sexta-feira, julho 31, 2020

um parágrafo de Augusto Abelaira

«Sem querer, tinha os olhos postos no palácio. Um país onde isto não existe. Sim, sem Santa Maria Novella, sem Masaccio, sem sol. "Um país onde eu desejaria ter nascido, ter sido jovem. Um país onde também não teria sido ninguém, mas apenas porque não sou ninguém."»

A Cidade das Flores (1959)

quinta-feira, julho 30, 2020

«Leitor de BD»

O Reizinho,
 de Otto Soglow


um parágrafo de Aquilino Ribeiro

«Um homem atravessou por ali, e não foi pequeno o seu pasmo. A água, uma avemaria puríssima, descia dos serros por muitos regatinhos, brancos, inocentes e tagarelas, que nem se largassem à compita a ver qual deles era o primeiro a chegar ao vale. O solo era negro e dava mostras de fecundo a julgar pelo mato que crescia balofo, alto e tão denso que lhe era difícil romper e a cada passo lhe saltava dos pés um laparoto gordalhudo. Como andava à caça e muito ajoujado dos apetrechos de monteiro, tinha sede, uma sede ardente a que não era estranha a estafa de Rubiães até ali e o lombo de vinha-de-alhos, gostosinho mas sobre o sal, do seu almoço. E, avidamente, debruçou-se no primeiro lugar a jeito a beber da linfa que o Pe. Carvalho classifica da mais delgada e fria do mundo. Depois, regalado, puxou do lenço, grande como o guião do Santíssimo, e esponjou-se do suor. Relanceando olhos enlevados à roda, deu conta da balsa, que as águas, ao confluir, ali faziam, e surpreendeu, fulgurando suas escamas lantejoiladas, duas boas trutas palmeiras. Libélulas cruzavam-se por cima numa contradança versicolor, mas ele não prestou atenção a tais bugiarias da natureza. Filho de camponeses, porém, foi reparando na pujança que mostrava a erva do prado, embora se metessem de gorra a comer do húmus farto a margaça, a leituga, a beldroega, a azeda, mais sôfregas do que vacas com fome.»

A Casa Grande de Romarigães (1957)

quarta-feira, julho 29, 2020

"as melhores práticas do mercado"

Assim, de repente, ocorre-me: vigarice, tráfico, extorsão, infidelidade, ladroagem, abuso de confiança, rapina, falsidade, um longo etc. …

(Isto para dizer que me falta o cu para conversa fiada à business school, e que é uma pena que não estejamos num prec ainda mais hard que em 1975, para pôr esta malta dos fundos de investimento, das sociedades offshore, estes ceos infernais em campos de reeducação, na apanha da azeitona e do girassol, a aprenderem com os nepaleses como se faz.)

50 discos: 1. LOUIS ARMSTRONG PLAYS W. C. HANDY (1954) #8 - «Ole Miss»



segunda-feira, julho 27, 2020

delinquente, celerado e assassino -- o racismo é só mais um pormenor

Ainda não é desta que altero a minha percepção sobre a existência de um problema de racismo na sociedade, que não localizado. Por um motivo fútil -- uma discussão por causa de um cão -- um energúmeno octogenário baleou um cidadão negro, o actor Bruno Candé Marques, 39 anos, pai de três filhos menores.

Quem é esta criatura?  Que é um assassino, está fora de dúvida, pois abateu um homem com vários tiros à queima-roupa;
É também, muito provavelmente, um delinquente: a arma do crime não só era ilegal, como pertencia a um armeiro de uma força policial, dada como roubada. Portanto: notórias ligações ao mundo do crime.
Em terceiro lugar, será um dos milhares que vieram com os miolos rebentados da Guerra Colonial, um dos que, provavelmente se fartou de "matar pretos", conforme se vangloriou.

O quadro descrito revela uma criatura atípica: um criminoso que ontem lançou a última dejecção na sua infeliz passagem por este mundo. Irá apodrecer na cadeia, e justamente.

O que representa então este velho assassino? O lúmpen social, que se manifesta através dos baixos instintos e ressentimentos. Tipifica a sociedade portuguesa? Creio que não, espero que não, acredito que não -- ou este país ainda é pior do que pensava. Pelo contrário: as imagens que vi publicadas no sítio do Jornal de Notícias, mostrar o criminoso manietado pela população, gente de várias cores.


Chateia-me por isso que pessoas como Joacine Katar Moreira (em quem votei para deputada e de cujo voto ainda não me arrependi, pese o episódio com o Livre, do qual não foi a única responsável) ou o activista Mamadou Ba, cujo abaixo-assinado de solidariedade subscrevi e voltaria a subscrever, quando ameaçado por energúmenos do pnr, chateia-me que sejam tão lestos neste agitar de espantalhos, bem identificados e caracterizados; até porque não quero entrar por caminhos em que poderia chegar à conclusão que estes e outros procurem notoriedade fácil, e as vantagens que daí advêm, através de uma militância que, necessária, deve ser também criteriosa.

Por outro lado: ainda estou à espera de ver até quando a retórica xenófoba espertalhona estará para durar, sob a passividade do poder judicial. 

um parágrafo de Coelho Neto

«E não é só o homem que dorme no leito antigo, largo e raso, de colunas torcidas, com flores e folhagens clássicas, forrado de alvos lençóis, que trescalam como moutas de ervas de cheiro ou na palha seca e crepitante, entre os milhos, com o cão aos pés e os grilos cantando perto; é o gado forte e é a ovelha mansa, é a ave meiga, é a mesma árvore, é a mesma água, é a mesma estrela, é o mesmo luar porque, se a água murmura e se as folhas sussurram, bem se pode dizer que são vozes do sonho das coisas. Velam apenas o caboré piando no tronco ou cruzando os ermos e as feras bravas que descem para velar, ou a farandulagem que assalta galinheiros ou outros sítios de maior recato e perigo.»

A Capital Federal (1893)

sábado, julho 25, 2020

um parágrafo de Eça de Queirós

«Deu outro puxão às calças, e foi colocar, com prudência, a chapeleira de papelão ao lado dum saco de tapete. Artur olhava-lhe o dorso crasso, curvado sobre a bagagem, as nádegas de obeso sobre que estalava uma calça cor de avelã; e pensava, com desconsolação, que era aquela criatura que tinha dinheiro, que ia para Lisboa, -- o Joãozinho Mendes, de Ovar, a quem chamavam em Coimbra, o Chouriço, e incapaz de compreender um livro, ou mesmo um dito!...»
A Capital! (c. 1875; póstumo, 1925)

sexta-feira, julho 24, 2020

quinta-feira, julho 23, 2020

a Amália está cá sempre

100 anos de Amália Rodrigues, diva absoluta do fado português ...

Admirável, única, quanto mais o tempo passa mais ela se agiganta.
Como todos os grandes, sofreu a baixeza dos pequenos; não vale a pena levantar o lixo.
Não sei se lhes perdoou, mas tinha magnificência para tal.
Sobre o tanto ou tão pouco que eu pudesse escrever sobre ela, tudo seria irrelevante.
Autoconsolação: creio que foi depois de ler o esplêndido adeusamália, de Manuel da Silva Ramos,
que me ocorreu isto, que já li também no último JL:
Amália só cantava assim porque tinha nela a Beira Baixa
e a Beira Baixa, musicalmente, é um mundo à parte.

quarta-feira, julho 22, 2020

um parágrafo de Tomás Ribeiro Colaço

«Dias sem conta, Antero releu gulosamente as próprias palavras que, assim compostas noutro jornal, com outro tipo, assumiam novo sabor. Andava ufano. Aquilo estava bem! Ter a coragem de chamar aos Lusíadas com tão firme poder de síntese anacrónica o cartaz luminoso das Descobertas; escrever com tão valente garotice que Luís de Camões previu muito, sabia ver e prever, tinha o olho da previdência; definir com tamanha arte de crítica sintética, o poema épico, concurso hípico das Musas; conceder, com tão bizarra ironia: -- eu admiro ainda assim um Luís de Camões; cuidou muito bem do seu reclame; era um Luís de oiro, do oiro das Descobertas, oiro sem liga, como uma perna nua..." -- Caramba! Aquilo sim que era novo. Era coisa que vinha de algures denunciando Alguém. Antero Chumbo tinha uma obra, em marcha.»
A Calçada da Glória (1947)

criadores & criatura

fonte

Turk, DeGroot e Léonard

foten

terça-feira, julho 21, 2020

«Leitor de BD»

Max, Manifestamente Anormal

quarta-feira, julho 15, 2020

«The State I Am In»

«Leitor de BD»


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Luís Avelar e Pedro Massano, A Lei do Trabuco e do Punhal

terça-feira, julho 14, 2020

domingo, julho 12, 2020

sexta-feira, julho 10, 2020

quinta-feira, julho 09, 2020

o caso Rita Rato, desconfianças e bocas da reacção

Chamam-me a atenção para o bruaá no Facebook sobre a nomeação de Rita Rato para directora do Museu do Aljube. Não me apetece nada andar ao tiro ao comunista, quando há anos que apanhamos com a tralha neoliberal e assistimos aos fascistas de ocasião (ou seja, aqueles que se prestam a tudo o que o lumpen cívico quiser), bolsarem para o meio da rua.

Depois do "museu das descobertas" -- não há descobertas mas, em bom português, Descobrimentos, e com maiúscula e que devem ser celebrados criticamente, apesar dos analfabetos da margem esquerda --, depois do propalado museu que, com a cagunfa do costume, já deve estar, com a viola no saco e metido na gaveta --; depois da gritaria com o Museu Salazar ou Centro Interpretativo, projecto liderado por historiadores à prova de bala, que deu brado porque a História é um pormenor para uma determinada concepção política do mundo, incluindo os que se dizem historiadores; agora, o Museu do Aljube.

Independentemente do benefício da dúvida que darei à senhora quanto à sua honestidade intelectual -- parece que não sabia bem o que fosse o gulag, etc. -- e esperando, igualmente que, quanto à Resistência ao Salazar, não se fique pelos camaradas e o frete, noblesse oblige, à tralha republicana (e à gente boa também, Seareiros à cabeça), não se esqueça da Resistência dos anarquistas (é verdade, vai hoje na RTP2 um documentário sobre o Emídio Santana…), dos católicos progressistas e até dos monárquicos.
Considero o PCP, dos grandes e médios partidos, o único consistente e politicamente sério; o resto, do Bloco ao CDS, é a pastelaria do costume. Mas a seriedade do PCP no que respeita à História, dispenso-a eu bem. Tenho exemplos para a troca, caso seja preciso, todos nacionais.
Desejo a Rita Rato o maior sucesso. É claro que não precisa de ser historiadora para dirigir o Museu (e ser militante do PCP não é cadastro, antes pelo contrário), precisa tão-só de ser interessada, que qualidades tem-nas, certamente, deixar o cartão do Partido à porta e perceber que há mais mundos, citando o grande José Régio, também ele oposicionista e resistente, aliás duma coragem moral e cívica assinaláveis.
Mas é preciso estar atento, para evitar não só a tentativa de apropriações -- sem deixar de reconhecer o papel do PCP nessa mesma Resistência -- e manipulações da História. Espero, por isso, que Rita Rato desminta todas as desconfianças e cale as bocas da reacção. Porque não me apetece nada dar razão aos observatórios & outros lavatórios.


50 discos: 13. YES (1969) #7 - «Sweetness»



quarta-feira, julho 08, 2020

criador & criatura


Cosey e Jonathan


segunda-feira, julho 06, 2020

sábado, julho 04, 2020

quarta-feira, julho 01, 2020

«Leitor de BD»

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Peyo e Will, Kim Kebranoz e os Táxis Vermelhos