terça-feira, fevereiro 28, 2023

«A Dialogue»

traços dum mazorro - caracteres móveis

 «Todos se contentavam com o caldo, de manhã, as sardinhas à noite e ao domingo meio litro de vinho na Feira dos Nove ou na tasca do Lopes.»

«Chegou o mocho para a janela e sentou-se a olhar os campos, cada vez mais soturno, mais enfronhado em severidade.»

«Fazia de forte, convencido, assim, de que a situação seria menos penosa; mas cada palavra exigia um esforço enorme para romper a emoção que lhe fechava a garganta.»

Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)


segunda-feira, fevereiro 27, 2023

«We Were Beautiful»

pasquinadas

 Há décadas que o Expresso se juntou ao clube dos pasquins; o que faz não é jornalismo mas excreção de dejecções no espaço público. Veja-se a forma tendenciosa como noticia a intervenção do Roger Waters numa acção do Rage Against War Mchine. O analfabeto do escrevente crê que somos todos da sua laia, assim uma espécie de leitores/espectadores do Correio da manha, que lemos e não percebemos o que estes erros da natureza pretendem inculcar.  No último parágrafo, assim como quem não quer a coisa e achando que somos todos muito estúpidos, este pobre de espírito anónimo arrola como apoiantes da posições de Waters e do RAWM, nada menos que neo-nazis, maluquinhos antivacinas e abusadores sexuais. Não é preciso dizer mais nada. 

Oh a puta da imprensa portuguesa, como diria o Fernando Pessoa, versão Álvaro de Campos...

caracteres móveis

 «Atmosfera pesada, nuvens cor de chumbo em barras pelo céu; e cada lufada de vento que sobra sem um suspiro sequer nas folhas do arvoredo cresta-me a cara como o hálito dum forno, e longamente parece rarefazer, no ar, o oxigénio indispensável à função dos meus pulmões.»

«Vários trens que encontrei na estação estavam alugados: um char à bancs, a tanto por lugar, digna-se entretanto receber a minha mala, a minha fadiga, e uma parte da poeira que me enegrece a cara, e torna alvacento o meu sobretudo claro de viajante.»

«O char à bancs leva a trepar muitos minutos: ao passo de cavalos asmáticos, a que o cocheiro abandona a rédea, coitado, para se pôr a picar uma cigarrada reparadora de "Kentucky".»

Fialho de Almeida, «Alexandre Herculano» [1888], Figuras de Destaque (póst., 1923)

domingo, fevereiro 26, 2023

Viriato Soromenho Marques e Miguel Sousa Tavares, um contraponto à indigência de Cravinho, e da inenarrável inconsciência de Marcelo e Costa (ucranianas CLXIX)

 «Palavras de Guerra», Viriato Soromenho Marques, no  Diário de Notícias

«Um ano de estupidez», Miguel Sousa Tavares, no Express 

«O combate por um Mundo mais decente», de João Gomes Cravinho -- o contraste: o responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros a fazer coro com o jornalismo televisivo mais analfabeto, assim à José Alberto Carvalho. O vazio é de tal forma profundo, que só pode ser propositado. Já tivemos pior, é verdade, o Santos Silva; mas depois deste empastelamento brutal de Costa e do número de Marcelo, a confiança de que as principais figuras do Estado estejam à altura das suas funções e proteger o país, se o conflito degenerar é nenhuma, o que é extraordinariamente preocupante.

«Toot My Own Horn...»

sábado, fevereiro 25, 2023

quadrinhos,

a grande coligação: do populismo boçal do Chega ao trotsko-wokismo do Bloco (ucranianas CLXVIII)

 Sim, qualquer pessoa bem formada deplora a guerra, como qualquer candidata a miss universo. Não me posso pronunciar sobre o texto de Santos Silva, que não consegui ler ou ouvir, mas pelos destaques da imprensa, percebe-se o que lá está. Santos Silva, antigo paladino do "presidente Guaidò", nunca teve dimensão política como ministro dos Negócios Estrangeiros, como se viu, da crise da Venezuela (em que pôs em risco a vivência da comunidade portuguesa para satisfazer os interesses americanos) à guerra da Ucrânia. Portanto, neste particular, tudo o que dali sai partilha da irrelevância da obediência às supostas conveniências políticas.

Como qualquer pessoa minimamente arguta percebe, a quase unanimidade política que vai do populismo oportunista boçal do Chega ao trotsko-wokismo do BE, passando pelo centrão das negociatas, é falsa e cheira mal.

Eu gostaria de ser um pacifista à outrance, no que estou impedido pelo meu pessimismo antropológico; há por isso momentos da história em que a guerra aparece como a única saída. É triste e é verdade. Ao atacar a Ucrânia transformada em joguete do Pentágono, a Rússia defende-se, como digo desde o princípio: uma guerra preventiva.  O que quer Putin prevenir, para além do assentar da matilha à porta de casa, será tentativa para outro post.


«Tetuskha Ulyana»

quadrinhos


 

sexta-feira, fevereiro 24, 2023

«Grandeza»

a questão da nacionalidade na Ucrânia (ucranianas CLXVII)

Putin foi criticado, e provavelmente com razão (provavelmente, porque  não estudei o assunto), por defender que ucranianos e russos formam uma mesma nação, posição que talvez equivalesse -- creio que já aqui alvitrei -- a que se dissesse que com galegos e portugueses sucede o mesmo, o que não é verdade, apesar de a nossa matriz linguística estar radicada no velho reino da Galiza.

Demos pois de barato, seguindo o senso comum, que os ucranianos são mesmo ucranianos, e não russos; e assim sendo teremos de concluir que os habitantes do Donbass, na sua maioria, e também da Crimeia e noutros sítios, não são ucranianos, mas russos.

Por complicações da História, conhecidas, embora pouco referidas, estes russos fartaram-se de (ou nunca quiseram) ser ucranianos; e a partir de certa altura (ou desde a queda da URSS -- há casos, como o da Transnístria) resolveram rejeitar o estado que integravam, passando, neste caso específico, regressar à mãe pátria.

Esta vontade de autodeterminação ou é reconhecida e negociada entre as partes (Quebeque, Escócia, com os escolhos conhecidos); ou não o é: Catalunha, Curdistão, País Basco, etc.)

-- e historicamente ou o foi (Eslováquia) ou não o foi (geralmente nunca o é):  do Curdistão a Timor, passando por outras colónias portuguesas, e até por Portugal, sob os Filipes.

Ah e tal, mas o Direito Internacional...  O Direito Internacional não pode sobrelevar o direito à autodeterminação dos povos; além de que, salvo opinião mais douta, e como se vê, o ordenamento jurídico ocupa-se em manter o que está, ignorando as aspirações legítimas do que ainda não é -- ou nunca será...

Se a União Europeia se marimba -- quando não sabota -- para as aspirações e lutas de autodeterminação da Escócia ou da Catalunha, do que é que se estaria à espera quanto a uma províncias da Europa Oriental?

O Direito é esplêndido, mas é para os fracos cumprirem e aí os sediciosos são chamados de terroristas para baixo; quando têm força para levar a sua avante e triunfam, os terroristas passam a heróis, muitas vezes póstumos. Ora os separatistas do Donbass que combatem o estado artificial ucraniano desde 2014, para o seu povo são heróis; é isto que verdadeiramente importa.

tenham vergonha e calem-se (ucranianas CLXVI)

Os russos -- ou, se quiserem, o poder russo até agora sufragado pela maioria dos cidadãos -- não querem os americanos a ladrar-lhes à porta (uso a sábia expressão do papa Francisco), russos que já lá têm uma quinta coluna, cuja face visível é um tipo da extrema-direita, provavelmente pago pela CIA, convertido em herói dos "nossos valores", chamado Navalny, 

Uma criatura destas é um herói da úrsulas, dos borréis, ou dum reles patife como o Boris Johnson.

Os valores das pessoas decentes não estão aqui, estão nos verdadeiros heróis (uma bisca para Marcelo): o curdo Abdullah Ocallan, há longos anos na cadeia; o palestino Marwan Barghouti, idem, o tibetano Tenzin Gyatso (o Dalai Lama), no exílio, sem esquecer o martirizado Julian Assange, ou o refugiado Edward Snowden.

Portanto, tenham vergonha e calem-se.

quinta-feira, fevereiro 23, 2023

caracteres móveis - Camilo Castelo Branco

1. «A mocidade estudiosa, em grande parte simpatizava com as balbuciantes teorias da liberdade, mais por pressentimento, que por estudo.»

2. «Os apóstolos da revolução francesa não tinham podido fazer revoar o trovão dos seus clamores neste canto do mundo; mas os livros dos enciclopedistas, as fontes onde a geração seguinte bebera a peçonha que saiu no sangue de noventa e três, não eram de todo ignorados.»

3. «O discurso ia no mais acrisolado da ideia regicida, quando uma escolta de verdeais lhe aguou a escandecência.»

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

«Flipside»

quarta-feira, fevereiro 22, 2023

quadrinhos


 

Garrett gozoso

1. «Por quantas maldições e infernos adornam o estilo dum verdadeiro escritor romântico, digam-me, digam-me: onde estão os arvoredos fechados, os sítios medonhos desta espessura?»

2. «Trata-se de um romance, de um drama -- cuidas que vamos estudar a história, a natureza, os monumentos, as pinturas, os sepulcros, os edifícios, as memórias da época?»

3. «Passaria por aqui algum Orfeu que, pelos mágicos poderes da sua lira, levasse atrás de si as árvores deste antigo e clássico Ménalo dos salteadores lusitanos?» 

Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra (1846)

«Brave Captain»

ucranianas CLXV

Só ouvi os excertos das televisões. Mais importante, o encontro tripartido NATO-UE-Ucrânia (a UE subsumida) e o encontro entre as delegações russa e chinesa dos negócios estrangeiros, somando-se a dura declaração do porta-voz em Pequim, crítica dos EUA.

Do que ouvi a Putin, gostei bastante. É assim a vida.

terça-feira, fevereiro 21, 2023

quadrinhos


 

caracteres móveis - EURICO O PRESBÍTERO

1. «Nenhuma das tribos germânicas que, dividindo entre si as províncias do império dos césares, tinham tentado vestir sua bárbara nudez com os trajos despedaçados, mas esplêndidos, da civilização romana  soubera como os Godos ajuntar esses fragmentos de púrpura e ouro, para se compor a exemplo de povo civilizado.» 

2.  «A podridão tinha chegado ao âmago da árvore, e ela devia secar.» 

3. «O povo, esmagado debaixo do peso dos tributos, dilacerado pelas lutas dos bandos civis, prostituído às paixões dos poderosos, esquecera completamente as virtudes guerreiras dos seus avós.» 

Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

do jornalismo: elogio da Antena 1 e a pobrezinha RTP (ucranianas CLXIV)

Nos últimos tempos tenho ouvido pouca rádio, por isso só no outro dia me apercebi que a Antena 1 tinha dois repórteres na Guerra da Ucrânia, um em cada lado do conflito, e assim é que é, sendo possível. Nunca há verdades absolutas, e jornalismo é jornalismo, coisa que raramente acontece nos merdia.

Ao bom, exemplo da rádio pública, contrapõe-se a indigência da televisão pública, que não usa do mesmo critério. Que eu saiba, não há nenhum jornalista a cobrir o lado russo da guerra -- como sucedeu, pasme-se!, com a CNN Portugal --; pelo contrário, ontem fui servido ao jantar oura vez pela Cândida Pinto, com loas repetidas ao acto de coragem do Biden, que se deslocou a Kiev depois de dar pormenorizadamente aos russos os pormenores da deslocação; para a sobremesa estava-me guardada a Márcia Rodrigues, cuja subtileza de análise recaía na calma com que Biden andava em Kiev ao som das sirenes -- um belo momento televisivo para a pré-campanha eleitoral.

Isto seria de rir, não fora o misto de desfaçatez, incompetência, impreparação e vazio; e não fora ainda o insulto à inteligência dos telespectadores e o desrespeito ao serviço público.

A (nem de) propósito, este texto de Frederico Duarte de Carvalho, que me chega no Página Um.

«The Heat Is On»

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segunda-feira, fevereiro 20, 2023

olhò robot (ucranianas CLXIII)

 Ainda não pude ouvir os acontecimentos do dia, a visita de Biden a Kiev, depois de avisar os russos; para já esta originalidade de António Costa, uma cassete sem ponta por onde se pegue, repetindo a propaganda que pretende justificar o envolvimento europeu na guerra. Do alegado isolamento (a Rússia está isoladíssima, como se verifica), à ideia peregrina da derrota russa. Vê-se a que ponto ela está prestes a ser derrotada.

O que é trágico neste avatar robótico de Costa é o que revela, entre outras coisas, o como a UE, ao servir de peão dos interesses americanos, em vez de tentar manter uma independência crítica, apenas faz parte do problema e nunca de uma solução.

A guerra da Ucrânia, cada vez mais longe de uma solução diplomática -- seria neste tabuleiro que a UE deveria ter apostado (sem a má-fé que  se sabe agora esteve por detrás dos acordos de Minsk) --, (a guerra) só terá dois desfechos (afastada que julgo estar  a possibilidade de uma débâcle russa, a aposta americana): ou a capitulação da Ucrânia, que eu ardentemente desejo e espero que seja desta que os russos lhe inflija o golpe de misericórdia que a arraste para a mesa das negociações; ou a guerra com a Nato, tão desejada pelos falcões descerebrados do Pentágono e respectivos fantoches, convencidos que o conflito se restringirá à Europa -- desgraçados inconscientes!... E para isto servem todas as mentiras e truques com que nos bombardeiam de há um ano para cá, com a teia de cúmplices e idiotas úteis.

Quando Costa se presta a ser um mero papagaio, em vez de estadista, será co-responsável pela evolução que se der, se a guerra extravasar as fronteiras da Ucrânia (como o é Marcelo Rebelo de Sousa ao pôr-se em bicos de pés, atribuindo a Zelensky o Grande Penduricalho da Liberdade: serão co-responsáveis, pela sua fraqueza, mediocridade e ausência de grandeza políticas de terem mergulhado Portugal numa guerra que não lhe diz respeito, e que para dar aparência de que os nossos interesses enquanto estado e nação estão em jogo têm de ser coniventes com a mistificação que tem sido urdida ao longo do último ano -- a de que a Rússia representa uma ameaça militar para a Europa, em especial para os antigos países da União Soviética e do Pacto de Varsóvia, que integram a Nato.

Esta é, desde o princípio a conversa do Zelensky e de vários agentes do Pentágono. Por muito que Putin gostasse, ele nunca poderá arriscar atacar um país da aliança atlântica, pois sabe muito bem o que sucederia: a entrada directa em guerra com os Estados Unidos e os restantes países da organização ou seja, o suicídio. É um argumento que só funciona com ignorantes, com aqueles que ouvem as gordas no intervalo das telenovelas; mas como no QG Nato também sabem que nem toda a opinião pública é assim, um dos veios da propaganda foi a da alegada doença ou loucura de Putin, só isso podendo justificar um acto tão irracionalmente perigoso -- uma das muitas enxurradas de aldrabices com que nós cidadãos temos sido intoxicados. Como se vê, o Putin transpira irracionalidade por todos os poros e há palermas que vão atrás disto, como esse inenarrável Farred Zakaria, num dos mais boçais programas de informação , na CNN: Putin, um novo Hitler; Zelensky, um Churchill, valha.nos Nossa Senhora de Fátima, com Pastorinhos por atacado.

Quando vejo Costa e Marcelo mergulharem até ao pescoço nesta trampa nauseabunda, o asco é inevitável. Como digo desde o princípio, cá estarei para me penitenciar do erro de análise (e só deste), se Putin cair; mas amanhã ainda não será a véspera desse dia, pelo que, quem estiver à espera disso, suspeito que terá de esperar sentado. Até lá, os Estados Unidos continuarão a fazer guerra à Rússia até ao último ucraniano (algo que escrevo desde o início), esperemos que não até ao último europeu.

«Sete»

'noite doce noite'*

António Carneiro
   «E noite, cerração compacta, névoa e granito formam um todo homogéneo para construírem um imenso e esfarrapado burgo de pedra e sonho.»  Raul Brandão, A Farsa (1903)

 «Nessa noite de Julho, ao regressar a casa, deve ter parado, atónito, no meio da rua deserta: embora passasse da meia-noite, havia, na janela da frente, um risco de luz vertical!»  Francisco Costa, Cárcere Invisível  (1949)

«Noites havia, sim, em que simplesmente apreciava a noite: O aspecto de mascaradas, ou desmascaradas, que certas casas têm a certas horas; o silêncio das ruas e a sonoridade das pedras; os vultos que se esgueiram, ou esperam à esquina, ou se cosem às paredes, ou nos roçam o ombro, ou nos pedem lume, ou falam alto; e depois esboços de paisagens, ou transfigurações inesperadas de coisas que à luz do dia são banais.» José Régio, Jogo da Cabra Cega  (1934) 


*(título de um poema de Artur Queiroz)

domingo, fevereiro 19, 2023

«Moonshine Freeze x»

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dos 25 romances: 7 -9 - caracteres móveis

A Catedral «E os escavadores de antiguidades, os paleontólogos da história, sondando os arcanos, esquadrinhando os recantos, esgravatando os relevos e encarniçando-se horas e horas sobre centímetros quadrados de pedra, na pista dum sinal e à cata da menor grafia, tinham atacado os latins gastos das inscrições, os góticos corroídos dos epitáfios, toda a linguagem enferrujada dos velhos tempos, desarticulada e posta a falar nas bárbaras sonâncias mortas.» Manuel Ribeiro (1920)

Andam Faunos pelos Bosques «Via-se luzir em volta o verniz das cadeiras de palhinha, e na gaiola de folha, preso pelo pé, o papagaio figurava numa daquelas suas melancólicas crises de proscrito, com a cabeça debaixo da asa, um novelo de lã verde mal dobada.» Aquilino Ribeiro (1926) 

Emigrantes «Cuspiu a ponta do cigarro e, para não magoar o pé, desceu, com cuidado e vagares de homem da cidade, os três metros que o separavam do ínvio caminho.» Ferreira de Castro (1928)

coisas que me dão desconforto intestinal (ucranianas CLXII)

Ouvir norte-americanos, como a inenarrável v-potus, falar em crimes de guerra da Rússia na Ucrânia, quando saíram todos impunes e impantes da guerra no Iraque das armas de destruição maciça que eles inventaram (quantos milhares de mortos?; quantos lares e famílias destruídos em nome da mais sórdida rapina?).

sábado, fevereiro 18, 2023

dos 25 romances: 4-6 - caracteres móveis

 A Morgadinha dos Canaviais «Desde que fazia perfeito e consciente uso da razão, fora esta jornada, em que o encontramos, a primeira levada a efeito, e logo sob tão maus auspícios, que era para sufocar-lhe à nascença os instintos de "touriste", se porventura quisessem despertar nele.» Júlio Dinis (1868)

A Cidade e as Serras «Sem coração bastante forte para conceber um amor forte, e contente com esta incapacidade que o libertava, do amor só experimentou o mel -- esse mel que o amor reserva aos que o recolhem, à maneira das abelhas, com ligeireza, mobilidade e cantando.» Eça de Queirós (póst., 1901)´

Húmus «Seres e coisas criam o mesmo bolor, como uma vegetação criptogâmica, nascida ao acaso num sítio húmido.» Raul Brandão (1917)

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25 romances (2) - o arejar da prosa

 

2. «Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como Sampetersburgo -- entende-se.» (Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, 1846)

A ideia de viagem, substantivo e verbo, empregue no título e incipit do romance de Garrett; substantivo no plural, uma vez que ao percurso físico se somam as múltiplas digressões que o autor nos oferece ao longo do livro. Como já aqui escrevi, o incipit da Viagem à Volta do Meu Quarto (1839), de Xavier de Maistre (1763-1852), servindo como epígrafe -- -- «Qu'il est glorieux d'ouvrir une nouvelle carrière, et de paraître tout-à-cop dans le monde savant un livre de découvertes à la main, comme une comète inattendue étincelle dans l'espace!» --, dá o tom paródico e descontraído do texto, ajudado pelo sumário prévio do capítulo -- «De como o autor deste erudito livro se resolveu a viajar na sua terra, depois de ter viajado no seu quarto; e como resolveu imortalizar-se escrevendo estas viagens.», etc. --,  mas também a noção de uma via que Garrett abre, um arejamento na prosa nacional, brisa que chega até nós.

Neste capítulo inicial, são expostas as razões, no tom vivificante da hora em que Garrett vai tomar o vapor no Terreiro do Paço -- seis da manhã de um dia de Julho de 1843 --, alarga-se nas primeiras considerações com que polvilhará todo o romance, detendo-se numa benigna e pitoresca disputa entre varinos e campinos sobre quem é mais forte: se os ribatejanos ou os beirões do litoral. 

«Ghost»

dos 25 romances 1-3 - caracteres móveis

Eurico o Presbítero «Cada qual tecia então a sua novela ajudado pelas crenças da superstição popular: artes criminosas, trato com o espírito mau, penitência de uma abominável vida passada, e, até, a loucura, tudo serviu sucessivamente para explicar o proceder misterioso do presbítero.» Alexandre Herculano (1844)

Viagens na Minha Terra «De alguma beleza sei eu cujos olhos cor da noite ou de safira (Dialec. Poet. Vet.), cujas faces de leite de rosas, dentes de pérolas, colo de marfim, tranças de ébano (a alusão é sortida, há onde escolher) davam larga matéria a boas grosas de sonetos -- no antigo regime dos sonetos, e hoje inspirariam miríades de canções descabeladas e vaporosas, choradas na harpa ou gemidas no alaúde.» Almeida Garrett (1846)

Amor de Perdição «O povoléu intacto fugira espavorido, que ninguém se atrevia ao filho do corregedor; os feridos, porém, incorporaram-se e foram clamar justiça à porta do magistrado.» Camilo Castelo Branco (1862)

sexta-feira, fevereiro 17, 2023

25 romances (1) - tempo de conflito

 

 1. «A raça dos Visigodos, conquistadora das Espanhas, subjugara toda a Península havia mais de um século.» (Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero, 1844) 

Ainda hoje o termo visigodo nos transporta para a bruma do passado mais remoto; até parece que o povo germânico por cá andou antes dos romanos, quando é o contrário. Aquele, cristão, senhor da Península Ibérica, parte do sul de França e Norte de África. O romance dará conta que foi na guerra civil que assolava o reino de Rodrigo que o Conde de Ceuta pede auxílio às forças de Tárique, no distante 711. A primeira frase do romance dá-nos pois o palco -- a Ibéria -- o tempo aproximado da acção, que o leitor suspeitará avizinhar-se do ataque muçulmano, sempre incompletamente contado, e de que os agentes da acção é esse povo que invadiu a península na sequência da queda do Império Romano e na esteira doutros povos germânicos que por aqui passaram. O título, porém oferece-nos um nome e uma condição eclesial, fazendo nascer em quem lê uma curiosidade acrescida, em que haverá conflito, certamente religioso. O historiador cedia aqui ao romancista, como era forçoso.

Forçoso é também lembrar que o início da narrativa é precedido de uma «Introdução» do autor, que se prende, porém, com a questão do celibato dos padres, distante, pois, do tópico do incipit. Este, por sua vez, é encimado por esta epígrafe, extraída do Chronicon do Monge de Silos (Século XII): «A um tempo toda a raça goda, soltas as rédeas do governo, começou a inclinar o ânimo para a lascívia e soberba.» O conflito a haver não será assim -- ou não será apenas -- religioso, entre cristãos e muçulmanos, mas de outra natureza, civil, adivinha-se também. Mas, como também sabemos, à medida que avançamos na leitura, o choque interior do protagonista não será menos terrível. 

«Ao Sol da Manhã»

quinta-feira, fevereiro 16, 2023

quadrinhos


 

25 romances

 1. Eurico o Presbítero, de Alexandre Herculano (1844); 2. Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett (1846); 3. Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco (1862); 4. A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis (1868); 5. A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós (póstumo, 1901); 6. Húmus*, de Raul Brandão (1917); 7. A Catedral, de Manuel Ribeiro (1920); 8. Andam Faunos pelos Bosques, de Aquilino Ribeiro (1926); 9. Emigrantes, de Ferreira de Castro (1928); 10. Jogo da Cabra Cega, de José Régio (1934); 11. Ana Paula, de Joaquim Paço d'Arcos (1938); 12. Cerromaior, de Manuel da Fonseca (1943); 13. Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio; 14. A Toca do Lobo, de Tomaz de Figueiredo; 15. Cárcere Invisível, de Francisco Costa; 16. A Sibila, de Agustina Bessa Luís (1954); 17. Barranco de Cegos, de Alves Redol (1961); 18. O Delfim, de José Cardoso Pires (1968); 19. Novas Cartas Portuguesas**, pelas "Três Marias"***; 20. O que Diz Molero, de Dinis Machado (1977); 21. Sinais de Fogo, de Jorge de Sena (póstumo, 1979); 22. Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes (1979); 23. Levantado do Chão, de José Saramago (1980); 24. Nó Cego, de Carlos Vale Ferraz (1982); 25. Para Sempre, de Vergílio Ferreira (1983).


* É discutível tratar.se de um romance, mas creio-o razoavelmente defensável.

** Mais fácil, creio, a inclusão deste na categoria de romance.

*** Creio ter sido Maria Teresa Horta, mas não tenho a certeza, que disse ou escreveu que não havia nem consegui fazer a distinção da autoria dos textos; não só não se lembrava, como a sua composição envolveu poderosamente as três. Será assim, embora em creia que quem conheça muito bem a escrita de pelo menas duas das Três Marias possa arriscar fazê-lo.


TAP - três notinhas a propósito da companhia aérea portuguesa

1. Na minha ignorância de assuntos económicos, não me coíbo de dizer que a realidade geográfica e histórica do país reclama uma companhia aérea nacional, a salvo do assalto dos mercados, isto é, pública, ou em que o Estado tenha o controlo necessário para o evitar.

2. Não me assiste qualquer dúvida sobre os motivos de quase todos quantos defendem a sua alienação (com as honrosas excepções das pessoas sérias): ou têm interesse directo na privatização; ou são pagos e bem pagos para preparar o ambiente na opinião pública para que esta se queira ver livre da empresa que "sorve milhões"; ou não passam de mentecaptos que têm o cerebelo alojado no porta-moedas 

(quem não se lembra do néscio especializado em continhas, a cuspinhar que a História não interessava para nada?; confesso a minha curiosidade em saber o que externaliza este ornitorrinco sobre a guerra na Ucrânia -- deve ser uma coisa linda de se ouvir)

3. Não me interessa saber se é jogada política do Governo ou do PS: a chamada de governantes do meteórico segundo executivo de Passos Coelho, que criminosamente vendeu a TAP, quando sabia que ia cessar funções e ser substituído por Costa (TAP = Caravelas dos Descobrimentos), a ameaça do denodado Eurico Brilhante Dias de que não deixar cair o assunto é ambrosia para os sentidos, acordes de harpa; é tempo de deixarmos de ver presumíveis vígaros impunes e ouvi-los de boquinha cheia no seu falazar business school a eructar postas de pescada a propósito do dinheiro dos outros, da vida dos outros.  Se este país fora perfeito, seria cadeia com eles; mas já não será de todo mau se forem desmascarados. E aguentarão, estes palhaços? Ai podem crer que aguentam, aguentam! 

«Al Final de La Tarde»

dois grandes actores, Tom Hanks e Cate Blanchet, dois filmes para esquecer (um bem pior que o outro, diga-se)




a Ordem da Liberdade transformada em penduricalho (ucranianas CLXI)

Não sei o que pensarão muitos dos que foram agraciados com a Ordem da Liberdade; mas, passando ao lado da sua extemporaneidade, dá-la ao Zelensky, um tipo que numa versão benigna é co-responsável pelo falhanço dos Acordos de Minsk -- e portanto também desta guerra --, enquanto que para outros não passa duma marionete do Pentágono, é ultrajante.

O que eu para aí pedia, que  Marcelo fosse confrontado com as consequências actuais e futuras da política europeia nesta crise, revela-se afinal uma perda de tempo. O Presidente da República resolveu antecipar-se ao PAN e piruetar-se com mais esta. Palavras para quê?...

PS1 - sempre em biquinhos dos pés, e tendo as costas quentes do amigo americano, só Portugal e a Alemanha, na UE, é que se comprometeram com o envio dos temíveis leopardos. parece que vamos mandar três, assim que os alemães consertem os que estão encostados. Novecentos anos de História deveriam merecer mais respeito.

PS2 - mão amiga fez-me chegar este post de Carlos Matos Gomes, oficial-comando na Guerra Colonial, militar de Abril, historiador e também romancista, autor de um dos grandes romances portugueses do século passado, sob o pseudónimo de Carlos Vale Ferraz, Nó Cego -- texto não só de quem sabe, mas de quem sabe pensar, actividade que a classe dirigente europeia, ou grande parte dela, pôs em suspenso. Leia-se e medite-se.

quarta-feira, fevereiro 15, 2023

«Medusa's Outhouse»

não há para aí um arremedo de jornalista que faça uma ou duas perguntas chatas a Marcelo e Costa? (ucranianas CLX)

 ..é que Marcelo é Presidente da República eleito por sufrágio universal -- foi-o também com o meu voto --, é comandante supremo das Forças Armadas e primeiro magistrado da nação; Costa, em quem não votei, é chefe do Governo, cuja ministra da Defesa esteve em Bruxelas, numa reunião da NATO, em que esteve presente a Ucrânia, país em guerra com a Rússia 

(a circunstância de ser um peão dos Estados Unidos não interessa para aqui; faz de conta que não percebemos que esta é uma guerra entre os Estados Unidos e a Rússia, e façamos também figura de estúpidos)

esta presença ucraniana num fórum onde não tem lugar, e portanto onde não deveria estar, apenas nos aproxima mais de um confronto directo com a Rússia, o que põe o país em risco de ser envolvido numa guerra na qual não tem o mínimo interesse estratégico

(agora não vou fazer figura de indigente, e afirmar que o Ocidente está em perigo, os nossos valores e outras baboseiras para entreter meninos).

não há uma porcaria de um jornalista que interpele aquelas figuras do Estado sobre se acham normal que uma aliança militar defensiva acolha um país terceiro em guerra?; se acham normal o nosso envolvimento, quando nenhum país da NATO foi ou será atacado pela Rússia (quem diz o contrário é idiota ou mente)? 

ou basta ir a Bruxelas fazer pé de microfone ouvir a ministra da Defesa dizer inanidades?


terça-feira, fevereiro 14, 2023

quadrinhos


 

antologia improvável # 495 - Pedro Tamen

 

Por sob os ombros me caio

de sobre as ervas me luzes;

se quanto menos me traio

só quanto menos me cruzes


em quatro pontos marcados

a fogo, em febre e em ferro,

e quanto mais outros lados

abram frescuras no cerro


onde pois nos enforcamos

no mel de loucas candeias:

e entre o estar e o estamos


um vento varra as ideias

e nos pendure nos ramos

por sobre mar e areias.


Os Quarenta e Dois Sonetos (1973)



«Khodil Ghospod'»

caracteres móveis

Agora, com os seus quarenta e um -- e se não fosse o raio do escrivão que, para fazer a hipoteca, o obrigara a saber a idade certa -- , ele imaginaria sempre que tinha menos -- e uma filha na idade de casar, não se podia deter por lá muito tempo. Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)

Andando, falando, escrevendo, sonho e ando, sonho e falo, sonho e escrevo. Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra (1846)

Os que lhe espreitavam os passos, nestes largos passeios da tarde, viam-no chegar às raízes do Calpe, trepar aos precipícios, sumir-se entre os rochedos e aparecer, por fim, lá ao longe, imóvel sobre algum píncaro requeimado pelos sóis do estio e puído pelas tempestades de inverno. Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

Para o lado do mar, para onde o rio se arrasta entre dois renques de salgueiros pálidos, estende-se até aos primeiros areais o campo de Leiria, largo, fecundo, com o aspecto de águas abundantes, cheio de luz. Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (1875)

segunda-feira, fevereiro 13, 2023

antologia improvável #494 - João Cabral de Melo Neto


 O MAR E O CANAVIAL


O que o mar sim aprende do canavial:

a elocução horizontal de seu verso;

a geórgica de cordel, ininterrupta,

narrada em voz e silêncio paralelos.

O que o mar não aprende do canavial:

a veemência passional da preamar;

a mão-de-pilão das ondas na areia,

moída e miúda, pilada do que pilar.


                         *


O que o canavial sim aprende do mar:

o avançar em linha rasteira da onda;

o espraiar-se minucioso, de líquido,

alagando cova a cova onde se alonga.

O que o canavial não aprende do mar:

o desmedido do derramar-se da cana;

o comedimento do latifúndio do mar,

que menos lastradamente se derrama.


A Educação pela Pedra (1966)

estória com papagaio

 Na noite noticiosa seguinte ao grande sismo da Turquia e da Síria, o papagaio de serviço  na CNN-Portugal, antecedendo o bloco de imagens, lé as notícias, uma das quais, posta no meio, como quem não quer a coisa, informa que a aviação de Bashar al-Assad, "como se não bastasse" o infortúnio, bombardeara cidades atingidas pelo abalo. Lido assim, limpinho. Aguardo o bloco de imagens, e nada. Por que será?...

«Honey»

domingo, fevereiro 12, 2023

aparas: Jean Doisy


Les Amis de Spirou #! - Un Ami de Spirou Est Franc et Droit..., Dupuis, Marcinelle, 2022; de Jean-David Morvan (argumento), David Evrard (desenhos) e BenBK (cor) Uma belíssima homenagem a Jean Doisy (1900-1955), chefe-de-redacção da revista Spirou, fundada em 1938, criador com Jijé do célebre Fantásio. Quando o semanário é proibido pelo ocupante nazi, em 1943, Doisy cria uma rede de amigos da revista, andando de terra em terra com um teatrinho de marionetes em que figuram o jovem groom e o esquilo Spirou, a sua mascote -- cobertura também para a acção de resistente que Doisy também foi. Émile Bravo, cujo fresco A Esperança Nunca Morre, absolutamente a não perder!, está finalmente a ser publicado entre nós, pusera Spirou e Spip acompanhado pelo próprio Fantásio nesse périplo pelas escolas belgas; uma comovente homenagem de um criador a outro. 

Ronda das editoras: 

Ala dos Livros: Olivier Afonso, Os/Les Portugais; Xavier Dorrison, Ralhp Meyer e Caroline Delabie, Undertaker #4 - A Sombra de Hipócrates, Bernard Yslaire, A Menina Baudelaire.



antologia improvável #493 - Sebastião Alba


EM VIAGEM


Poema num comboio

percorrendo todos os versos 

fragorosamente


acordo 

da emoção dos trilhos

pela noite continental


Seguimos paralelos

ao obscuro apelo do sonho sem reduto

A vida é este segundo estrépito

e a carruagem embala

o cenário a desenrolar-se


A uma fogueira entrevista

torsos nus lampejam

lastrando a luz

É ainda a mesma a espera que sofremos. 


A Noite Dividida (1996)

uma conspiração de estúpidos (ucranias CLIX)

Convençam-se lá disto: a Ucrânia, tal como apareceu após a queda da URSS, acabou. Não há qualquer possibilidade de a Rússia ceder sobre os seus interesses e sobre o que considera ser a sua segurança. 

A única maneira -- altamente improvável, para não dizer irrealista, como se tem visto -- de a estratégia americana resultar, ou seja, a implosão do poder russo por dentro, mesmo que à custa dos ucranianos, e agora dos europeus, como alguns falcões celerados do Pentágono aspiram -- seguidos por alguns fantoches do lado de cá do Atlântico --, está a falhar clamorosamente.

A Rússia destruiu as forças armadas ucranianas, e não destrói o país porque não quer. Nunca admitirá, por todas as razões, a começar pela geopolítica e a acabar no seu nacionalismo, que Kiev esteja nas mãos de marionetas dos americanos. Nunca o aceitará.

Desde o princípio, por motivos que tenho alvitrado ao longo deste ano, a liderança ucraniana não hesita em arrastar-nos para a guerra, perante a aceitação bovina dos políticos europeus -- com raras excepções --, onde se contam também os manobristas profissionais, que arrastam os pés e proclamam o que os Estados Unidos e os seus cúmplices gostam de ouvir, mas cuja atitude é a de folgar as costas de nós todos, enquanto o pau vai e vem: "algo acontecerá que resolva o problema por si". O problema só se agrava; e tudo o que nos têm dito se revela mentira e propaganda.

Quando começaram os problemas em 2014, escrevi aqui que não acreditava que o mundo mergulhasse numa guerra por causa da Ucrânia. Hoje não estou tão certo, porque os estúpidos não só governam, como invadiram o espaço mediático. Por cada comentário, crónica ou reportagem decente -- ou seja, ponderada, rigorosa, isenta e informada -- que aparece na imprensa, temos de levar com uma meia dúzia de ignaros, patetas e incontinentes que não se enxergam, que ainda não perceberam nada, ou pior, que não querem perceber, porque o que é remunerador é estar com o poder, qualquer que ele seja, e de onde vêm os dividendos, para o bolso, a carreira ou a vaidadezinha da própria insignificância, trate-se de embaixador altissonante, catedrático acaciano -- et il y en a assez --, general quadrado ou refugo merdiático.

«Hip Boots»

a arte de começar

 «...não sei bem onde mas longe, numa cidadezinha qualquer de Mato Grosso. Um burgo ignorado, sertanejo, perdido no imenso Brasil da selva, dos rios, dos índios, dos negros, onde o pai tinha um negócio, coisa de fábrica quase caseira e venda reduzida ao Estado. Coisa no começo.» Maria Archer, Nada Lhe Será Perdoado (1953)

Viriato Soromenho Marques: que o leiam as pessoas sérias e decentes; que o leia quem preside e dirige o país; que o leiam todos os cidadãos de boa vontade (ucranianas CLVIII)

 aqui

e exijam aos governos discernimento e que deixem de servir interesses terceiros, Olhem para o Lula, por exemplo.

sábado, fevereiro 11, 2023

onomatopeias


Recurso por excelência da BD, em especial humorística e de acção. Neste Slava, de Pierre-Henry Gomont, cuja acção decorre no espaço pós-soviético, a transposição dos sons para o alfabeto cirílico exponencia o efeito de humor grotesco inerente a um pontapé bem puxado no traseiro... 

 

«Harvest»

sexta-feira, fevereiro 10, 2023

quadrinhos


 

antologia improvável #492 - Alexandre Dáskalos


Não peças palavras:

É voz o vento e o seu perdido rumo.

O silêncio quebrou-se entre mitos

onde quisemos apagar as nossas incertezas.

Silêncio para a dor para o amor e para a vida:

A boca renega o que a razão não dita.

Só no silêncio o coração murmura

e deslisa a vida para o que a alma quer.

Abre em grandeza o mais pequeno gesto

pagando dívidas de amor.

E escorre o mais pequeno gesto

para a grandeza em que o amor se tem.


E nasce na flor entreaberta

o pólen de todas as virtudes.


Poesia (1961)

o Zelensky a arrastar-nos para a guerra, e nós a ver (ucranianas CLVII)

Para alguns historiadores, a principal causa da Grande Guerra foi a estupidez humana. Pensar que um atentado de um nacionalista sérvio em Sarajevo ao herdeiro do império Austro-Húngaro desencadearia a mortandade dos quatro anos seguintes, é risível. Antes a teia de alianças das potências, a falta de vontade em recolher armas e o total desconhecimento da hecatombe por vir.

Não foi assim vinte anos mais tarde, embora o fenómeno nazi tenha sido uma fabricação potenciada pela estupidez vitoriosa das potências que quiseram pôr a Alemanha de joelhos.

A estupidez, o sonambulismo -- a entropia do sistema, como muito bem apontou há dias Marcos Farias Ferreira -- estão aí, a passo de tartaruga, mas estão. Ver quem compõe a cúpula da UE e como funciona é de estarrecer.

Por outro lado,  o papel de marioneta do Pentágono é muito bem desempenhado por Zelensky, em face dos zoilos europeus. Tudo aquilo transpira má-fé. Ainda hoje...

Ainda hoje a Ucrânia acusava a Rússia de violar o espaço aéreo da Moldávia e da Roménia -- país da Nato -- com mísseis, no que foi desmentida pelos romenos.

Mais palavras para quê? É a guerra que querem, formidáveis palhaços?

«As mulheres que muito amamos sem regresso nem lamento»

Antakya e Moldova ou Antioquia e Moldávia?

Não sou dos que defendem que se diga Oxónia, em vez de Oxford, nem sequer sou linguista, como a luminária que detém a pasta da Educação, mas vamos lá a ver: creio o português ainda não prescreveu. Antioquia é um nome bem antigo, e apostaria como vamos encontrá-lo no Camões e em muitos outros textos da época e mesmo anteriores, sendo um topónimo bíblico. Por que raio andamos nesta pobretice? Outra é a Moldova, parece que assim denominam os naturais o próprio pais, mas nós temos o velho termo Moldávia, mais de acordo com a vetustez daquele país secular.

antologia improvável - Pedro Tamen


Como se na boca da trompete

coloca-se a surdina sobre a vida

e a memória irrompe qual um vento

imitação de sons    de vozes    tiros

num escuro que nada mais já pode iluminar


Não há cheiro novo que resseja a planta

verdadeira    a genuína cor    o prato

a fumegar de uma sápida sopa inexistente

sopra-se na vida todo o ar que o tempo

nos pôs no peito em anos discorridos

e é cor de sombra agora o arco-íris


Memória Indiscritível (2000)

quinta-feira, fevereiro 09, 2023

aparas: crónica da predação

Crítico de Ieltsin, mas também de Putin, Gomont, sociólogo de formação interessou-se vivamente pelo espaço pós-soviético após a leitura de Svetlana Alexeievich e O Fim do Homem Soviético

A primeira visita, fê-la em 1999, e o que encontrou foi de estarrecer. Na Casemate de Maio passado, fala-nos do tempo da rapina, quando nasceram os famosos oligarcas, que, aliás, o Putin pôs na ordem:

«En dix ans, les Russes et tous les ancienns membres de l'URSS ont vécu une transition d'un violence inouïe, transition que chez nous s'est étalée sur plus de cinquante ans.il's ont été confrontés à un capitalisme mondialisée et hyper concurrentiel. Des oligarques ont mis la main sur le pays, avec l'aide de l'Occident. Des "Harvard Boys" sont venus prêter main forte au gouvernement d'Eltsine [...]. Et cela dans un climat de corruption atroce.» 

Para Gomont a chegada do capitalismo -- que nós sabemos ser selvagem e predatório --, a um país (aos novos países) não preparados, apareceu-lhe como um material romanesco apaixonante.

E é uma BD que me apetece.





Ronda das editoras
A Seita: Miguel Rocha, A Rainha dos Canibais; Ricardo Venâncio, Uma Chama Imensa; Mathieu Mariolle (texto) e Guènaël Grabowsky (desenhos), Nautilus #1 O Teatro de Sombras;  argumento de Stéphane Piatzszek (argumento), Guillermo González Escalada (desenhos)  O Cavaleiro do Unicórnio.












«The Truth Is in Disguise»

quadrinhos


 

quarta-feira, fevereiro 08, 2023

aparas de BD

* Apesar de ter deixado os jornais, com pena, o correio trouxe-me uma novidade editorial da Gradiva , que agradeço e à qual me deitarei muito em breve, e aqui deixarei as minhas impressões de leitor.

* Por ter deixado abruptamente as minhas crónicas, fiquei com alguns álbuns pendurados. Vou tratar disso também.

* Para quem me segue, reparou que tenho postado aqui crónicas que publiquei no i, entre 2019 e 2022.

* Esta entrega inesperada, veio espicaçar-me a voltar a anotar, o que leio ou releio. Os quadradinhos foram sempre uma paixão e um conforto. Não afasto a possibilidade de regressar aos jornais; no entanto, não deixarei de alinhavar aqui o meu mundo por vinhetas. 

*Sou um homem da BD (franco-belga), como a própria sigla indica. Bebi do Tintin desde petiz; e também da Tintin, a melhor revista de quadradinhos que por cá se publicou, pelas mãos seguras de Dinis Machado -- o único escritor português que num romance se referiu a Zig e Puce... -- e Vasco Granja, entre outros, entre os quais o recentemente falecido José Ruy , o que não significa que não preste atenção aos quadradinhos nacionais -- cada vez melhores --, aos quadrinhos brasileiros, sempre ótimos (vai em itálico, respeitando-lhes a ortografia), os fumetti italianos -- a segunda grande escola europeia --, e até a manga japonesa e o mais que se verá.

antologia improvável #491 - Cristóvão de Aguiar


 tuas palavras de aço


tuas palavras sempre foram de aço

temperado no miolo da fogueira

do teu corpo escorria a forja -- baço

o destino sem sol nenhum na eira.


foste dando sinais de algum cansaço

nas palavras não -- estavam sempre à beira

de se erguerem com asas de estilhaço

e varrida ficava toda a feira.


quis então o mar entrar no enredo

o mar ou quem por ele fez bruxedo

de mudar sonhos velhos em novas botas.


das palavras conservo as cicatrizes

se me perguntam digo são varizes

da minha solidão de velhas rotas.

Sonetos de Amor Ilhéu (1992)

as belas palavras de Zelensky em Londres, subscrevê-las-ia todas (ucranianas CLVI)

 ...se ele não fosse ou se comportasse como uma marioneta do Pentágono e da CIA.

Ver o porcalhão do Boris Johnson batendo palmas em modo bácoro, deu-me voltas ao estômago. Parece que há quem goste, que lhes faça bom proveito. 

Não me serve de grande consolação saber que se isto  degenerar os ingleses não se ficam a rir -- já agora nem os americanos, nem ninguém.

«Son de la Vida«

terça-feira, fevereiro 07, 2023

quadrinhos


 

não vai corrigir o erro? como não, ministro Pizarro?

Ouvi ontem, confirmo aqui, o que foi classificado como "irresponsabilidade criminosa do Governo". Mas, mais uma vez: os governos não podem agir com dolo. Até agora temo-nos safo quanto a grandes terramotos (tenho nítido em mim o de 1969). Mas pede-se mais a um executivo que se comporte com o desleixo e sentido de impunidade como se isto fora uma cafraria regida pelo velho Bokassa. Quando ministro Manuel Pizarro, diz que não vai corrigir a falha, enganou-se no país em que ministra, ou não?

antologia improvável #490 - Pedro Homem de Mello

 

PREFÁCIO


De nada sei

Como as rosas.


De nada sei

Como as nuvens.


De nada sei

Como as pedras

Que nada sabem de mim.

Eu Hei-de Voltar um Dia (1966)

«Portas»

segunda-feira, fevereiro 06, 2023

por mim, dava-se-lhe já a nacionalidade

 ... refiro-me ao nepalês espancado em Olhão. Era uma forma de o país se redimir das acções daquele bando de cobardes.

O Presidente Marcelo, pelo pouco que pude ver nos noticiários, esteve muto bem, mesmo fazendo o devia; foi por isso que nele votei.

«Many Moods At Midnight»

eles são Charlie





 

donzela-objecto e outros caracteres móveis

Viagens na Minha Terra (1846) «Por mim, não conheço objecto mais lindo em toda a natureza, mais feiticeiro, mais capaz de arrebatar o espírito e inflamar o coração do que é uma jovem donzela quando a modéstia lhe faz subir o rubor às faces, e o pejo lhe carrega brandamente nas pálpebras...» Almeida Garrett

A Catedral (1920): «Os terremotos, com efeito, encarniçavam-se particularmente sob a velha igreja; e o de 1755, que a fustigara com inaudita crueldade, abrira-lhe feridas enormes que os arquitectos do tempo tinham pensado com a emoliente pomada dos estuques, agravando-a ainda mais o receituário da decadência.» Manuel Ribeiro

A Selva (1930): «Rumorejou um corpo que devia saltar da cama, uns passos rápidos soaram na escuridão e logo, atrás da portinhola que se abriu, entrou no recinto uma fosca claridade.» Ferreira de Castro

quadrinhos


 

domingo, fevereiro 05, 2023

quem é o Governo para não cumprir a Lei?

 Um governo que não se dá ao respeito, cumprindo a Lei, torna-se ilegítimo. Depois da manchete do Correio da manha, o Página Um lembra a que ponto chegámos.

Eu irei mais longe: um governo que se torna ilegítimo não tem autoridade política para decidir sobre nada, aeroportos, minas do ,lítio, ou "ajudas" à "Ucrânia" (mesmo a arrastar os pés).

Seria bom também que o PR se pronunciasse sobre isto;  não vale a pena andarem depois a carpir-se pelo avanço do populismo de feira.

antologia improvável #489 - Liberto Cruz

INDEFININDO


UmHomemInvariável

TodoHomemVariável

CertoHomemVariável

AlgumHomemInvariável

MuitoHomemVariável

PoucoHomemInvariável

NenhumHomemInvariável

AlguémHomemVariável

NinguémHomemVariável

QualquerHomemInOuVariável

Gramática Histórica (1971)

«Fever»

caracteres móveis

 Eurico o Presbítero (1844): «Os pastores que o encontravam, voltando ao povoado, dizem que, ao passarem por ele e ao saudarem-no, nem sequer os escutava, que dos seus lábios semi-abertos e trémulos rompia um sussurro de palavras inarticuladas, semelhante ao ciciar da aragem pelas ramas da selva.» Alexandre Herculano

Húmus (1917): «Se eu pudesse restringia a vida a um tom neutro, a um só cheiro, o mofo, e a vila a cor de mata-borrão.» Raul Brandão

Emigrantes (1928): ««Lá iam duas, três, quatro juntas de bois arrastando pacientemente o arado ou a charrua: Para a desfolhada tornara-se necessário reunir todas as raparigas da aldeia e só o verdasco, recolhido nas vides que se enroscavam no carvalhedo ribeirinho, enchia meia dúzia de lagares.» Ferreira de Castro

sábado, fevereiro 04, 2023

quadrinhos


 

antologia improvável #488 - Pedro Tamen

 

Não tenho graves defeitos

nem tão-pouco grandes qualidades.

Leve portanto a barca

vai do lastro mais perigoso.


Tenho porém fortuitos golpes,

curtas memórias, amores subtis,

gulosas sensações bem mais que sentimentos.

Será isto pano para vela,

vento, seco pau do remo?

Guião de Caronte (1997)