quarta-feira, dezembro 31, 2014
terça-feira, dezembro 30, 2014
segunda-feira, dezembro 29, 2014
um silêncio de mundo parado
«E marchou para o meio dos cangaceiros, rompendo por entre os romeiros que caíam a seus pés, com a cabeça erguida e as barbas açoitadas pelo vento. Aparício, quando o viu perto, ajoelhou-se. O rifle caiu-lhe das mãos, enquanto o Santo lhe punha sobre a cabeça os dedos magros. Podia escutar-se os rumores dos bichos da terra, naquele silêncio de mundo parado. E soturno, com a voz que saía de uma furna, o Santo ergueu para o Céu o seu canto. E as ladainhas irromperam de todos os recantos do arraial. Muitos cangaceiros começaram a chorar.»
José Lins do Rego, Cangaceiros (1953)
escuro
Um romance sobre a vivência trágica da vida, escuro, por vezes obscuro.
Trata-se do primeiro romance de Peixoto (de 2000), e podemos detectar algumas influências, umas reais, outras talvez sugestão minha. Quanto às reais, é inegável que o estilo de José Saramago aqui se faz muito sentir; subjectivamente, ouvi os ecos de algum José Régio, das narrativas alentejanas, e Manuel da Fonseca, alguns contos seus.
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domingo, dezembro 28, 2014
sábado, dezembro 27, 2014
lapidar
«A natureza chega tão complexa às feições de cada um que somos forçados a não poder aceitar cada qual resumido ao lugar em que a sociedade o põe.»
Almada Negreiros, Nome de Guerra (1938)
sexta-feira, dezembro 26, 2014
quinta-feira, dezembro 25, 2014
quarta-feira, dezembro 24, 2014
Natal na blogosfera (um blogger passeia-se)
Feliz Natal!
1. Notícias económicas do Natal
2. Mills Brothers Christmas
3. Um dia antes da meia-noite
4. Feliz Natal
5. Solstício de inverno
6. Um Natal com Little Nemo
7. Festas Felizes
8. Blogário do Advento
9. Feliz Natal!
10. Natal
11. Natal
12. "Não digo do Natal", Pedro Tamen
13. Natal sem Natal ou sem o Menino Jesus
14. The Cold, The Frozen And The Iced
15. Bolachas de aveia para o Natal
16. Christmas Nears
17. Uma prenda de Natal para o AO90
18. Boas Festas!
19. Do Natal e da boa vontade entre os homens
21. As renas teimosas (conto de infantil)
22. Saint Nicholas and the "Nicolinas"
23. Espírito & Revolução
24. De repente, neste Natal
25. O Presépio nas capas de Natal
26. Natal
27. Um Natal inesquecível
28. Boas Festas!
29. Natal com banho frio
adenda (24-XII-2014)
30. Paganização do Natal
31. Cavacos dos Natais passados
32. A la venue de Noël: Messe sur des Noëls
33. 124. deixem que a noite venha como uma promessa
34. No presépio... José Pinto Carneiro e Álvaro (Insónia)
35. Christmas card
terça-feira, dezembro 23, 2014
segunda-feira, dezembro 22, 2014
na tempestade
«No momento seguinte, mares convulsos voltavam a erguer e a largar aquela segunda arca bíblica. Abriam-se medonhas crateras e o mar fendia-se para receber a quilha: uma indescritível chapada na água ensurdecia a noite de pedra -- e nunca Deus estivera tão distante como nos dias dessa solidão infinita.»
João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas (1988)
domingo, dezembro 21, 2014
música celestial
«Diante dele está a caixa registadora National e no vidrinho dos registos os números 4, 5 e 0. Quatro escudos, cinquenta centavos. Um sabonete. Elói acaba de comprar um sabonete. Detrás da caixa surge uma mão fina. Elói espreita. Está ali uma mulher que o faria feliz. Porque continua só no mundo? E enquanto as notas lhe passam para a mão, mergulha os olhos abstractos nos olhos da mulher. Manuela sorri. Uma moeda cai. É um momento. Tornou a apanhá-la. No dia seguinte volta. Volta muitos dias. Agora já ela o conhece. "O Sr. Elói deseja?..., o Sr. Elói precisa?..., como queira, Sr. Elói..." Não pode passar sem aquilo. É uma música celestial. Volta sempre, todos os dias.»
João Gaspar Simões, Elói ou Romance numa Cabeça (1932)
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sábado, dezembro 20, 2014
JornaL
Requisição civil. Pode um Governo contornar a Lei?
«Tudo isto é fado». A BD de Nuno Saraiva que está a sair no Sol / tabu. Do melhor.
«Tudo isto é fado». A BD de Nuno Saraiva que está a sair no Sol / tabu. Do melhor.
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sexta-feira, dezembro 19, 2014
quinta-feira, dezembro 18, 2014
JornaL
Obama. No segundo mandato, fez o que devia e o que podia em relação a Cuba, ao arrepio da diplomacia bronca dominante dos Estados Unidos (Fidel Castro foi por ela empurrado para o colo da então URSS). A abertura à ilha será muito mais eficaz na mudança do regime do que o isolamento imposto até agora.
«Guerra do petróleo». Esplêndido artigo de Jorge Almeida Fernandes no Público, explica a estratégia saudita da baixa de preços do crude (concorrência de petróleo de xisto norte-americano, de extracção mais cara, e estrangulamento da economia do Irão, arqui-rival na região), bem como os efeitos imprevisíveis desta queda de preços na política russa, assunto muito sério.
Vítor Crespo. Mais um dos grandes e dos bons miltares de Abril que nos deixa.
Submarinos. Na Alemanha, condenou-se quem corrompeu em Portugal e na Grécia; na Grécia, prende-se ex-governante; por cá, arquiva-se o processo. Não será, por isso, constituído arguido Jacinto Leite Capelo Rego, militante ou simpatizante (em todo o caso, contribuidor líquido) do CDS.
Pena de morte. Primeira medida do governo paquistanês contra os talibãs suicidas.
Frase do dia. "Por muito conservador que se seja, nunca se está preparado para os ultrajes do capitalismo." (Miguel Esteves Cardoso, Público).
à toa nas ruas desertas
«Percorri à toa as ruas desertas, envoltas num luar baço, tentando achar tranquilidade no pó e no calor de Janeiro.»
Graciliano Ramos, Caetés (1933)
quarta-feira, dezembro 17, 2014
JornaL
Linces. Gosto dos novos sinais de trânsito :)
Lata. A propósito do Syriza, leio no Diário de Notícias que Juncker "Não gostaria de ver forças extremistas chegar ao poder. Preferia ver caras conhecidas." Anda este estúpido com a extrema-direita antieuropeia e xenófoba a bater-lhe à porta, e autoriza-se dar opiniões sobre uma força política que até tem defendido a presença da Grécia na moeda única! Ainda por cima, vindo de um sujeito que perdeu a credibilidade para governar sequer a junta de freguesia lá do bairro dele...
Jacob e o Anjo. Gostava de estar em Vila do Conde no sábado, para assistir à leitura encenada da peça do José Régio.
Pop Galo. Grande ideia, esplêndida ideia de Joana Vasconcelos para as comemorações dos 450 anos do Rio de Janeiro: um Galo de Barcelos de 7 metros, iluminado à noite.O kitsch nem sempre é de deitar fora.
O Messi de Vizela. Rafinha, o Messi de Vizela.
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negro de tutano
«Conforme acontecia todos os anos, o barracão fora entregue a Zé de Peixoto -- negro de tutano que os garimpeiros respeitavam.»
Herberto Sales, Cascalho (1944)
terça-feira, dezembro 16, 2014
JornaL
No I
* No Porto, um taxista javardo agrediu a soco uma cliente que se despediu de uma amiga com um beijo na boca. É natural que o javardo seja despedido, é provável que vá a tribunal e seja condenado a uma pena menor qualquer. Sugiro trabalho comunitário numa organização lgbt.
* Na Bélgica, uma greve-geral a sério contra a austeridade: não houve jornais, televisões em serviços mínimos, grandes superfícies encerradas.
* Leio a mini-entrevista de Mário Tomé, a propósito dos 40 anos da UDP. Nada a dizer.
* Pelo contrário, uma grande e sensacional entrevista de Édouard Louis, jovem escritor e gay, oriundo das classes desfavorecidas francesas, em que medra o racismo, a xenofobia, a intolerância, sagazmente aproveitadas pela Frente Nacional. Louis, que publicou um romance-choque, Para Acabar com Eddy Bellegueule, em que vê de fora e à distância da sua formação universitária o lumpen nacional de que é oriundo, e questiona a forma como a política institucional e a imprensa mainstream tratam esse segmento popular da sociedade, amedrontada não apenas com o outro mas também com o que lhe vai sendo retirado e que antes era tido como certo. Amedrontada e desorientada: as coordenadas das classes mais pobres e desinformadas devem ser semelhantes cá e em França: entretenimento boçal, pestilência mediática.
* Depois de Assange e Snowden, outro tipo excepcional: Antoine Deltour, 28 anos, o homem que primeiro revelou o miserável esquema fiscal dos LuxLeaks. Já tem a Justiça luxemburguesa na peugada.
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o silenciamento de José Sócrates
A recusa de autorização da entrevista pedida a José Sócrates pelo Expresso, por parte da D-G dos Serviços Prisionais, na sequência do parecer do juiz de instrução e do magistrado do MP, é gravíssima. Uma medida destas só seria aceitável tratando-se de um operacional terrorista ou um chefe de gangue mafioso. É gravíssima, porque em Portugal há liberdade de expressão, e é preciso ser-se muito estúpido para considerar que a supressão dessa liberdade pode ter a justificação, canhestramente burocrática, de eventual perturbação do processo.
Mas a proibição, que deverá ser ilegal à luz da Constituição da República, é ainda triplamente estúpida:
Primeiro, porque fortalece a posição de Sócrates. Que receiam os agentes da Justiça? Certamente terão provas fortes dos indícios de corrupção, já que se atreveram, antes de julgamento, mandar um ex-PM para a cadeia. Logo, qual é o receio?
Em segundo lugar, achar que podem calar Sócrates quando ele quiser falar, é pueril.
Finalmente, porque lança a suspeição de que, como de costume, andam a apanhar bonés, o que os desprestigia ainda mais, e torna tudo ainda muito mais grave, até porque dá contornos políticos ao caso, justamente como disse Sócrates na primeira declaração escrita da cadeia.
Há duas coisas de que não me esqueço: a decapitação da então liderança do PS no caso Casa Pia, uma conspiração muito bem montada, em que magistrados & c.ª foram os idiotas úteis de serviço; e o alarme pateta e patético do atentado ao estado de direito, salvo erro aduzido por um procurador que é irmão da actual PGR, processo no qual a Justiça ficou na lama, com os episódios das escutas.
Ora bem, eu não voto em juízes nem em procuradores e não estou para aturar-lhes os palpites e os estados de alma. Mas votei uma vez em José Sócrates, e quero o meu voto respeitado. Por Sócrates e pelo pessoal da Justiça. Fizeram escutas, investigaram. Têm provas? Julguem e condenem, se for caso disso; mas não cedam à tentação de exorbitar.
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segunda-feira, dezembro 15, 2014
encantamentos escuros, castelos roqueiros, cavaleiros namorados, gigantes soberbos, escudeiros discretos e donzelas vagabundas
«[...] não tendes razão contra Píndaro, que, cada vez que o ouço, me parece um livro de cavalarias. Se ele tivera encantamentos escuros, castelos roqueiros, cavaleiros namorados, gigantes soberbos, escudeiros discretos e donzelas vagabundas, como tem palavras sonoras, razões concertadas, trocados galantes e períodos que levam todo o fôlego, pudera pôr a um canto o Amadis, Palmeirim, Clarimundo e ainda o mais pintado de todos os que nesta matéria escreveram; e já estivem em o persuadir que se metesse em uma empresa semelhante, porém receio que se me ensoberbeça com a altiveza de seu estilo e despreze aos amigos.»
Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia (1619)
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Francisco Rodrigues Lobo
JornaL
Hoje passei pelo Público:
* Juntos Podemos quer transformar-se em partido político. Patético.
* Entrevista de João Semedo: não aprendeu nada.
* Juntos Podemos quer transformar-se em partido político. Patético.
* Entrevista de João Semedo: não aprendeu nada.
* Obama cede aos republicanos e revoga proibição de (algumas) práticas manhosas e particularmente danosas dos mercados financeiros. Fê-lo, talvez, para preservar a sua reforma da saúde. O descalabro segue dentro de momentos.
* Dez mil pessoas numa manif anti-islâmica em Dresden. E isto é só o princípio. Bem pode o editorialista proclamar o choque e a estupefacção pelo crescente número de cidadãos que isto concita. Não vale a pena chamar-lhes nazis. Já tenho escrito que é uma questão de tempo até as coisas ficarem incontroláveis. Responsabilidades: os oportunistas políticos do costume, que querem caçar votos no eleitorado islâmico sujeitando-se a caprichos anti-cívicos e idiotas; os próprios líderes moderados dessas comunidades, que não quiseram ou souberam extirpar o cancro do fundamentalismo do seu seio. E, indirectamente, editoriais pios como os do Público, que não percebe -- ou faz que não percebe -- as causas deste descalabro.
* A reavaliação de Duchamp como homicida da pintura, a propósito da exposição patente no Centro Pompidou, que serve obras das décadas de 1910 a 1960. Não é isto a Arte, reavaliação sobre reavaliação?
* João Carlos Espada amalgama o Cunhal antiliberal e totalitário da entrevista a Oriana Falacci, nos idos de '75, ao Siryza e ao Podemos. Sabe muito, o Espada?
* Grande texto de Madalena Homem Cardoso: «CPLP: à mesa dos canibais». Crónica duma decepção profunda. O âmago é Xanana, em tempos herói.
domingo, dezembro 14, 2014
económicas em 1949
«Era para aquilo que se tirava um curso quase tão comprido como o de Medicina! O máximo horizonte desses doutores em "partidas-dobradas" era afinal o postigo envidraçado de um reles banco da Baixa!»
Francisco Costa, Cárcere Invisível (1949)
sábado, dezembro 13, 2014
, de Vinhós e até de Fornelos,
«Uma vez estabelecido, vira logo aumentar a sua clientela de mês para mês. Lá de muito longe, de Vinhós e até de Fornelos, paróquias servidas pelas vilas próximas, vinham novos fregueses, atraídos pela fama do seu corte, não de barateza, que este era engodo que o solerte alfaiate não costumava oferecer a ninguém.»
Guedes de Amorim, Aldeia das Águias (1939)
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Guedes de Amorim
do esvaziar
«O beijo de despedida, que pertencera ao ritual familiar, perdera continuidade nos últimos tempos (como muitas outras coisas), sem que, aliás, tivesse havido um motivo para que o hábito se alterasse. Um esquecimento hoje, uma emenda tardia amanhã -- os hábitos criam-se e perdem-se as mais das vezes sem se saber porquê. Ou então esvaziam-se. E será beijo o enjoado resvalar da boca por uma face?»
Fernando Namora, O Rio Triste (1982)
sexta-feira, dezembro 12, 2014
já agora, uma coisa lixada sobre tortura
A tortura enodoa sempre o Poder que a ela recorre, e envilece, sem excepções, quem a pratica. Até nos casos em que a Humanidade tem de ser colocada entre [] parênteses, por não haver outra possibilidade que não seja o recurso a ela.
quinta-feira, dezembro 11, 2014
a hora dos jornais
«Todas as noites, ao entrar no escritório, Soriano fazia os mesmos gestos. Começava por acender um charuto, a sua velha volúpia, o seu vício desde os tempos de penúria e que tantas ironias merecera aos adversários. Em seguida, sentava-se no novo "maple", sob um verde quebra-luz. Logo estendia a mão para a mesita onde a criada, conhecendo os seus costumes, deixava os jornais da noite. Ele amava essa hora.»
Ferreira de Castro, A Curva da Estrada (1950)
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Ferreira de Castro
cabeças de alfinete
Nós nunca conhecemos as pessoas, só as máscaras. A aversão galinácea por Sócrates é gémea da admiração bovina. São formas mesquinhas de olhar para a política, é uma tabloidização mental.
pobres mercadores, que lhes ficaram com os açúcares e a escravaria
«Era este navio uma fermosa nau de um mercador de Vila de Conde, que se chamava Silvestre Godinho, que outros mercadores de Lisboa traziam fretada de S. Tomé, com muitos açúcares e escravaria, a qual os pobres roubados, que lamentavam sua desaventura, punham em valia de quarenta mil cruzados. Tanto que estes cossairos se viram com presa tão rica, mudando o propósito que antes traziam, se fizeram na volta de França e levaram consigo alguns dos nossos para serviço da mareação da nau que tinham tomada.»
Fernão Mendes Pinto, Peregrinação (póstumo, 1614)
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Fernão Mendes Pinto
quarta-feira, dezembro 10, 2014
terça-feira, dezembro 09, 2014
domingo, dezembro 07, 2014
sexta-feira, dezembro 05, 2014
quinta-feira, dezembro 04, 2014
quarta-feira, dezembro 03, 2014
a província ressonava
«O guarda fechara as portinholas. As raparigas com os tabuleiros à cabeça, recolhiam à cidade, o char-à-bancs partira; havia agora um silêncio na plataforma donde desaparecera a o chefe e o condutor: naquela estação adormecida o comboio parecia ter adormecido também, sob a tarde serena: só uma rapariguita ia dizendo a espaços com um tom plangente e fanhoso: "água! água!" E sem descontinuar adiante a máquina ressonava baixo.»
Eça de Queirós, A Capital! (póstumo, 1925)
terça-feira, dezembro 02, 2014
para que não se pensasse que eles ficavam a rir
«O avião é um bocadinho antes da meia-noite mas temos de ir mais cedo. O tio Zé vai levar-nos ao aeroporto. O pai vai lá ter depois. Depois de matar a Pirata e de deitar fogo à casa e aos camiões. Não acredito que o pai mate a Pirata. Também não acredito que o pai deite fogo à casa e aos camiões. Acho que diz isso para não pensarmos que eles se ficam a rir. Eles são os pretos.»
Dulce Maria Cardoso, O Retorno (2012)
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Dulce Maria Cardoso
os mistérios da política
Parece que foi publicada uma biografia de Rui Rio.
Minh'alma está parva.
Trata de quê o livro?
Das cimeiras, enquanto secretário-geral do PSD, com o líder da concelhia de Tortosendo? da refiliação dos militantes? fotografias do conselho nacional do PSD? da Câmara do Porto? do risco de vida a seguir às implosões das torres do Aleixo? instantâneos a ver os aviões a passar a D. Luís?
Biografia?...
Minh'alma está parva.
Trata de quê o livro?
Das cimeiras, enquanto secretário-geral do PSD, com o líder da concelhia de Tortosendo? da refiliação dos militantes? fotografias do conselho nacional do PSD? da Câmara do Porto? do risco de vida a seguir às implosões das torres do Aleixo? instantâneos a ver os aviões a passar a D. Luís?
Biografia?...
segunda-feira, dezembro 01, 2014
músicas que ninguém compreende
«O mais triste é Amaro: tem um ar de sofredor, olhos que sempre estão olhando para parte nenhuma. E, depois, aquela mania de viver em cima do piano, batendo à toa nas teclas, inventando músicas que ninguém compreende... Enfim, como toda a gente diz que ele é um homem muito inteligente, é melhor não discutir...»
Erico Veríssimo, Clarissa (1933)
domingo, novembro 30, 2014
o discurso de António Costa, as esquerdas, as direitas e a importância do Livre
Um discurso substantivo, ideológico e inteligente, dizendo ao que vem e o que quer, com sinalizações no âmbito europeu e lusófono, e pontes magníficas para a realidade portuguesa: dos temas sociais (a violência doméstica, como pústula intolerável; a coadopção e a recusa da imposição de moralismo beato) às questões patrimoniais e identitárias (do cante alentejano, oportunamente trazido aos trabalhos, à importância das datas de referência como o 1.º de Dezembro, que a direita, que se ufana de nacionalista, deitou para o caixote do lixo, esportulada pela Troika). Isto é grande política.
Depois, a clarificação à direita e à esquerda:
À direita, dizendo que a política de PSD e CDS, que enfraqueceu o país e destruiu milhares de lares, famílias, vidas, e que agachou miseravelmente um país central na história europeia com quase 900 anos -- que essa política pestífera e os seus agentes são para se varrer;
À esquerda, essa esquerda totalitária do PCP (macaqueada pelo BE), com um sectarismo que se confunde com fanatismo religioso, e que objectivamente abriu as portas da governação ao PSD e CDS; a essa esquerda, que tem cumprido o seu papel histórico desde a República de Weimar, António Costa mostrou que, estando aberto ao díálogo, não conta com ela (até porque a conhece bem, não só da sua acção como por experiência familiar).
Resta o LIVRE, saudado por Costa, cuja eleição de deputados tem esta importância: impedir uma maioria absoluta do PS (é sempre negativo que um partido de poder, cheio de vícios e clientelas a alcance, como se tem visto, por muito capaz que o líder possa ser, como é o caso do actual presidente da Câmara de Lisboa); e ter uma representação parlamentar que permita impedir que o PS, em minoria, fique nas mãos do CDS ou, pior ainda, do PSD.
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sábado, novembro 29, 2014
a tiritar de desemprego, de expedientes e de salários em atraso
«Depois da memorável sessão de fados para estrangeiro ouvir e esquecer, para estrangeiro não entender, para estrangeiro garantir que sim, que se extasiou, tínhamo-nos arredado um pouco, no último andar daquele hotel pseudocosmopolita, para o vão dessa janela de onde mal se via uma Lisboa sujamente espectral, toscamente iluminada, a tiritar de desemprego, de expedientes e de salários em atraso, sob um esfarrapado capote de nevoeiro.»
David Mourão-Ferreira, Um Amor Feliz (1986)
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sexta-feira, novembro 28, 2014
estados emocionais alterados
Enquanto houver literatura portuguesa (ou a memória dela), Garrett será sempre um dos nomes cimeiríssimos. E, portanto, nem sequer estou a contemplar a sua dimensão histórica e política, que foi grande. Não é impunemente que se escreve uma obra-prima absoluta (Frei Luís de Sousa), a melhor poesia do romantismo português (Folhas Caídas) ou se inaugura o romance moderno em língua própria (Viagens na Minha Terra). É o primeiro escritor português da primeira metade do século XIX, e só uma pessoa pode com ele ombrear, principalmente graças a monumental e fundadora obra de historiador: Alexandre Herculano.
Vem isto a propósito das Cartas de Amor à Viscondessa da Luz. Sobre Eça de Queirós (outro gigante), Vergílio Ferreira disse qualquer coisa parecida com isto: dele tudo nos interessa, até a conta da lavandaria. Estas cartas são obra paraliterária, não foram escritas para publicação e reflectem um estado emocional alterado. Embora a epistolografia possa ostentar-se os galões de literatura de pleno direito -- vários foram os autores que viram as suas cartas equiparadas à obra mais séria, quando não suplantá-la: estou a lembrar-me de obras-primas como as Cartas do Cárcere, de Gramsci ou da maior parte das missivas do Eça, sempre ele --, não é isso que se passa com estas do punho garretiano.
Não que elas seja excessivamente anódinas, bem pelo contrário; não que a sua publicação não se justificasse. Há nelas muitos elementos úteis para estudo em várias áreas.
São cartas de tal modo pessoais, unívocas, íntimas e obsessivamente repetitivas, que valem por essa expressão extrema de amor ardente e transgressor, penetrando de tal forma na intimidade do escritor que valem por essa verdade desvelada. Felizmente, o Pessoa já nos dera o antídoto para as cartas de amor -- e além do mais, que diabo!, esta paixão deu-nos as Folhas Caídas... 22 cartas que se salvaram, dentre as centenas que foram escritas e trocadas. Um milagre, portanto. É a segunda vez que se publicam, depois da edição de José Bruno Carreiro, que assinalou, em 1954, o centenário da morte de Garrett, um trabalho impecável do investigador brasileiro Sérgio Nazar David.
Em duas palavras: Rosa Montúfar Infante, espanhola lindíssima, mulher do Visconde da Luz, militar e político de destaque, é amante de Almeida Garrett na segunda metade da década de 1840 até ao início do decénio seguinte. de Garrett temos a ideia do escritor quase-dândi, viril e sedutor com as mulheres, o eco do tribuno de voz bem colocada e palavra assertiva, do homem de acção que foi um dos bravos do Mindelo. ler-lhe os delíquios amorosos chega a ser perturbador e incómodo, passados 160 anos da sua morte, de tal modo ele é ainda nosso contemporâneo. As cartas são patéticas -- a paixão é patética (todas as paixões o são). A que leva o número XVIII, em que testemunhamos o seu desengano, a sua ingenuidade, o seu desgosto, essa, então, é dilacerante.
Assim sendo, não estando estas cartas de Garrett nos píncaros da epistolografia portuguesa, são de enorme relevância biográfica. E mais do que isso: iluminam alguns poemas de Folhas Caídas, de um modo que não se suspeitava. Só por isso a sua edição teve toda a razão de ser.
Almeida Garrett, Cartas de Amor à Viscondessa da Luz, edição de Sérgio Nazar David, Vila Nova de Fmalicão, Edições Quasi, 2007.
Vem isto a propósito das Cartas de Amor à Viscondessa da Luz. Sobre Eça de Queirós (outro gigante), Vergílio Ferreira disse qualquer coisa parecida com isto: dele tudo nos interessa, até a conta da lavandaria. Estas cartas são obra paraliterária, não foram escritas para publicação e reflectem um estado emocional alterado. Embora a epistolografia possa ostentar-se os galões de literatura de pleno direito -- vários foram os autores que viram as suas cartas equiparadas à obra mais séria, quando não suplantá-la: estou a lembrar-me de obras-primas como as Cartas do Cárcere, de Gramsci ou da maior parte das missivas do Eça, sempre ele --, não é isso que se passa com estas do punho garretiano.
Não que elas seja excessivamente anódinas, bem pelo contrário; não que a sua publicação não se justificasse. Há nelas muitos elementos úteis para estudo em várias áreas.
São cartas de tal modo pessoais, unívocas, íntimas e obsessivamente repetitivas, que valem por essa expressão extrema de amor ardente e transgressor, penetrando de tal forma na intimidade do escritor que valem por essa verdade desvelada. Felizmente, o Pessoa já nos dera o antídoto para as cartas de amor -- e além do mais, que diabo!, esta paixão deu-nos as Folhas Caídas... 22 cartas que se salvaram, dentre as centenas que foram escritas e trocadas. Um milagre, portanto. É a segunda vez que se publicam, depois da edição de José Bruno Carreiro, que assinalou, em 1954, o centenário da morte de Garrett, um trabalho impecável do investigador brasileiro Sérgio Nazar David.
Em duas palavras: Rosa Montúfar Infante, espanhola lindíssima, mulher do Visconde da Luz, militar e político de destaque, é amante de Almeida Garrett na segunda metade da década de 1840 até ao início do decénio seguinte. de Garrett temos a ideia do escritor quase-dândi, viril e sedutor com as mulheres, o eco do tribuno de voz bem colocada e palavra assertiva, do homem de acção que foi um dos bravos do Mindelo. ler-lhe os delíquios amorosos chega a ser perturbador e incómodo, passados 160 anos da sua morte, de tal modo ele é ainda nosso contemporâneo. As cartas são patéticas -- a paixão é patética (todas as paixões o são). A que leva o número XVIII, em que testemunhamos o seu desengano, a sua ingenuidade, o seu desgosto, essa, então, é dilacerante.
Assim sendo, não estando estas cartas de Garrett nos píncaros da epistolografia portuguesa, são de enorme relevância biográfica. E mais do que isso: iluminam alguns poemas de Folhas Caídas, de um modo que não se suspeitava. Só por isso a sua edição teve toda a razão de ser.
Almeida Garrett, Cartas de Amor à Viscondessa da Luz, edição de Sérgio Nazar David, Vila Nova de Fmalicão, Edições Quasi, 2007.
reflexo mil vezes treinado
«Os homens atiraram-se para o chão, um reflexo mil vezes treinado, as G-3 apontadas, os dedos nos gatilhos, as mãos agarradas com força às coronhas, o coração a bater mesmo por debaixo do pescoço, naquele buraco entre as clavículas, a apertar a garganta sem deixar respirar.»
Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)
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Carlos Vale Ferraz
quinta-feira, novembro 27, 2014
José Sócrates (7)
A Declaração de José Sócrates, ditada ontem pelo telefone da cadeia de Évora, é um texto de combate que a historiografia registará, quando se debruçar sobre estes tempos confusos. E, para mais, bem redigido, ao contrário do que sai das mãos da maioria do pessoal político, que não sabe escrever.
É um texto de combate, pelos períodos curtos e incisivos. Cada parágrafo é uma reacção dura ou um apelo claro; depois, a altivez com que o faz e a segurança que aparenta é muito distinta daquela conversa aldrabona da "consciência tranquila". O estilo é o homem.
Consoante o que vier a ser apurado, em caso de acusação (que parece inevitável), este depoimento só poderá ser analisado sob duas perspectivas, quanto ao seu autor: ou foi escrito por um mitómano, provando-se as enormidades de que está acusado; ou por um inocente.
pobre homem!
«Jandira, que tudo sabe, contou-me que o filósofo, já à beira dos quarenta, retrocedeu aos vinte: está amando as moças em flor. O pior é que a mulher, em vez de irrritar-se , vive a ridicularizá-lo. Às voltas com os filhos, Joana diz não ter tempo para se ocupar dele. É uma sólida filha de fazendeiro, raça teimosa e viril. A princípio, andou tendo ciúmes e fazia cenas. Depois, fincou pé e deliberou não tomar conhecimento desses descaminhos que, se arranham a fé conjugal, mais arranham ainda as veleidades do quarentão. Pois Jandira acrescentou que, de suas sortidas, o nosso Don Juan traz mais baldões do que troféus.»
Cyro dos Anjos, O Amanuense Belmiro (1937)
sandes místicas
«Sim, mas a máquina a vapor é capaz de fazer isto?» Folheando uma revista de consultório -- um consultório especial, como desde logo somos informados --, o narrador depara-se com uma curiosidade que lhe mudaria a vida, uma revelação, no sentido místico da coisa: "A sanduíche foi inventada pelo Conde de Sanduíche." Essa invenção, com efeitos momentosos no quotidiano da história da humanidade, e o seu inventor, tornaram-se-lhe obsessivos. De tal modo que empreendeu uma biografia do aristocrata britânico, apresentando-nos uma cronologia sucinta, com particular enfoque no processo criativo do que viria a desembocar na prosaica sandes. Essa cronologia é hilariante, como se calcula, e revela não apenas o humor culto e irónico de Allen -- os tiques pretensiosos de determinados tipos sociais de classe média alta e cultivada são constantemente trazidos ao leitor, como de resto acontece em muitos dos seus filmes --, mas demonstram também a enorme cultura do autor, que dela faz uso desabusado, para nosso deleite quase perverso.
início: «Desfolhava eu uma revista enquanto esperava que o meu beagle Joseph K. saísse da sua sessão habitual de cinquenta minutos às terças-feiras com um analista de Park Avenue -- um veterinário junguiano que, a cinquenta dólares a sessão, trabalha corajosamente para o convencer que a papada não é uma desvantagem social -- quando topei com uma frase que captou a minha atenção como se fosse um aviso de um cheque sem cobertura.»
um parágrafo: «1750: Na Primavera exibe e demonstra três fatias consecutivas de presunto empilhadas umas sobre as outras; isto desperta algum interesse, sobretudo em círculos intelectuais, mas o público em geral permanece indiferente. Três fatias de pão umas por cima das outras aumentam-lhe a reputação e, apesar de a maturidade do estilo não ser ainda evidente, é convidado por Voltaire.»
Woody Allen, Para Acabar de Vez com a Cultura (ed. original, 1966), tradução de Jorge Leitão Ramos, 4.ª edição, Amadora, Livraria Bertrand, 1981, pp. 37-42.
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José Sócrates (6)
Ouvi hoje, pela primeira vez, um comentador institucional num canal de notícias dizer que o Caso Freeport foi (e cito de memória) "muito provavelmente uma cabala" ou maquinação. A circunstância de o tal comentador ter-se atrevido a afirmá-lo sem receio dos cacarejos dos observatórios do costume, e nas circunstâncias patéticas em que Sócrates está, evidencia o excremento e a podridão em que se tem movido um certo sector do poder, desde os tempos das campanhas negras urdidas pelos mercenários a soldo do menino-guerreiro.
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quarta-feira, novembro 26, 2014
José Sócrates (5)
O que respondo aos que me interpelam com esta pergunta: "E então, o que acha?" Como eu sei aquilo que 99,9% dos portugueses, ou seja, nada, a única resposta decente, seja apoiante ou adversário, é qualquer coisa como: "Espero que esteja inocente."; como esperarei o mesmo para Portas ou a dupla Passos-Relvas.
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terça-feira, novembro 25, 2014
adornado de mimos e ternuras
«"O que parece definitivamente ter acontecido foi a revelação para ele, vindo de um meio em que proliferava a cópula a taxímetro, em quartos alugados, de uma ligação sexual adornada de mimos e ternuras, muitas dentadinhas no lóbulo da orelha, muitas festinhas no sexo, muita languidez no olhar, ela fazia-o sair lentamente, com uma paciência infinita, das águas negras do bowling e de outros jogos tenebrosos, anotando Molero a páginas oitenta e quatro que o rapaz tinha o ego desfeito, o ego era uma papa [...]».
Dinis Machado, O que Diz Molero (1977)
segunda-feira, novembro 24, 2014
José Sócrates (4)
Também me chateia que no sistema judiciário larvem umas criaturas que, a troco de dinheiro (corrupção...), passem informação privilegiada ao jornalismo tablóide.
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José Sócrates (3)
Ficamos a aguardar, daqui a ano e meio, a prisão dos responsáveis pelos submarinos e do caso Tecnoforma.
José Sócrates (2)
Será trágico que aquele que foi um dos melhores primeiros-ministros do país (com todos os erros políticos) venha a ser condenado por corrupção. É uma mancha que todos dispensávamos. Espero que ele se defenda cabalmente -- até porque a modalidade de tiro ao Sócrates foi metodicamente praticada à sua direita e à sua esquerda.
Como estou farto de dizer, das três vezes em que ele se apresentou a eleições, votei uma: precisamente quando os gangsters que hoje nos governam urdiram o caso Freeport. Aí votei Sócrates, e com gosto.
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José Sócrates (1)
A situação que o país vive hoje, com a prisão preventiva de José Sócrates, reveste-se de uma gravidade sem paralelo na história recente do país. Desta magnitude, só me ocorrem dois factos, aliás muito diferentes: a queda de Marcelo Caetano, com o cerco, a saída do Quartel do Carmo em chaimite, o desterro para a madeira e exílio no Brasil; e a morte de Sá Carneiro, em exercício de funções.
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uma musa serrana
«Por ela e para sua glória, em Vila Real e em Torre de Moncorvo, se batera em galanteios e a estoque o melhor da província. A ela se deveu o ressurgimento dos Árcades entre as serranias de Trás-os-Montes. As últimas quadras e acrósticos em que a divinizaram os Almenos e Cilênios tinham-lhe sido atirados ao regaço, quando saiu numa liteira, de Vila Real para Lisboa, aonde a chamava, com promessas de um casamento na corte, sua tia Mariana de Melo e Sá, comendadeira de Santos.»
Carlos Malheiro Dias, Paixão de Maria do Céu (1902)
domingo, novembro 23, 2014
as moçoilas bascas
«Que alegria de gente, que salubridade e vigor de povo!
As raparigas com as duas tranças, longas, atadas nas extremidades com laços de fitas de cores variadas e fortes; na cabeça uma flor do campo. A saia curta, a perna redonda, os jarretes finos, mas de ferro, como os seus montes nativos.»
Bulhão Pato, Memórias -- Cenas de Infância e Homens de Letras (1894)
sábado, novembro 22, 2014
tenho saudades do Abelaira
«Nem grande escritor, nem filósofo, nem cientista, mas um desses homens que, embora sem génio criador, souberam perceber qual é a orientação dos ventos. Um jornalista de qualidade, diríamos hoje. E, neste sentido, talvez a expressão soube perceber também se revele incorrecta. Não terá percebido nem deixado de perceber. Tanto poderia afirmar que A é B como A não é B. Mas disse que A é B e acertou sem dar por isso porque a História também escolheu que A é B. Se quiserem: atirou uns tiros ao acaso e caiu um pato.»
Augusto Abelaira, O Bosque Harmonioso (1982)
sexta-feira, novembro 21, 2014
a ameaça a aproximar-se
«Na sala, o homem sentado à mesa de vinhático levanta-se e verifica a janela: caixilhos de castanho, misagras de ferro antigo, sustentam as vidraças cheias de imperfeições (nódulos, bolhas, distorcem a visão), mas duma espessura sólida capaz de resistir.»
Carlos de Oliveira, Finisterra (1978)
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quarta-feira, novembro 19, 2014
terça-feira, novembro 18, 2014
segunda-feira, novembro 17, 2014
tão rubro, tão jucundo
«E pelos rasgões do chambre, um seio branco, rechonchudo, com mais vergonha que se o próprio Santo António lhe publicasse os segredos, mostrava o mamilo, tão rubro, tão jucundo como o morango primeiro que pinta no morangal.»
Aquilino Ribeiro, Andam Faunos pelos Bosques (1926)
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o meu LEFFEST 2014 (12)
Nuri Bilge Ceylan, Sono de Inverno, Turquia e França, 2014 ("Selecção Oficial -- Fora de competição").
...ou Bergman na Anatólia.
Haluk Bilginer é um actor admirável.
Haluk Bilginer é um actor admirável.
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domingo, novembro 16, 2014
o meu LEFFEST 2014 (11)
Pedro Costa, Casa de Lava, Portugal, 1994 ("Escolhas de Nan Goldin")
A grande expectativa com que ia não se cumpriu, inesperadamente.
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o meu LEFFEST 2014 (10)
Ben & Joshua Safdie, Heaven Knows What, EUA, 2014 ("Selecção oficial -- Em competição").
Outra dupla de irmãos que vai dar que falar (ou já está a dar que falar). Este é um filme cru, passado entre sem-abrigo nova-iorquinos e protagonizado pelos próprios. Não sendo uma obra-prima, tem sequências muito boas.
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sábado, novembro 15, 2014
o meu LEFFEST 2014 (9)
Florian Henckel von Donnersmarck, A Vida dos Outros, Alemanha, 2006 ("Simpósio -- Ficção e Realidade para além do Big Brother").
Quando um agente integro da Stasi (a polícia política da ex-República Democrática Alemã), convicto da necessidade do seu trabalho de vigilância dos cidadãos para defesa do sistema socialista, do Partido e dos trabalhadores, se apercebe que o regime de que é um guardião e ajuda a manter mais não é do que uma fraude obscena e uma traição inominável a esses mesmo ideais, em que prosperam os apparatchiki e medram os oportunistas do costume. Um filme magnífico.
Quando um agente integro da Stasi (a polícia política da ex-República Democrática Alemã), convicto da necessidade do seu trabalho de vigilância dos cidadãos para defesa do sistema socialista, do Partido e dos trabalhadores, se apercebe que o regime de que é um guardião e ajuda a manter mais não é do que uma fraude obscena e uma traição inominável a esses mesmo ideais, em que prosperam os apparatchiki e medram os oportunistas do costume. Um filme magnífico.
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sexta-feira, novembro 14, 2014
prolegómenos cristãos à terceira via
Carl Schmitt, Catolicismo Romano e Forma Política. Carl Schmitt (1888-1985) é um autor de referência do pensamento contra-revolucionário, antiliberal e antidemocrático. Dizer só isto, aliás, é dizer pouco. Schmitt foi um nazi desde cedo; e apesar de algumas divergências, traduzidas em ataques de sectores do nacional-socialismo (em nazismo não se pode dizer "mais radicais"...), a verdade é que o autor leccionou na Universidade de Berlim entre 1933 e 1945 -- ou seja, em todo o período em que o führer e os seus sicários estiveram no poder.
Este ensaio de 1925 pretende reagir ao ataque à Igreja Católica, que ele então denunciava, definindo-a como efectiva representação de Cristo no Mundo: «Ela representa a civitas humana, ela apresenta a cada instante a união histórica entre o devir humano e o sacrifício de Cristo na cruz, ela representa o próprio Cristo pessoalmente, o Deus que se tornou homem na realidade histórica. No representativo assenta a sua supremacia sobre uma época de pensar económico.» (p. 33) E, como seria de esperar, põe nos antípodas duma sociedade regida pela política e pelo direito (oh, ironia...), tanto capitalismo como bolchevismo, alegadamente pólos opostos duma mesma mundivisão: «O grande patrão não tem nenhum outro ideal senão o de Lenine: o de uma "terra electrificada".» (p. 28)
Schmitt oferece, portanto, a referência de um elemento não racional -- a divindade representada pela Igreja Católica -- em oposição a um sistema que não o pode contemplar -- a perspectiva demo-liberal: de um lado, como de costume, os vectores deletérios: a "técnica" e a "economia"; do outro, o institucionalismo da política estribada no direito, com as dicotomias do costume: matéria-espírito, pragmatismo-idealismo, revolução-tradição.
Da visão da Igreja como figuração de Deus, não posso deixar de extrapolar para uma ideia de Estado à imagem daquela, logo do "chefe" desse Estado como equiparado, senão ao próprio Deus, pelo menos soberano dessa mesma Igreja, o vigário do Deus. Daí ao endeusamento do chefe (do führer a haver), vai um pequeno passo.
Interessante como leitura e exercício, é ideologicamente intragável.
Interessante como leitura e exercício, é ideologicamente intragável.
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quinta-feira, novembro 13, 2014
o meu LEFFEST 2014 (8)
Liv Ullmann, Miss Julie, Noruega e Reino Unido, 2014 ("Selecção Oficial -- Fora de competição"). A grande peça de Strindberg filmada por Liv Ullmann.
É impressionante a dissecação impiedosa da estratificação social exposta pelo dramaturgo sueco, a todos os níveis: entre senhor e servo não há apenas uma barreira intransponível pelo nascimento; esta é também fautora duma mundividência que difere radicalmente da aristocracia para o povo -- no vestir e no falar, certamente; mas também no entendimentos do amor ou da religião, da vida e da morte. Só que, não obstante espesuras diversas, do verniz ou de porcaria, consoante o caso, todos são feitos da mesma massa, e é aí que tudo se complica, como Strindberg sabia muito bem.
E Jessica Chastain, no papel da Menina Júlia, que actriz!...
É impressionante a dissecação impiedosa da estratificação social exposta pelo dramaturgo sueco, a todos os níveis: entre senhor e servo não há apenas uma barreira intransponível pelo nascimento; esta é também fautora duma mundividência que difere radicalmente da aristocracia para o povo -- no vestir e no falar, certamente; mas também no entendimentos do amor ou da religião, da vida e da morte. Só que, não obstante espesuras diversas, do verniz ou de porcaria, consoante o caso, todos são feitos da mesma massa, e é aí que tudo se complica, como Strindberg sabia muito bem.
E Jessica Chastain, no papel da Menina Júlia, que actriz!...
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