Noutros
tempos, quando o país era eminentemente rural, um almanaque era,
depois do missal, o breviário que encontrava guarida em todos os
lares, concentrando numa mesma publicação tudo quanto era
necessário à travessia do ano sem percalços, da meteorologia aos
dias santos a guardar. Eça de Queirós, que escreveu sobre o assunto
como ninguém, na apresentação do Almanaque
Enciclopédico para 1896, falava de como
estes livrinhos singelos mas profusos guardavam as «verdades
essenciais que a humanidade necessita saber, e constantemente
rememorar».André
Oliveira (Lisboa, 1982) – um dos mais prolíficos argumentistas da
BD portuguesa –, ao escolher para esta colectânea o título
Almanaque, teve, por
certo, a intenção de espelhar a diversidade de que o volume se
compõe. São 24 «curtas de BD», algumas inéditas, outras
publicadas na revista Cais,
em parceria com outros tantos desenhadores: André Diniz, Rui
Lacas, Phermad, Bernardo Majer, Pedro Serpa, João Lam, Nuno Frias,
Afonso Ferreira, João Vasco Leal, Luís Louro, Patrícia Furtado,
Miguel Andrade, Daniela Viçoso, Tiago Lobo Pimentel, Selma Pimentel,
Filipe Andrade, Darsy Fernandes, Catarina Paulo, João Sequeira,
David Cerqueira, Susana Resende, Susa Monteiro e Marta Teives. Parte
destas narrativas caracterizam-se pelo humor, cujos melhores
exemplos serão o nonsense garoto do
díptico «Coisas que o t-rex não consegue fazer» e «Coisas
que o dentes-de-sabre não consegue fazer», com desenhos de Pedro
Serpa; ou ainda «Se Janeiro deixar» (com João Sequeira), a lembrar
os Gato Fedorento.
Mas
o melhor André Oliveira surge, quanto a nós, naqueles relatos em
que perpassa uma melancolia fina, uma angústia
existencial insistente, em confronto com o sentimento
trágico da vida, a sua fragilidade,
e que por isso mesmo procura valorizar o que é verdadeiramente
importante para si, denunciando um romantismo que não vai bem com a
modernidade suicidária que vivemos: a constância no amor, os
vínculos familiares, a fidelidade a si próprio, a memória da
inocência, quantas vezes ao sabor dos caprichos do acaso – outras
verdades essenciais
que Eça estava longe de desconhecer, mas que não tinham a primazia
para o público, numa época que ainda não voltara costas ao campo e
se orientava pela regularidade das estações. «Mesmo assim,
abandonei-te» (com desenhos de Rui Lacas), «No meu lugar» (Filipe
Andrade), «Saudade» (Darsy Fernandes), «Nina» (Catarina Paulo) ou
«Narciso» (Susa Monteiro, também autora da capa), são alguns
dos momentos inexcedíveis deste livro.
Almanaque
Argumentos:
André Oliveira.
Desenhos:
vários autores.
Bicho
Carpinteiro, Lisboa, 2018
(2019)