Assisti a quase todo o debate. Excessivamente agressivo de parte a parte, mas já se esperava. Le Pen a encostar Macron a financismo predatório, sem novidade; Macron a mostrar a verdadeira face de Le Pen, a do chauvinismo.
As coisas não são, porém, assim tão simples: reduzir Macron a homem de mão dos potentados financeiros e Le Pen a uma edição actualizada do pai, embora não seja totalmente falso, traduz-se num esquisso caricatural que serve para a indigência dos telejornais e para a fauna peticionária do facebook, mas que resulta num primarismo de análise que a complexidade do(s) problema(s) não sustenta.
Macron deixou Le Pen a patinar com a questão da saída da França do euro, neste sentido: numa economia integrada como a da Zona Euro, o abandono de um dos seus membros, neste caso a França, traria uma avalancha de custos que resultaria insustentável para o status quo, não apenas económico mas também político. Macron tem aqui toda a razão, mas o que nenhum disse é que a saída da França do euro implicaria o fim da moeda única, e, nesse caso, o problema posto por Macron deixaria de existir. Não havendo moeda única, seria o regresso às moedas nacionais, e aí, a França, como uma das grandes economias mundiais, teria argumentos superiores a outros países, como, por exemplo, Portugal. Le Pen poderia ter explorado este caminho, no entanto, é possível que tenha querido evitar abordar (mais) um cenário de débacle, guardando possíveis argumentos para a sua proposta de referendo sobre a permanência da França na União Europeia.
Le Pen tomou a iniciativa e marcou pontos no tema do radicalismo islâmico. Fez orelhas moucas ou esquivou-se como pôde às farpas desferidas por Macron sobre o cadastro da Frente Nacional em matéria de racismo e xenofobia e revolveu, e bem, a chaga do laxismo da república em relação ao fundamentalismo islâmico, ao defender, e de novo bem, a dissolução de todas essas pretensas associações culturais e desportivas espalhadas de norte a sul da França, fachadas legais e veículos do fascismo islâmico, contando com a cumplicidade interesseira dos maires, da direita à esquerda, a troco duns milhares de votos para as respectivas reeleições. E tão bem sucedida foi nessa argumentação que, onde Le Pen dizia mata!, Macron jurava esfola!.
Acredito numa vitória de Macron, por poucos, no que será uma derrota para esta V República, que parece moribunda. Quanto a Le Pen, penso que terá uma grande votação, o que fará sempre dela uma vencedora, e, numa conjuntura semelhante, futura presidente.
Quanto aos democratas e pessoas de esquerda que dizem não votar em Macron, o único qualificativo que lhes assenta é o de tontinhos, pois se estamos em modo de caricatura, a escolha que se lhes apresenta é esta: o 'deus-milhão' ou o campo de concentração. Há dúvidas entre um e outro?...