sexta-feira, setembro 30, 2005

Antologia Improvável #57 - Fernando Tavares Rodrigues

AS TIME GOES BY

Como o tempo passa
enquanto ficamos sós...
Passamos nós pelo tempo
ou passa o tempo por nós?
Bebamos os dois à taça
o que, afinal, sou eu só
-- ambígua raiva, duelo,
dualidade num só.

Depois do Amor

Fernando Tavares Rodrigues

















A única imagem que me apareceu do
FTR na pesquisa do Google pertenceu
ao blog Universos Desfeitos, de boa
memória. Foi através dele, encontrado
casualmente na internet, que me apercebi
da piada disto tudo, tornando-me de dia
para dia numa espécie de blogodependente,
não descansando enquanto não tive o meu
Abencerragem.
Aqui fica esta homenagem ao Juraan Vink.

quinta-feira, setembro 29, 2005

Imposição

Os grandes livros são aqueles que nos forçam a escrever.

quarta-feira, setembro 28, 2005

Caracteres móveis #38 - Tuiavii e Erich Scheurmann

[...] Deus infligiu ao Papalagui* um castigo ainda pior do que o medo: a luta entre os que têm pouco ou nenhum «meu» e os que de muito se apropriaram. É uma luta encarniçada e sem merçê, a que se trava noite e dia. Todos eles sofrem com essa luta, que lhes tira a alegria de viver. Os que são ricos deveriam partilhar aquilo que têm, mas esses nada querem dar. Os que nada têm querem que lhes dêem alguma coisa, e nunca obtêm nada. Estes, também não é pela glória de Deus que combatem: ou tardaram simplesmente em roubar, ou nisso se mostraram desajeitados, ou, por último, nunca se lhes proporcionou a ocasião. Muito poucos se dão conta que estão de facto a pilhar o reino de Deus.
O Papalagui
(tradução de Luiza Neto Jorge)
*«Papalagui», o homem europeu, o branco em geral.

Joost Swarte




















O ilustrador do Papalagui

terça-feira, setembro 27, 2005

Antologia Improvável #56 - Alexandre O'Neill

GATO

Que fazes por aqui, ó gato?
Que ambiguidade vens explorar?
Senhor de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pelo, frio no olhar!

De que obscura força és a morada?
Qual o crime de que foste testemunha?
Que deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?
Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
quem somos nós, teus donos ou teus servos?

Abandono Vigiado / Poesias Completas

O'Neill

segunda-feira, setembro 26, 2005

Benoît Brisefer

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Kim Kebranoz,

ou Benoît Brisefer, criança possuidora duma força hercúlea, só a perdendo quando se constipa... É uma criação do belga Peyo, o autor dos celebérrimos Schtroumpfs. Um clássico da revista Spirou, editado entre nós há já vários anos pela mui católica União Gráfica. Estive a reler Os Táxis Vermelhos, e também aqui fazia sentido o slogan do hebdomadário concorrente: historietas dos 7 aos 77 anos. Palpitante!...

Peyo

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domingo, setembro 25, 2005

António José Saraiva

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Correspondências #14 - António José Saraiva a Óscar Lopes

[Viana do Castelo (?), 1948/1949 (?)]
Meu Caro
Mudei de ideias quanto à tese. Não interessa grandemente à geração de 70 tratar «exclusivamente» do Herculano. E é um erro considerá-lo como o mentor nacional único dos homens de 70. A releitura da parte do Portugal Contemporâneo relativa às tendências ideológicas que acompanham a Regeneração, e depois correspondem à ideologia revolucionária que prepara os acontecimentos de 68 a 70 fez-me ver que há uma intersecção de influências, correntes, temas, ideologias, atrás do Teófilo, Martins, Quental, etc. Ora é essa intersecção que interessa estudar como introdução ao estudo daqueles homens. Por outras palavras o meu estudo deve constelar-se não em torno de um homem mas de certas datas. Metodologicamente isto é muito mais perfeito e mais novo. É de resto aquilo que já ensaiaste nos Realistas e Parnasianos e no Bulhão Pato. Provisoriamente fixei o período 1851-1868, que tem o defeito de excluir obras importantes como a Felicidade pela Agricultura do Castilho.
Como trabalho prévio estou a recolher do Inocêncio a bibliografia do período citado. Depois encontrar-me-ei perante a avalanche do jornalismo da época. O Júlio Dinis reflecte um sector da mentalidade nacional da época: há um grupo de conformistas, burgueses típicos, como o Pinheiro Chagas, o J. César Machado, o Tomaz Ribeiro, o Paganino, que se anicham na Ordem que consideram estabelecida e perfeita quanto o podem ser as coisas deste mundo. Deles é o Júlio Dinis.
Tenciono ir para baixo no dia 9. Convidarei o Atanagilde para jantar comigo, e é possível por isso que não chegue a ir à tua casa. Tu podias aparecer por volta das 8, ou depois do teu jantar. Até às 10 há muito tempo para conversar.
Escreve.
PS -- Porque não jantas connosco? Convido-te.
Correspondência
(edição de Leonor Curado Neves)

Óscar Lopes

sábado, setembro 24, 2005

Antologia Improvável #55 - João de Barros (3)

SONETO DE AMOR

Tantos passaram pelo teu caminho
Antes que fosse a hora de eu passar
Que tenho a dor de me não ver sozinho
Na memória fiel do teu olhar.

Nenhum te disse frases de carinho,
Nenhum parou, talvez, para te amar...
E vão perdidos no redemoinho
Da Vida e nunca mais hão-de voltar.

Para ti, nenhum foi o mesmo que eu...
-- Mas porque a tua vista os abrangeu
Mesmo sem alegria, amor ou fé,

Deles alguma cousa em ti existe
-- Alguma cousa que me deixa triste
Porque não posso adivinhar o que é!...

Ansiedade / Vida Vitoriosa

Um manuscrito de João de Barros

Posted by Picasa Biblioteca Nacional

João de Barros

Desenho de João Abel Manta

sexta-feira, setembro 23, 2005

Caracteres móveis #37 - Graça Pina de Morais

a gentileza é sem dúvida uma qualidade da alma.
A Mulher do Chapéu de Palha

Bono

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Escrever na areia - A condecoração

Como estive a ouvir o The Joshua Tree, lembrei-me da recente polemiqueta em torno da condecoração atribuída pelo PR aos U2. Pobre Sampaio melómano. Ao contrário da surdez notória dos que normalmente são investidos nestas magistraturas, ele distinguiu-se por distinguir grandes figuras da cena musical. Lembro-me, à primeira, do tenor e maestro Placido Domingo e do pianista Alfred Brendel. Suspeito de que o Presidente não será um apreciador por aí além do som destes fabulosos irlandeses, e que terá querido vincar, mais do que a música, a acção global de Bono Vox. Ainda assim: o significado de Portugal ter reconhecido o mérito destes músicos na luta contra as injustiças mundiais é de tal maneira nobre, que as discussões em torno das suas indumentárias só me fizeram sorrir. E, vamos lá admitir, para os U2 uma condecoração portuguesa (ou outra qualquer, concedamos) não passará disso mesmo: um simpático adereço. Só a música importa.
Retocado em 25-IX-2005

quarta-feira, setembro 21, 2005

Corre, dijo la tortuga

Dejame solo conmigo,
con el intimo enemigo
que malvive de pensión
en mi corazón.

Joaquín Sabina

Antologia Improvável #54 - Saul Dias (3)

MENINO I

A folha de árvore
que rola.
A névoa fria
que se evola.

O veio de água
fino e verde.
A cantilena
que se perde.

O cão vadio
que nos olha
e nos entende...

A isto o menino,
sério, atende
ao ir p'ra escola.

Tanto / Obra Poética

(edição de Luis Adriano Carlos)

terça-feira, setembro 20, 2005

Portinari

Posted by Picasa Um dos seus muitos Retirantes,
a miséria a beleza a tragédia

Figuras de estilo #10 - Jorge Amado

Os urubus ficaram para trás. Não custou muito trabalho remover a pouca terra que cobria o corpo de Dina. Também eles não encontravam muito que comer no desolado da caatinga. Juntaram-se num bando irrequieto e barulhento, trocando bicadas entre si, sobre o cadáver. Adiante, Jerónimo, que não os via no céu, a persegui-los, imaginava o que se estava passando. Também João Pedro sabia que eles estavam devorando o cadáver de sua mulher. Mas não tinha coragem de voltar, de perder mais tempo, como não tinha mais forças para sofrer, nem lágrimas para chorar. Aos poucos se foram compenetrando de que não chegaria nenhum ao fim da viagem, a nenhum seria dado ver a fartura que existia por São Paulo. Mas marchavam para diante, que pior seria voltar. E voltar para onde, se já não tinham terra, nem casa, nem mandiocal, nem milharal?
Pelo meio da tarde novamente os urubus os alcançaram e voavam em círculos sobre eles.
Seara Vermelha

Amado

Posted by Picasa Fotografia de Roberto Frakenberg

segunda-feira, setembro 19, 2005

Adágio

Um drama pessoal está sempre por detrás do mais aceitável que já escrevemos.

domingo, setembro 18, 2005

Antologia Improvável #53 - Manuel de Freitas

Tens uma idade breve contudo excessiva,
um corpo débil alimentado quase
somente a mezcal. Talvez seja altura
de te calares, escreveste demasiado
sem uma única vez o vazio se te render.

De que serve este lento suplício,
em palavras ou gestos? Parte
ao amanhecer como quem se esqueceu
de regressar.

Encontrarás as horas iguais a
si mesmas, a forca no lugar certo.

1989-1992

Todos Contentes e Eu Também

Escrever na areia - Nojo aos cães

De um lado, gente sem decoro, homos e heteros, um lumpen cultural disposto a vender-se à primeira lixeira televisiva que apareça, e dê mais. Do outro, escória social sem passado nem futuro. A enquadrar os cães, umas luminárias engravatadas, escumalha moral, normalmente medíocres ressentidos com a vida. A rosnar, uns patetas da acção. Como o que hoje vi no Telejornal, uma espécie de berbere a clamar contra as invasões dos estrangeiros...
Estes mentecaptos deram já uma excelente oportunidade ao lobby que tanto os incomoda (e que evidentemente, como sucede com qualquer grupo social organizado, existe) para a autovitimização, com a estúpida associação homossexualidade=pedofilia. Parece, aliás, que começou hoje a recolha de assinaturas para a petição que pretende legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, apenas um primeiro passo para conseguir a adopção, «direito» pelo qual elas se vão bater denodadamente. Aquilo que os animais que desfilaram esta tarde afirmam querer evitar. Viva Portugal!

Eça

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Correspondências #13 - Eça de Queirós a Oliveira Martins

[1884]

Meu querido Oliveira Martins

A minha sublevação intestinal tem resistido à repressão conservadora do Bismuto. Preciso por isso um desses sujeitos que no tempo de Molière, frequentavam a alta sociedade com uma seringa debaixo do braço, e que nós hoje chamamos um príncipe da ciência. Conheces tu algum bom -- tão bom que distinga realmente o intestino grosso da aorta? O que vem aqui regularmente ao hotel parece-me um mendigo da ignorância.
Se não estiveres em casa, ao receber desta, manda-me pelo correio, num bilhete postal, o nome e adresse do sábio, -- para que eu o mande chamar amanhã.
Excelente o Friedlaender! Já tenho a minha estradinha romana, com a sua estalagem a sua tabuleta À Grande Cegonha, a sua inscrição convidativa invocando Apolo; e já tenho o aspecto da estrada, com as carroças de viagem, os arrieiros númidas, e os pajens favoritos com o rosto coberto duma máscara de miga seca de pão, para não sofrerem no acetinado da tez, com a humidade ou com o pó! Grande gente!
Manda o nome do sábio.
Teu do C
Queiroz
Correspondência
(edição de Beatriz Berrini)

Oliveira Martins

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sexta-feira, setembro 16, 2005

Antologia Improvável #52 - António Barahona (2)

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Os dentes sujos em pleno sol
já longínquo o sorriso da virgindade lunar
vestido negro que iluminava o branco
pescoço delinquente de corça que não via
desde a infância beber no alguidar enquanto
o coração acelerava ao lume e eu cristalizava
um pingo de vitral no café perante a bica

Rizoma

quinta-feira, setembro 15, 2005

L Goulés

Posted by Picasa Dia grande, para nós aqui na Hispania
e para Asterix L Goulés
(Imagem tirada ao Notas Bedéfilas
http://notasbedefilas.blogspot.com/)

Figuras de estilo #9 - Eça de Queirós (2)

E durante um momento Artur sentiu-se bem entre aqueles corações antiquados, tão fáceis de alegrar, naquela casa adormecida a um canto de vila triste, onde errava, entre os móveis a que o longo uso dera quase uma expressão humana, o cheiro pacato de alfazema.
A Capital!
(edição crítica de Luiz Fagundes Duarte)

Eça de Queirós

Posted by Picasa Caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro
SLB Posted by Picasa

quarta-feira, setembro 14, 2005

Delius

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A song before sunrise

Quando o jovem maestro Thomas Beecham resolveu trabalhar a música serena e aparentemente idílica do seu compatriota Delius, este, residente em França, era pouco conhecido dos melómanos britânicos, situação que seria alterada pelo futuro grande regente. Leio numa passagem do último secretário de Frederick Delius, Eric Fenby (citado num livreto da série «Great Recordings of the Century», A Voz do Dono), que o maestro se deixou impregnar pela poética do seu compositor de eleição, nunca o consultando por julgar que não carecia dos conselhos do criador. E parece que tinha razão ao tomar essa atitude de distanciamento: segundo Fenby, quando Delius ouvia a sua música executada em directo na rádio sob a batuta de Beecham, costumava dizer: «Perfect, Thomas, perfect».

Sir Thomas Beecham

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terça-feira, setembro 13, 2005

Antologia Improvável #51 - José Tolentino Mendonça (2)

UMA COISA INOCENTE

Estendi a mão por qualquer coisa inocente
uma pedra, um fio de erva, um milagre
preciso que me digas agora
uma coisa inocente

Não uses palavras
qualquer palavra que me digas há-de doer
pelo menos mil anos
não te prepares, não desejes os detalhes
preciso que docemente o vento
o longínquo e o próximo
espalhe o amor que não teme

Não uses palavras
se me segredas
aquilo que no fundo das nossas mentiras
se tornou uma verdade sublime

De Igual para Igual

segunda-feira, setembro 12, 2005

Caracteres móveis #36 - Camilo Castelo Branco

Civilizar-se, súbito, o coração, e o nascerem aspirações para o ideal da mulher, nem sequer sonhado antes, isto em homens que pareciam herdar a bruteza dos avós, é cousa de prodígio que os mais previstos explicam com a teoria do progresso universal. Contestam outros esta racional teoria, negando o progresso da matéria inerte, cuja vitalidade em certos indivíduos se manifesta somente na sobreposição das camadas adiposas. Eu de mim, espectador indeciso destes e quejandos fenómenos, faço o que fazia o padre tempo: admiro-me.
Doze Casamentos Felizes

Camilo

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domingo, setembro 11, 2005

Antologia Improvável #50 - Fernando Grade

OLÍMPICOS

(Ouvindo «A Tempestade», de van Beethoven)


Lá vão os sonhos nos braços do vento
lá vai o campeão a haver do mar das velas.

Dizem-me O moço vai ganhar
que (neste caso) aquele povo ali ao fundo da escada
quer sentir-se herói outra vez
e através do campeão à vela e ao mar.

Contudo
as brisas perversas têm a sua longa ronha
as velas de salsugem não duram sempre
têm a idade marcada na pele
assim como os músculos e o cheiro dos pêssegos
tal-qual o sangue bom que conseguiu voar
e um dia volta a ser toupeira.

O pano ruiu
abre-se uma fenda do tamanho de
um coração a arder
e o campeão que estava para ser
evaporou-se
e com ele morreram as quimeras
de muitos que só tinham esse caminho inventado
para morder os seios à Primavera.

Philosophus per Ignem

sábado, setembro 10, 2005

Correspondências #12 - O Cavaleiro de Oliveira à Condessa de N.***

À Senhora Condessa de N.*** Sobre o casamento duma dama alemã, que se casou com um italiano
Sim, Senhora, o que V. S. ouviu a respeito deste matrimónio é mais que certo. O noivo não fala tudesco, e a noiva não sabe uma só palavra de italiano. O negócio parece curioso, porém, perguntando-me V. S. o que penso dele, digo-lhe que o caso para mim tem pouco de extraordinário.
O amor é o pai de todos os homens, e todos os filhos assim o devem entender. É verdade que o amor ilícito, necessitando nas suas acções de máscara e de disfarce, necessita ao mesmo tempo de saber a língua do país, ou para melhor dizer a da pessoa a quem deseja comunicar-se; porém, quando o amor é conduzido por Himeneu, sem cuja companhia é mal recebido das gentes honradas, basta-lhe deixar-se ver para se fazer entender, e todo o mundo fala por ele. Em qualquer língua que se explique logo se sabe o que procura, e a mulher mais honesta, logo que ele se declara sem crime, o entende.
A razão que há para isto é clara. A linguagem do amor é uma tradição sincera e muito fácil de que a natureza é depositária, e esta não deixa jamais de revelar às mulheres a inteligência dessa linguagem logo que elas necessitam de entendê-la. Além disso o matrimónio tem expressões em que são desnecessários os intérpretes.
Não se admire pois V. S. de que duas pessoas estrangeiras e de uma língua tão diferente se resolvessem a casar, e creia como um artigo de fé natural que nesta qualidade de mistérios todo o mundo fala a mesma língua. Cuidei eu que V. S. sabia que a gente moça, casada, tem seus modos particulares de se entender, independentes de toda a qualidade de línguas que há na terra.
Entre todas as divindades o amor é a única que não mudou de serviço: o seu culto é agora o mesmo que foi no princípio do mundo: ainda se lhe dedicam os mesmos votos, ainda se lhe fazem os mesmos sacrifícios, ainda se lhe oferecem as mesmas vítimas, e quando dois amantes querem assistir juntos a estes mistérios ocultos, cheios do deus que os possui, compreendem em um momento todas as cerimónias e tudo o mais que se pratica em honra sua.
No presente caso não falta quem argumente dizendo: os nossos casados não falam a mesma língua, logo não se entendem. Respondo a isto: que, se se não entendem de dia, se entendem de noite. Dessa forma se entenderão na ametade da sua vida e isso não é pouco para gente casada. Quantos maridos conheço eu e quantas mulheres conhece V. S. que não desejariam mais? É infinito o número de casais que, falando a mesma língua, se não entendem em toda a vida. Tenho para mim que este matrimónio será ditoso para ambos, porém muito mais para o marido, porque, podendo gozar das carícias da noiva, está livre de ouvir despropósitos à mulher.
Corram críticas sobre o noivado, fervam sátiras sobre o casamento, este será sempre o meu parecer. Se V. S. o não aprova, aprove a firmeza, a sinceridade e a veneração com que protesto ser de V. S.
Muito venerador
Viena de Áustria, 30 de Janeiro de 1736.
Cartas
(edição de Aquilino Ribeiro)

Estive a ouvir o Tommy,

Ann-Margret Posted by Picasa

aquela ópera-rock dos The Who

Ann-Margret Posted by Picasa

composta pelo Townsend

Posted by Picasa Ann-Margret

sexta-feira, setembro 09, 2005

Ratos e homens

But if the while I think on thee, dear friend / All losses are restor'd, and sorrows end.
Shakespeare

No Bosque Proibido, romance de Mircea Eliade, Stefan refugiou-se do blitz londrino nas estações do Metro. No bolso levava sempre uma edição dos sonetos de Shakespeare, que lia obstinadamente enquanto as bombas caíam. Os Sonnets preservavam-no da ameaça lançada dos ceús. Nessa espécie de esgoto, a poesia fazia a diferença entre ratos e homens.

Mircea Eliade

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quinta-feira, setembro 08, 2005

Antologia Improvável #49 - Vasco Graça Moura

princípio do prazer

à sua volta os pombos cor de lava
nos arabescos pretos do basalto
e gente, muita gente que passava
e se detinha a olhá-la em sobressalto

no seu olhar havia uma promessa
nos seus quadris dançava um desafio
num relance de barco mas sem pressa
que fosse ao sol-poente pelo rio

trazia nos cabelos um perfume
a derramar-se em praias de alabastro
e um brilho mais sombrio quase lume
de fogo-fátuo a coroar um mastro

seu porte altivo punha à vista o puro
princípio do prazer que caminhava
carnal e nobre e lúcido e seguro
com qualquer coisa de uma orquídea brava

e nas ruas da baixa pombalina
sua blusa encarnada era a bandeira
e o grito da revolta na retina
de quem fosse atrás dela a vida inteira.

Antologia dos Sessenta Anos

VGM

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Terra batida

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quarta-feira, setembro 07, 2005

Mundo de aventuras

Uma pequena aldeia na planície arménia
nevoeiro matinal no porto de Dieppe.
O silvar agudo nos cimos dos Cárpatos,
um castelo solitário num lago escocês.

Um junco chinês no mar do Japão,
um trilho de camelos na Rota da Seda.
Um catre vazio no mosteiro da Arrábida
uma via romana na serra do Gerês.

Uma mesa de cozinha e odores de Outono,
um eucaliptal onde brinco com o Avô.
O último número da revista tão esperada,
despojos da infância que se me acabou.

Sintra, 21 de Março de 2001
Seis Composições Outonais

terça-feira, setembro 06, 2005

Caracteres móveis #35 - Kropotkin

Quando o nível moral duma sociedade baixa ao ponto em que está hoje, esperamos antecipadamente que a revolta contra esta sociedade tome por vezes formas que nos farão estremecer; mas não condenamos por isso a revolta.
A Anarquia. A Sua Filosofia -- O Seu Ideal
(tradução anónima)

Piotr Kropotkin

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