terça-feira, agosto 27, 2024

tempo de novela

«Mas imediatamente ele se debruçou na portinhola e falou num tom mais íntimo: / -- Boa noite! Espero tornar a encontrá-la. Elvas não é assim tão longe de Portalegre! E terei muitíssimo prazer... / Pegando atrapalhadamente nas suas coisas, Rosa Maria afastou-se um pouco. Estava escuro e frio.» José Régio, Davam Grande Passeios aos Domingos (1941) § «Esta hora, sobretudo no Verão, era deliciosa: pelas janelas meio cerradas penetrava o bafo da soalheira, algum repique distante dos sinos da Conceição Nova e o arrulhar das rolas na varanda; a monótona sussurração das moscas balançava-se sobre a velha cambraia, antigo véu nupcial da Madame Marques, que cobria agora no aparador os pratos de cerejas bicais; pouco a pouco o tenente, envolvido com um lençol como um ídolo no seu manto, ia adormecendo, sob a fricção mole das carinhosas mãos da D. Augusta; e ela, arrebitando o dedo mínimo branquinho e papudo, sulcava-lhe as repas lustrosas com o pentezinho dos bichos...» Eça de Queirós, O Mandarim (1880) § «Seja pelo que for, não gosto de viajar. Já pensei em pedir a demissão. Mas é difícil arranjar outro emprego equivalente a este nos vencimentos. Ganho dois mil escudos e tenho passe nos comboios, além das ajudas. Como vivo sòzinho, é suficiente para as minhas necessidades. Posso fazer algumas economias e, durante o mês de licença que o Ministério me dá todos os anos, poderia ir ao estrangeiro. Mas não vou. Não posso.» Branquinho da Fonseca, O Barão (1942)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Com sobrecenho de menosprezo, se bem que ralada de grande e secreta mágoa, renunciou aos pequenos paraísos onde o luxo dumas e o garbo de outras justam para o mundo baboso. A cada passo havia uma festa, uma exposição, um caravanserai, lugares onde se admira e se ama, e onde, raro, aos sequiosos de inédito falta o pomo sumarento. A "Bagatelle" albergava a pintura das preciosas, desde Watteau a Vigée-Lebrun; no monte Valeriano casacas verdes do Imperador vinham ao sol; o "Grand-Palais", como tulha de José do Egipto, rotundo e enorme, abarrotava da fertilidade da arte, todas as cores, todos os barros, todas as linhas, desde o estilo babilónico, espanta-burgueses, ao gosto catita, para além-mar.»
Aquilino Ribeiro, "Filhas de Babilónia" ("Maga"). Novela (1920)