Compro o jornal na loja da bomba de gasolina e vejo, na primeira página, a notícia da morte de Luís Mourão, um extraordinário ensaísta. Conheci-o há trinta anos, em contexto profissional, e tivemos um óptimo relacionamento. Tenho dois livros seus: Conta-Corrente 6 -- Ensaio sobre o Diário de Vergílio Ferreira (1990) e Um Romance de Impoder -- A Paragem da História na Ficção Portuguesa (1997).
Com ensaístas de gerações anteriores, como João Bigotte Chorão, recentemente falecido, aprendi que escrever sobre o que quer que seja -- e, por maioria de razão, sobre literatura -- exige que sejamos escritores; mais canhestros ou melhor sucedidos, não se pode partir para uma obra, literária ou outra, com vícios burocráticos e expectativas curriculares, sob pena de se negar o objecto de estudo e, já agora, ser portador de um razoável grau de indignidade. Com Luís Mourão aprendi que o ensaísta é também ele um criador, com todos os riscos que isso implica. Para mim, que sou de História, e valorizo os documentos -- sempre --, gostando pouco de fantasias, foi um ensinamento importante para escapar à condição de 'positivista utilitário', labéu que me foi atirado pedagogicamente por um bom professor, E. Gonçalves Rodrigues, em intento profiláctico dos meus arroubos radicais, prevenção de que nunca me esqueci.
Regressando a Luís Mourão, mal o reconheço nas fotografias; porém os depoimentos de amigos trazem-me a pessoa de há trinta anos. Tenho algumas cartas dele, talvez publique uma, no sítio próprio.