gertrude Stein e eu costumávamos ir à caça de antiguidades nas lojas locais e eu lembro-me de uma vez lhe perguntar se ela pensava que eu me havia de tornar um escritor. No seu modo tipicamente crítico que tanto nos encantava, respondeu "Não". Tomei isso como um assentimento e zarpei para Itália no dia seguinte.» Woody Allen, «Memórias dos anos vinte», Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - trad. Jorge Leitão Ramos

sábado, fevereiro 08, 2025

o que está a acontecer,

«O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival. / No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando por colina e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava grão e plantava cepa em tempos de el-rei D. Dinis.» Eça de Queirós, As Cidades e as Serras (1901)

«O próprio gato, depois de ter brincado algum tempo à roda das saias da dona -- "Sape-gato, já me arranhaste!" -- pulou de leve para o lar da chaminé, e dorme agora enroscado na auréola de calor do fogareiro. / Há quantas horas dura a tarefa? Deram as onze na Sé, depois no relógio aguitarrado da casa de entrada, e as duas mãos param um instante na toalha branca, sob o comando da reflexão.» José Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso (1960)

«O polícia, que vinha sentado junto do motorista, chupou, quatro vezes seguidas, a ponta mungida do cigarro, atirou-a fora -- e desceu. Sentindo os olhares despejados lá de cima, que davam maior vaidade ao seus gestos, ladeou a furgoneta e, atrás, abriu a porta, que era chapeada e sólida como a de um cofre.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954)