segunda-feira, agosto 12, 2024

os grandes mestres não desiludem

 

Hermann (Hermann Huppen, Bévercé, Ardenas, 1938) é um dos mais extraordinários autores de BD em actividade. Este terceiro álbum da série Duke, com argumento do seu filho, Yves H. (Bruxelas, 1967), aí está para o demonstrar.

Se a memória não atraiçoa, o nosso primeiro contacto com Hermann deu-se nas páginas da revista Tintin, com a série Jugurtha, com argumento de Jean-Luc Vernal, a desenrolar-se na Antiguidade, no meio dos jogos de poder na corte dos Barcas. Mas foi na companhia de Greg que Hermann constituiu uma das duplas míticas da BD franco-belga, em torno da pura aventura de Bernard Prince e de Comanche, uma mulher cheia de fibra, dona do rancho «Triplo 6», western que foi uma excelente resposta do semanário belga ao concorrente francês Pilote, casa do Tenente Blueberry (Fort Navajo). Desfeita a dupla, Hermann avança por outros territórios ficcionais, de Jeremiah, fábula pós-nuclear, ao ciclo medieval de As Torres de Bois-Maury, além de vários one-shot (histórias publicadas num único álbum, sem sequência).

Há uns bons anos que Hermann tem em Yves H. um argumentista à altura do seu talento. Com Duke, o livro de que hoje nos ocupamos, esta colaboração pai-filho avança com uma série pensada de raiz, de que saíram já três tomos, todos publicados entre nós: A Lama e o Sangue, Aquele que Mata e Sou uma Sombra, editado este ano.

E quem é este “Duke”? Ao terceiro álbum ainda estamos a descobrir, aliás na companhia da própria personagem, Morgan Finch, de seu nome cristão, ex-adjunto do xerife da pequena cidade de Ogden, Colorado. Aqui quem manda é um potentado da mineração, com recursos financeiros, poder de fogo e sicários arregimentados para fazer valer os seus interesses contra os dos proprietários fundiários e reduzir a autoridade do estado a mero pró-forma. Esta situação obriga Duke – menos contemporizador e mais jovem que o xerife, um hesitante – a afastar-se desse papel decorativo, o que só lhe trará problemas. Para simplificar diremos que se trata de um pistoleiro que não gosta da violência das armas – ou julga não gostar. É esta densidade ambivalente o maior trunfo da série no que ao argumento respeita, além de tratar-se de uma narrativa passada no oeste americano, topo com o melhor lugar cativo do nosso imaginário.

Sobre a arte de Hermann, o que escrever sem repisar os encómios? Atente-se na capa, um cowboy solitário na sua montada, de arma na mão, uma sombra no meio da noite de intempérie; no interior, os planos aguarelados da paisagem, a finura psicológica no tratamento das expressões, o grotesco por vezes quase simiesco dos corpos, em contraste com a beleza dos cavalos, o realismo dos trajes e dos edifícios. Veja-se a prancha 37 (pág. 39): dez vinhetas de tensão ao luar sem uma palavra. Mestria. É verdade: os grandes mestres nunca desiludem.


Duke – Sou uma Sombra

texto: Yves H.

desenhos Hermann

edição: Arte de Autor, Estoril, 2019

(Outubro de 2019)









4 comentários:

Rui Luís Lima disse...

Descobri o Hermann nas páginas da revista Tintin, através das aventuras de Bernard Prince, depois foi o Jugurtha e Comanche, já este novo herói ainda não conheço e gostei do que vi aqui e li.
O jornal Público vai lançar 8 álbuns do Tanguy e Laverdure no final deste mês.
Um abraço!

R. disse...

Óptimo!
Quanto ao T&L, serão os de Uderzo e Jijé?
Outro abraço

Rui Luís Lima disse...

Os álbuns são todos do Jean-Michel Charlier e do Uderzo e sai em capa dura.
Continuação de boas férias.
Um abraço!

R. disse...

Já vi. Obrigado, outro abraço.