quinta-feira, março 31, 2016

50 discos: 11 - CHEAP THRILLS (1968) - #2 «I Need A Man To Love»


tempos interessantes

A declaração de voto de dois deputados do PCP, sublinhando a "defesa do direito de opinião e manifestação e dos direitos políticos, económicos e sociais em geral", relativamente aos presos políticos em Angola; o PEV, a votar favoravelmente as propostas do PS e do BE. A posição do PCP é insustentável, é um facto; delirante e oportunista, o voto contra do PSD e do CDS.
A posição oficial do governo português é diplomaticamente fina e inatacável, conseguindo dizer tudo o que deve ser dito. 

microleituras

Uma visão realista-pessimista dos efeitos do declínio do poder americano no mundo, não por défice de poderio militar, nem sequer pelos problemas estratégicos que um elevado endividamento externo (a China é o principal credor) pode acarretar; mas, fundamentalmente, pela queda da autoridade moral dos EUA, que tem início com a II Guerra do Iraque -- um monumental e criminoso embuste (não o diz o autor, mas digo eu), cujos efeitos estamos e estaremos, por muito tempo a, pelo menos, presenciar. A América terá, portanto, deixado, na visão o autor, de ser um factor de contenção, pelos sinais de esticar de corda a que vamos assistindo na cena geopolítica internacional. O que poderá originar, inesperadamente, um novo 'Sarajevo', ou seja: um incidente político aparentemente sem grande importância, no entanto rastilho para uma conflagração mundial.
A esperança que o autor revela é o papel da Europa como interlocutora internacional sólida por parte do Ocidente -- mesmo se, neste texto de 2014, Weiler aponta já os impasses que a UE atravessa, desde logo a clivagem Norte-Sul e a questão das dívidas soberanas. Se, há ano e meio, o tom do autor é cautelosamente esperançoso, eu acabo de ler este ensaio com um maior pessimismo. Surgiu, entretanto a crise dos refugiados de guerra, de que decorre a suspensão desordenada de Schengen; e, por outro lado, a a própria falta de autoridade moral da Comissão Europeia pela forma como lidou com a Grécia e como está a tentar lidar connosco. Acresce a possível saída da Inglaterra da UE (quanto à Escócia, veremos), machadada, talvez decisiva no infelizmente malogrado projecto europeu. 

incipit - «Penso que é difícil contestar o facto de que os Estados Unidos têm sido consistentemente, ao longo deste período histórico, o protagonista mais relevante a nível internacional.»

Joseph H. H. Weiler, Outra Vez Sonâmbulos -- A Europa e o Fim da Pax Americana -- 1914-2014 (2015)

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quarta-feira, março 30, 2016

só uma música

De A Fine Day To Exit (2001), álbum muito homogéneo dos Anathema, num sentido mais progressivo, escolho a faixa inicial, «Pressure», carpinteirada com mestria.

terça-feira, março 29, 2016

os me(r)dia

shitty tv
Enquanto a rtp3, patrioticamente, dava o rescaldo do Portugal-Bélgica, o povo menos dado ou já farto de futebóis e da selecção nacional, podia entreter-se na sic-notícias (londres-paris-nova iorque) e na tvi24 com directos a partir do Bairro da Ameixoeira. O rescaldo, aqui, era outro: três polícias baleados, mais dois civis, um deles terá morrido já no hospital, na sequência dum rixa entre ciganos.
E porque estavam a tvi24 e a sic-notícias (londres-paris-nova iorque) aos directos da rixa na Ameixoeira? Porque, desde há uns quantos meses a cmtv (ou seja a estação do Correio da Manhã) tendo ampliado as suas plataformas de difusão, já passou a tvi24 e ameaça a liderança da sic-notícias (londres-paris-nova iorque), no segmento dos canais noticiosos -- se não for já a líder.
O Correio da Manhã, jornal com quase quarenta anos de bandalheira sensacionalista, passou para a televisão aquilo em que é mestre absoluto; e as pobres concorrentes, atrás das audiências e da publicidade, vão-lhe na peugada. Salva-se, felizmente, a rtp3, com transmissões maravilhosas a partir do Estádio Dr. (!) Magalhães Pessoa, em Leiria, do particular Portugal-Bélgica.
No meio desta avalanche de porcaria, os debatentes do "frente-a-frente" do "Jornal das 21" (londres-paris-nova iorque) devem ter sido mandados para casa sem jantar; enquanto que na tvi24 Medina Carreira amochava e fazia esperar uma hora o convidado João Salgueiro (ex-todo-poderoso-influente-presidente da Associação Portuguesa de Bancos), o que foi muito bem feito. Parece que o tema é o da penetração da banca espanhola, o que não interessa nada perante os directos destes novos pátios das cantigas.

tropeções justicialeiros

Em Portugal, agentes da justiça violam a lei, passando aos tablóides dados de processos em segredo, v.g. o caso Sócrates. Não se dão ao respeito e o descrédito é grande.
No Brasil, entram abertamente na luta política, sob o disfarce do combate à corrupção. O que se passa com Lula e com Dilma Rousseff (e o que não se passa com outras áreas políticas) é de bradar aos céus. Aqui já não é dar-se ao respeito, é o despudor tornando a justiça uma caricatura; não são magistrados, mas palhaços.
Em Angola, nem palhaços, mas marionetas. Os activistas antigovernamentais em "julgamento", vêem, no decurso dele, ser-lhes retirada a acusação ridícula de tentativa de atentado contra o Presidente da República; mas, em contrapartida, impende sobre eles -- arranjada à trouxe-mouxe, no decorer do processo -- a acusação de "associação de malfeitores". Não fosse grave e seria diurético. Prevê-se que até final do processo Luaty Beirão, Nuno Dala e demais companheiros possam vir a ser acusados de traição e estacionamento proibido.

segunda-feira, março 28, 2016

só uma música

Apesar de ser todo bom, o Sempre de Mim (2008), o dramatismo do canto de Camané, a grande produção de José Mário Branco (o melhor produtor português de todos os tempos, cuja marca é muito nítida...), as ricas colaborações & a recriação de fados tradicionais -- posso lá escolher outro senão este «Sei de um Rio», do revolucionário Alain Oulman sobre poema de Pedro Homem de Melo, a dupla de «Povo que Lavas no Rio»?...


microleituras

Um estudo datado de 1908 do grande Fialho sobre o castelo de Alvito, vila alentejana nas cercanias da Vila de Frades, que o viu nascer e Cuba, onde morreu. Verdadeira dissertação em torno da arquitectura tardo-medieval, em que o autor d'Os Gatos meteu as mãos na massa dos arquivos, muito referidos em nota. E se é de Fialho de Almeida, não é de um curioso qualquer, mas de um dos maiores escritores da nossa língua. Por exemplo: um parágrafo, a propósito do despojamento dessa fortificação dos Lobos da Silveira, barões e depois marqueses de Alvito:
«A nudez das paredes caiadas e sem silhares ou lambrises de faiança ou de madeira; as janelas de poialitos toscos deladeando o portal côncavo, os pisos de adobe das câmaras e os seus toscos fogões desmoldurados, a escadaria de acesso, quase rústica, o torrejamento hirsuto e os carrancudos crenéis, tudo isto avança para nós de viseira caída, como a dizer que os Lobos daquela matilha não podiam ser senão golpeadores de espanhóis, monteiros de feras, capitães ferozes da Índia ou bandeirantes da estopa brasilenha
E o gozo que não dá ler-lhe a verrina intratável, no meio da erudição! O tipo gastou-se, tratou-se mal.
Faz parte do livro póstumo Estâncias de Arte e Saudade (1921).

incipit: «O castelo de Alvito fica numa das pontas da vila, em terreno não acidentado, e é na sua projecção horizontal um quadrilátero, com quatro torres redondas nas esquinas.»

 Fialho de Almeida,  Em Alvito o Castelo (C.M. Alvito, 1999)
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sexta-feira, março 25, 2016

um texto de Leonardo Boff

É uma reflexão pertinente, de uma das grandes figuras do Cristianismo contemporâneo. É o primeiro nome que me vem à mente quando se fala da Teologia da Libertação. É alguém, e não um qualquer gilmar, que anda por cá a branquear os itagibas.

quinta-feira, março 24, 2016

microleituras

A partir do livro póstumo de Eça de Queirós, O Egipto -- Notas de Viagem, e de dispersos vários sobre o o país dos faraós e das pirâmides, procurei perceber as razões dessa viagem, feita em 1869, a propósito da inauguração desse prodígio da engenharia que foi o Canal do Suez, motivação que espero ter mostrado que ia muito para além duma experiência mundanal forte; insiro o querido Eça na sua linhagem orientalista; anoto as descrições de Alexandria e do Cairo; e procuro contextualizar as ténues relações Portugal-Egipto nesse período. Foi um dos estudos que mais prazer me deu realizar, e talvez merecesse ser conhecido por cá.

incipitEça de Queirós chegou a Lisboa, "bacharel e ocioso! -- como escreveu Fialho d'Almeida (Fialho d'Almeida, 1969, p. 105) -- com 21 anos, saído das pugnas políticas e estéticas de Coimbra, da contestação ao reitor da Universidade, Basílio de Sousa Pinto, atravessando a Questão Coimbrã -- que foi, só, a grande fractura literária do século.»

 Ricardo António Alves, Eça do Egipto, separata de Taíra - Revue du Centre de Recherche et d'Etudes Lusophones et Intertropicales, n.º 11.
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quarta-feira, março 23, 2016

Antônio Cândido e Chico Buarque contra o golpe no Brasil

É esta gente que vale a pena ler e escutar. O resto, nem sequer é espuma dos dias, é lixo que o vento varre. Enquanto houver Brasil e cultura brasileira (e língua portuguesa, já agora) Chico Buarque e Antônio Cândido de Melo e Souza (Prémio Camões 1998), será aqui que os brasileiros cultos, e os que querem sê-lo, será aqui que também os portugueses irão gozar a mestria da língua e a sageza do espírito -- e não num bostícula qualquer, num cunha qualquer, num itagiba (!) qualquer.

terça-feira, março 22, 2016

Bruxelas

A cidade do meu imaginário - Av. Paul-Henri Spaak. Não acredito que haja sabedoria e paciência no Ocidente para lidar com isto como deve ser. Nem laxista, como sucedeu até aos atentados de Londres; nem troglodita, como anseia uma extrema-direita racista.
Há séculos e gerações de humilhação, de rapina, de imperialismo, e as tempestades que estamos a colher. O avanço para o Magrebe, em meados do séc. XIX; as guerras bárbaras de descolonização, bárbaras, é claro, por parte do ocupante (o ocupante é sempre bárbaro, é sempre intruso, é sempre ladrão); a importação de mão-de-obra barata e a sua guetização; a inferiorização, o despeito, a humilhação outra vez. Acresce a política de caos e morte dos últimos anos que o Ocidente, levou àquelas paragens; a ocupação da Palestina e os dois pesos e duas medidas, consoante se é israelita ou palestino. E a humilhação, de novo, a ascensão do fascismo islâmico, o complexo de inferioridade transformado em niilismo religioso.
É preciso tempo e sabedoria para lidar com isto, porque isto está para durar.

microleituras

O amor das ilhas e o amor de algo e de alguém, nas ilhas.

Cristóvão de Aguiar, Sonetos de Amor Ilhéu (1992)








1 poema

 NA ESQUINA DO VENTO

minha casa plantaste na esquina do vento
onde as marés afinam suas melodias
desde então te respiro e ganho meu sustento
caiando de palavras os muros dos dias

entre o meu e o teu corpo um intervalo lento
que a baixa-mar escolta bem de penedias
redobra o meu querer-te quanto mais te invento
e só depois me vejo de órbitas vazias.

velha pecha esta minha de mergulhar
nos confins do teu nome para te procurar
e a mim também por rumos que eu já nem sabia.

à minha conta trouxe o mar dentro em mim
vazei-o no meu búzio no dia em que vim
-- ouço o marulhar não lhe cheiro a maresia.

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segunda-feira, março 21, 2016

Fui ouvir as escutas a Sócrates

Fui ouvir as escutas a Sócrates, depois de ver, no Governo Sombra, Ricardo Araújo Pereira a dissertar sobre elas. E não gostei do que ouvi. Refiro-me apenas à conversa do ex-PM com o generoso amigo. E se as mesmas não chegam para provar a existência de corrupção, deixam-nos desconfortavelmente suspeitosos sobre aquele tipo de relacionamento. 
Eu, que tanto tenho escrito aqui sobre o 'Caso Sócrates', não podia deixar de  referi-lo. Mas não retiro uma linha a tudo o que disse, em especial ao comportamento de alguns agentes da Justiça, e ao conluio com o tabloidismo.   Quem não se dá ao respeito...

sábado, março 19, 2016

Brasil: o povo responde aos golpistas

Em viagem, de madrugada, o noticiário no carro, Lula a dirigir-se ao povo na Av. Paulista. Nas poucas dezenas de segundos em que o oiço, topo o político de excepção, aquele de que as ignaras classes possidentes  classificam como analfabeto ou semi.., que sabe mais a dormir que todos itagibas nutridos a novela da Globo com os olhos todos abertos.
Luiz Inácio 'Lula' da Silva, Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra, para escândalo de dondocas e itagibas.
E mais que Lula,vejo hoje na imprensa o povo que durante séculos tem sido explorado pelos plutocratas e corruptos, como esses cunhas dos senados, a gritar "NÃO VAI TER GOLPE!..."
Não sei se vai ou se não vai. Ele está em marcha. Mas o povo sabe o que quer, e sabe o que não quer: a continuação dum país atrasado, com uma imensa maioria de pobres, de analfabetos, de excluídos; e um ínfima casta de privilegiados. E aqui, ó cínicos comentadores & idiotas úteis d'aquém e d'além mar, interessa menos Lula e Dilma, presidente legítima do Brasil, mas o povo brasileiro, apesar dos seus itagibas e dos seus cunhas.
  

sexta-feira, março 18, 2016

uma carta de José da Cunha Brochado

Das Cartas editadas por António Álvaro Dória, em 1944. Missiva a desconhecido, estava então Brochado em Paris, como secretário do embaixador, o 2.º Marquês de Cascais, D. Álvaro Pires de Castro. Muito reveladora da assertividade do diplomata a apreciação sobre a comédia humana em Versalhes, comparando-a com a  da corte de D. Pedro II, tentando consolar um nobre saudoso do fausto  tornado distante -- dum modo que a este não deixaria de ser lisonjeiro --, chegando a ser divertido o modo como procura menorizar a corte de Luís XIV. Fá-lo Brochado por lisonja? Provavelmente não, que ele, muito sério e competente, também não era bom de se assoar; antes por deferência devida -- e porventura sincera -- a quem lhe estava, por estado e condição, acima na pirâmide social, como era de uso na estratificação da época.

(ler aqui)


quinta-feira, março 17, 2016

50 discos: 8 - RUBBER SOUL (1965) - #2 «Norwegian Wood (This Bird Has Flown)»


Lula: deixem-se de golpes e apresentem as provas de corrupção

Adenda ao que aqui escrevi: ouvi no carro um excerto das escutas da conversa telefónica entre a Presidente da República do Brasil e o ex-presidente, divulgadas à imprensa pelo juiz (!).
Não altera em nada a minha posição, pelo contrário, só acentua as evidências da conspiração contra o governo democraticamente eleito de Dilma Rousseff, utilizando para tal uma suspeição não provada sobre Lula da Silva -- o que demonstra a bandalheira em que o país se encontra, nesta campanha bem orquestrada pelos plutocratas de vários sectores (a começar pelos me[r]dia), aliados à escumalha das seitas evangélicas no sentido de manipular a carneirada, com a politicalha do costume a lançar achas para a fogueira em que provavelmente alguns se irão também queimar. E nas vésperas dos Jogos Olímpicos, ó valha-me o senhor jesus!
Há quem defenda que, se o Lula  não tiver nada a temer, estando inocente, deverá enfrentar a justiça (?) e dar o corpo às balas, até em nome do seu passado de lutador contra a miserável ditadura militar. Talvez. Mas eu tenho sempre cautela em calçar os sapatos dos outros. E não entro no ulular da matilha que conduz o rebanho, enquanto não surgirem provas inequívocas. A isto chama-se civilização; ao que estamos a assistir, chama-se terceiro mundo. 
Portanto: de Justiça, aqui, zero; de golpismo, bastante. 

microleituras

José Emílio-Nelson traz para a poesia o cotão & outras sujidades que as boas almas de uso varrem para debaixo do tapete.

 






1 poema

À porta do meu Banco no patamar, acocorados,
um e uma, vendem a pele
de uns pratos encardidos
mesmo no traço que já lhes deu flores garridas.
Eles escorriam chuva, que chovia, para a louça.
Eles nem devem ter sangue pela tez lustrosa
da porcelana dos seus olhos de caveira.
(Até faz rir, leitor, coisa tão triste.)

José Emílio-Nelson, O Anjo Relicário (1999)

(também aqui)

quarta-feira, março 16, 2016

Lula

Tal como sucede com Sócrates, não sei nada.  Sujou-se, o Lula? Dos homens e das mulheres espera-se tudo, e eu espero para ver. 
Mas há uma coisa que sei: a direita brasileira, com os seus pedidos de golpe militar e com gente a manifestar-se com a criada fardada atrás (!), consegue ser ainda mais estúpida do que a direita portuguesa, o que não é fácil, convenhamos. Outra coisa que eu também sei: a Justiça portuguesa, com o seu tráfico noticioso para a imprensa tablóide, ou um dirigente sindical que não se enxerga e desconhece o seu lugar, tem mostrado o quão poucochinho são alguns dos seus elementos; quanto ao ministério público de São Paulo, não sei quais são os hábitos lá do Brasil; aqui pela Europa, seria fascismo, stalinismo ou uma lindeza parecida. Aquelas declarações à imprensa, um julgamento público, sem réu nem defesa, são abaixo de cão, piores do que as do Ventinhas, proferidas informalmente no meio da rua.

50 discos: 9 OS AFRO-SAMBAS (1966) - #2 «Canto de Ossanhá»


terça-feira, março 15, 2016

microleituras

Normalmente classificado como conto "fantástico" -- assim tem aparecido nas antologias do género --, sê-lo-á, se o interlocutor do narrador for mesmo o que reclama ser: Deus. Mas poderá também ser um louco, neste caso, dotado de excepcional clarividência.
Deus, ou louco que se crê tal, revela-se insatisfeito e desgostoso com a obra criada, um mundo imperfeito, como imperfeito resultou o Homem, criado à sua imagem.
O ateísmo do autor fica bem expresso, como claramente expostas estão as ideias inconformistas e libertárias que professou. De tal modo que, para a intrigante personagem que dialoga com o narrador, Louco ou Deus, há apenas um tipo de homens que estarão tocados por uma partícula de divino e que assim se aproximam do alegado criador, tal qual ele se mostra nesta curta narrativa: aqueles que questionam, aqueles que se revoltam, e por isso sofrem na carne e no espírito a férula dos poderosos deste mundo -- como sucedeu àquele que em tempos morreu numa cruz.

incipit: «Branca, airosa, pequenita, erguida sobre o tope de uma colina, a Capela do Senhor dos Navegantes divisava-se de longe, como um farol.»

Ferreira de Castro, O Senhor dos Navegantes (1998 [1954])
(também aqui)

50 discos: 5 - AMÁLIA RODRIGUES (1962) - #2 «Cais de Outrora»


Nicolau Breyner

Nicolau Breyner, ontem falecido, foi-me servido em criança e na juventude como humorista, condição que dificilmente compara com Raul Solnado ou Herman José. Ele foi, essencialmente, um actor completo em vários registos, nem sempre com a dita de ter textos à altura do seu talento. No cinema, que preferia ao teatro, foi excepcional muitas vezes, e muitas vezes o que de melhor se aproveitava de filmes frouxos. Como não cultivo a bisbilhotice, havia características suas que desconhecia, e que só hoje, no jornal, fiquei a saber, a principal das quais era a de ter sido uma boa pessoa; e de, apesar de ter conseguido, não apenas um lugar ao sol mas também o seu território, e de nele abrigar vários colegas da sua profissão e das que lhe estão adjacentes -- portanto, detentor também do seu poder e da sua influência --, não se lhe conhecer um inimigo, o que diz muito da pessoa. 
Ah, e sim, como lembra Ana Sá Lopes hoje no i, ele será sempre, para a nossa geração, o Sr. Contente.


segunda-feira, março 14, 2016

50 discos: 41 - CAVALO DE PAU (1982) - #2 «Tropicana»


estampa CCV - Sofonisba Anguissola


Auto-Retrato (1556)
Museu Lancut, Polónia

50 discos: 3 - AHMAD'S BLUES (1958) - #2 «It Could Happen To You»


microleituras

Tropeções num quotidiano nada épico, por vezes sujo, «coisas de que nem fica bem falar.» (p.20), mas sombras de Tom Waits. A amizade, porém, emerge.

Manuel de Freitas, O Coração de Sábado à Noite (2004)






1 poema:

ALL STRIPPED DOWN

Cavalheiro idoso, calvo e sem jeito
para foder procura quem o ature
e acredite (às vezes) na ressurreição.

Nunca leu livros, cospe grosso
e ronca. Assunto sério: morrer com alguém.


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sexta-feira, março 11, 2016

só uma música

Do álbum Volta (2007), não hesito um segundo em escolher este «The Dull Flame Of Desire». poema de Fiódor Tiútchev (1803-1873), um aristocrata russo com uma agradável inclinação para as mulheres extraordinariamente belas, também elas nobres, porém alemãs.
A amargura do desejo, nunca inteiramente alcançado ou satisfeito, numa prostração a que o soberbo arranjo dos metais empresta um solene dramatismo; a desesperada melancolia das vozes de Björk e Antony Hegarty, que a percussão exacerba.

50 discos: 50 - WE'LL NEVER TURN BACK (2007) - #1 - «Down In Mississipi»


Cheira a esturro esta estória do Lula

E porquê? Porque dá um jeitaço para comprometer Dilma Roussef e a conversa mal amanhada do chamado 'impeachment', conduzida pela direita golpista e dos interesses. Então o Brasil, que, antes do FHC, teve tanto presidente ladrão!... Não tenho ilusões sobre o exercício do poder, à direita ou à esquerda. A ralé dos negócios escuros é sempre rápida a pôr o pé na porta e a corromper quem se deixa comprar. Mas no contexto político actual brasileiro, tudo aquilo tresanda.

quinta-feira, março 10, 2016

microleituras

Reedição de um artigo de 1947, é uma história de exemplo e exortação à mocidade, aproveitada (em 1974!) para propaganda do ideal colonialista dum país com treze anos em guerra. O autor, antigo alto funcionário colocado em Timor, relata o percurso do régulo de Súru, no norte da ilha, de seu nome nativo Nai-Sêssu, usado até à conversão ao cristianismo.
D. Aleixo foi, sem dúvida, uma figura mítica do Portugal colonial do século XX. Põe-se ao lado da potência colonial, aquando da grande sublevação contra os portugueses, em 1911; e, em 1942, na invasão japonesa, enfrenta os nipões a partir dessas montanhas que seriam redutos inexpognáveis, décadas mais tarde, da Resistência Timorense contra os novos invasores indonésios. Conta-nos o autor, com vivacidade, não apenas a resistência como a traição de que D. Aleixo Corte-Real foi vítima, sendo persuadido a render-se, em troca de garantias de integridade física dos seus. Garantias que seriam rompidas, bàrbaramente.
Lembro-me bem dele, no meu livro de História da 4.ª classe, feita nesse mesmo ano de 1974, em que este livrinho viria a lume, talvez directamente para um qualquer depósito, que o tempo era, e bem, de descolonização.

incipit: «Em duas épocas difíceis da vida de Timor -- 1911-12 e 1942-45 -- o reino do Súru, guiado pelos seus chefes e sob o mando dos dois Leo-Ray, que então ocupavam o regulado, deu ao Governo português provas de tão alta dedicação e de tão nobre patriotismo que recordá-las e dar a conhecer ao País, é um dever, ao cumprimento do qual julgo não poder eximir-se quem, como eu, com esse povo trabalhou e junto dele se bateu.»
José Simões Martinho, D. Aleixo Corte-Real -- Português de Timor (1974)

quarta-feira, março 09, 2016

50 discos: 49 - AS IS NOW (2005) - #1- «Blink And You'll Miss It»


O George Martin é que era o 5,º Beatle


Produtor genial, harmonizador e cúmplice dos 'Fab Four'


a tomada de posse

(por ordem) Excepcional discurso de Ferro Rodrigues.: elevado, de extrema elegância para com Cavaco Silva, com perspectiva histórica, sentido de presente, oportuníssima, essencial e óbvia referência ao impasse político e moral em que se encontra a União Europeia.
 O de Marcelo, muito bom, como seria de esperar. Para já, o país sente-se arejado, e eu quero ter algum optimismo quanto ao futuro, no que respeita à acção do novo presidente.

microleituras

Gustave Flaubert, Uma Alma Simples (1877)A história descarnada de Felicidade, a pobre alma simples, pura e ingénua, uma criada-de-servir, uma sopeira, cujo trajecto humílimo pela existência nos é contado pelo criador da Bovary, veio-me logo à memória Homer Clapp, a personagem do comovente poema de Egar Lee Masters. Felicidade, tal como Homer é um desses bobos da vida, alguém que transita do berço ao túmulo, à espera -- ou desesperando -- que a vida lhe seja compassíva. No meio de todo este desengano, Flaubert, esse perverso desalmado -- consegue arrancar-nos algumas gargalhadas. Uma Alma Simples é um dos Trois Contes, publicados em 1877.

incipit: «Durante meio século as donas de casa de Pont-l'Evêque invejaram à senhora Aubain a sua criada Felicidade.»
(também aqui)

terça-feira, março 08, 2016

50 discos: 48 HENRYK GÓRECKI - SYMPHONY NO. 3 (1992 [1976]) - # 1 «Lento - Sostenuto tranquillo ma cantabile»




uma carta do Visconde da Marinha Grande

Testemunho maravilhoso de amor paternal dum velho de 90  anos -- Afonso Ernesto de Barros (1836-1927) ao seu mais do que adulto filho.  João de Barros (1881-1960) fora uma personalidade influente na I República, um dos nomes do ímpeto político do incremento da Instrução Pública que caracterizou essa fase da vida do país, e também ministro dos Negócios Estrangeiros.  Era também um importante poeta, cujo percurso se iniciara ainda durante o regime monárquico. Com o golpe militar de 28 de Maio de 1926, a situação pessoal complicava-se, e seu pai, o Visconde da Marinha Grande, dava conta das suas preocupações.
Publicado por Manuela Azevedo, Cartas a João de Barros (s.d.), que escreve: «A ternura com que ele se exprime só a um filho muito merecedor se confessa.»

(ler aqui)

50 discos: 47 MOZART SYMPHONIES 40 & 41 - #1 «Allegro molto»

Mota: não encontrei a gravação do Soltino YouTube. Vai esta, não identificada, com um tempo aproximado.


segunda-feira, março 07, 2016

não seria o meu Oscar


Um bom filme de caso, sem dúvida, grande papéis, diálogos vivos e dinâmicos, problema bicudo de reprovação universal (meio caminho andado...), Mas o Oscar, para mim, iria para o The Revenant, de caras.

JornaL

Sócrates e Lula. Foi o Lena, a Quinta do Lago, agora é o Lava Jato. Não têm nada, limitam-se a mandar estas escarretas para a imprensa. No fim, vamos todos ficar com a nossa convicção íntima, ou sem convicção nenhuma. No entretanto, prendeu-se um ex-pm, para depois o soltar, por imposição da lei. O que é que isso interessa, perguntam aqueles que não têm vagar para estas minudências. 
Eutanásia. Depois da bastonária da Ordem dos Enfermeiros, um médico reputado afirma, de viva voz, que se pratica eutanásia nos hospitais. A este desassombrado encarar de frente de um tema melindrosíssimo, a primeira reacção pavloviana duma sociedade que não é para levar a sério: inquéritos, processos e o diabo a sete. Seria de rir.
Primárias americanas. Um velhaco, tacticamente transmutado em palhaço (Trump), um beato e aldrabão (o Cruz do tea Party), uma oportunista (Hillary), um tipo decente (Sanders), que ficará pelo caminho. Torcerei pela menos nociva.
Anedota. "El Chapo" sofre horrores com a sua detenção. Parece que não deixam o homem pregar olho. O traficante, porém, é de fibra, e manda o advogado fazer greve de fome à porta da prisão.
Turquia. Durante anos defendi a sua entrada na UE, acauteladas questões como a dos curdos. Hoje, estou quase a defender a saída de Portugal da mesma UE... Já temos os húngaros, os polacos e os eslovacos, gente ao lado da qual não me sinto bem.
A propósito. Robert Fico, o primeiro-ministro eslovaco que se diz social-democrata, parece ter feito uma campanha eleitoral de boçal xenofobia. Perdeu a maioria, para a extrema-direita, é verdade, mas foi bem feito.
Herberto Helder. A Cornucópia homenageou-o (!), numa sessão de leitura de poemas. Agora, depois de morto, já pode ser? Falta-me a paciência.                 

Olha, Sócrates disse 'foda-se!"

Eu também o digo muitas vezes. É mesmo o meu palavrão de eleição (com as suas variações: o irónico "vai-te foder!"; o inconformado "é fodido"; etc.).
Também têm lugar no pódio o inevitável 'caralho' (não apenas com o interjeição, mas o carinhoso´"ó seu caralho!"). O bronze vai para o inestimável, 'puta', quando estou sem paciência, ou seja, muitas vezes ('a puta da máquina', e assim). O rebarbativo 'cona' (que é quando estou virado do avesso) já não tem direito a medalha. Muito injustamente, porque é um belo vocábulo na sua crueza, bastante libertador.   
Isto a propósito do que li aqui.
Em tempos, houve um gajo qualquer que se deu ao trabalho de fazer o link para o Abencerragem, classificando-o como blogue socrático. Apesar de não o ser -- basta procurar José Sócrates --, lembro-me de ter-me achado em excelente compania. Mas, qualquer dia, não sei: ouvir Sócrates a largar um 'foda-se!', aumenta a minha simpatia por ele. 

50 discos: #46 SYMPHONIEN NOS. 5 & 6 «PASTORALE» (Beethoven) #1 «Allegro con brio»


microleituras

Divertidíssimo, começar pelo título, um jogo de máscaras paródico da literatura policial negra / fantástica, pelas mãos de dois grandes nomes da BD franco-belga actual -- ambos já vencedores do Alph-Art do Festival de Angoulême --, Lewis Trondheim (A Mosca, entre outros) e Frank Le Gall (Teodoro Pintainho, entre outros). Eficácia narrativa em economia de meios.






Vinheta 1:

  
ficha:
Autores: Lewis Trondheim & Frank Le Gall
título: As Aventuras do Fim do Episódio
tradução: Rui Ricardo
colecção: «Quadradinho» #3
editor: Associação Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto
local: Porto
ano: 1996
impressão: Litogaia
págs.: 24
(também aqui)

domingo, março 06, 2016

Para um Dicionário de Ferreira de Castro: H de hevea brasiliensis

Hevea brasiliensis, árvore-da-borracha, seringueira, espécie originária da bacia do Amazonas, de onde se extrai o látex, matéria-prima para a produção de borracha e outros produtos derivados. A exploração intensa começa ainda na primeira metade do século XIX, originando, pela exclusividade brasileira da sua produção, um enorme fluxo de capitais, de que são exemplos as peças arquitectónicas que distinguem as principais cidades da região: Belém do Pará e Manaus, cuja Ópera é mundialmente famosa. Por ocasião da viagem planetária que efectuou em 1939, Castro terá oportunidade de confraternizar e fazer-se fotografar por esses seringueiros asiáticos, que com ele e com os sertanejos brasileiros fugidos da seca, se irmanaram no duro trabalho extractivo.
Brasil é o principal produtor mundial, embora já desde há muito não detenha o exclusivo da produção. No último quartel de Oitocentos, os ingleses promoveram plantações da seringueira nas colónias do Sudeste Asiático, estabelecendo-se uma concorrência que originaria a queda dos preços e consequente crise económica, cujos efeitos o jovem Ferreira de Castro sentirá na pele. Na pele e no espírito, pois a experiência amazónica do futuro escritor terá como maior fruto essa obra maior que é A Selva.
(a desenvolver)   
imagem
(também aqui)

50 discos: 45 - TUG OF WAR (1982) - #1 «Tug Of War»


sábado, março 05, 2016

Para um Dicionário de Ferreira de Catro: G de «Guia de Portugal»

Obra criada e coordenada por Raul Proença e, após a sua morte, Sant'Ana Dionísio. Trata-se do mais monumental e brilhante esforço de compilação do património cultural e natural português, para usofruto dos cidadãos e consequente salvaguarda, nele colaborarando os nomes da cultura portuguesa do tempo. Ferreira de Castro, neste terceiro volume, sobre a Beira Litoral (1945), com «De Oliveira de Azeméis a Vale de Cambra», de boa utilidade os castrianos.
Ainda em vida de Proença, falecido em 1940, Castro, foi um dos fiadores literários da obra, com Afonso Lopes Vieira, Aquilino Ribeiro, Câmara Reys, Raul Lino, Reinaldo dos Santos, Samuel Maia e Sant'Ana Dionísio.

[ a desenvolver]

Bib.: Ricardo António Alves, «Raul Proença, Ferreira de Castro e o Guia de Portugal»,Castriana #2, Ossela, 2004.

THE GREAT CURVE



ui, devo ser mesmo um radical...

Não tenho paciência para falar da Senhora D. Maria Luís Albuquerque, uma nulidade política que não percebe que a honra de ser deputada da nação é incompatível com ser criada duma organização de fundos abutre. Se calhar, sou radical, mas a conta em que tenho estes é exactamente a mesma com que encaro qualquer máfia ou cartel de tráfico de droga, armas ou seres humanos.
Teria imensa pena se algum dos meus quatro filhos ganhasse a vida na especulação financeira. Há muito mais honra e utilidade em ser-se varredor ou empregado de mesa. Já mais de uma vez citei aqui o título de uma fotografia de Alberto García-Alix, que é das frases mais certeiras e lapidares que descrevem, entre outros, estes traficantes de dinheiro: «Um homem de camisa demasiado limpa não é um homem honrado.» E que bem que cheiram, mesmo se ainda estejam a aprender a comer de boca fechada.

microleituras

António Botto, mais conhecido como poeta, muitas vezes muito bom, outras poucas nem por isso, também escreveu contos para crianças. Estorinhas edificantes e pueris que resistiram mal à passagem do tempo, quer pelo léxico (é um problema recorrente dos livros para as crianças) quer pelo tom, distante, sério e moralista.
A edição, recente (o depósito legal é de 1996), é muito preguiçosa: não diz de onde foram extraídos os sete textos que compõem o livro, e é omisso quanto à autoria das ilustrações, que pela assinatura, vimos com dificuldade tratar-se de Alfredo Morais, um pintor académico do primeiro quartel do século passado, a condizer com o conjunto que nos é apresentado. A impressão dos desenhos é péssima.

incipit do primeiro conto, «Os olhos do amor»: «Uma vez, uma cabrinha estava presa num curral, onde estava também um burro.»

ficha:
Autor: António Botto
título: os Olhos do Amor
colecção (dirigida por Salomé Almeida): «Colecção Céu Azul» #9
editora: Editorial Minerva
edição: 3.ª
local: Lisboa
ano: s.d.
págs.: 48
impressão: Editorial Minerva

quinta-feira, março 03, 2016

50 discos: 44 - THE DREAMING (1982) - #1 «Sat In Your Lap»


uma carta do Infante D. Pedro

Uma carta que reflecte o pensamento do Infante D. Pedro (1392-1449) já como homem do Renascimento, a propósito da sua concepção do lugar central e pinacular do soberano -- neste caso, o irmão, o rei D. Duarte (1391-1438) --, e que nos dez anos de regência, na menoridade do sobrinho (e genro), D. Afonso V, pretendeu exercer, limitando o poder senhorial e reforçando o da corte. Exercício que lhe custou a intriga e a inimizade do círculo real, o desterro e a morte, na batalha de Alfarrobeira, contra o exército desse D. Afonso V, o nosso último rei medieval. 
(ler aqui)

quarta-feira, março 02, 2016

50 discos: 42 POR ESTE RIO ACIMA (1982) - #1 «É o Mar que nos Chama»


Aborto Ortográfico: aflorações recentes

Lembro-me de ouvir o saudoso Vasco Graça Moura, logo no início da questão, que uma das consequências da aplicação do Acordo Ortográfico seria a da progressiva e inevitável alteração no modo como se passaria a pronunciar certas palavras. Tive essa experiência, há dia, quando a minha filha mais nova estava a fazer os trabalhos de casa e me perguntou o que era um 'vetor', pronunciado com o e fechado. Não um vector, mas um vetor.
Outra consequência da bandalheira (expressão bem utilizada por Pacheco Pereira) que os poderes públicos não têm a coragem de defrontar (o único assunto em que António Costa me desapontou até agora; esperemos que a Geringonça, neste caso, continue a funcionar). Esta miséria induz em erro. Todos deveríamos saber que segunda as excepções abortivas do Aborto Ortográfico, caem as consoante mudas, e só essas. Pois acabo de ler esta lindeza no JL: "Aquela região era considerada infeta" A sério, 'infeta'?! Será infêta, ou infecta?... 
Outra, fresquinha, lida ontem: abruto... Para não terminar 'abrutamente', nem à bruta, sempre direi que de vez em quando leio umas coisas das luminárias que defendem este chavascal, em que lamentam a forma aguerrida, agressiva, até, com que os opositores ao Aborto Ortográfico se manifestam. Mas como é que alguém pode manter a compostura, quando tropeça nesta ortografia, digamos, 'infeta'?...

microleituras

Vinte e três cartas, datadas entre 1922 e 1926 -- exemplarmente anotadas por José Barbosa --, do historiador da náutica dos Descobrimentos Luciano Pereira da Silva, ao historiador da Cultura Portuguesa Joaquim de Carvalho, então a dirigir a Imprensa da universidade de Coimbra.
Trata-se de um epistolário de eruditos, basicamente sobre a publicação de estudos próprios ou de terceiros, mais de metade escrito em períodos de férias, por vezes com um toque pitoresco do sábio dividido entre os deveres do estudo e as delícias do dolce far niente estival.

excerto: 
«[...] O tempo está por aqui delicioso. É com mágoa que vejo este mês de setembro precipitar-se na voragem do Passado. As férias já mostram o fim próximo. Qualquer dia regressamos à velha Coimbra. Quando para lá for, lhe peço o favor de m'o dizer.
O que lhe desejo é que tudo lhe corra bem, que faça m.tos achados, e bons, nas sua investigações, muitos Eurekas, qual o amigo Arquimedes e com o mesmo alvoroço de satisfação, mas não no mesmo traje. [...]»
[carta datada de Caminha, em 14 de Novembro de 1925]

ficha:
Autor: Luciano Pereira da Silva
título: Correspondência de Luciano Pereira da Silva para Joaquim de Carvalho
edição: José Barbosa
Separata do Bol. bibl. Univ. Coimbra, vol. 39, págs. 41-90
editor: Universidade de Coimbra
local. Coimbra
ano: 1984
impressão. oficinas de «Coimbra editora»
págs.: 49

Para um Dicionário de Ferreira de Castro: F de Família

1. família de origem. Primogénito de José Estáquio e Maria Rosa Soares de Castro. Órfão de pai (sobre quem nunca escreveu uma linha que se conheça) aos seis anos. Desse casamento resultaram quatro filhos, sendo o futuro escritor o mais velho. Após a viuvez, a mãe teve mais descendência, não tendo sido, por enquanto, apurada a sua paternidade. «Asfixia» é a palavra que Castro usa para caracterizar a vivência familiar que lhe coube, invocando-a, em consequência dos métodos repressivos da mãe, que o humilhavam, como uma das causas da sua partida para o Brasil. Referências muito breves a uma avó, entre outros. Após o regresso, a relação com a mãe caracteriza-se por uma preocupação com o seu bem-estar, embora com alguma distância.

2. famílias que constituiu. vive, em união de facto, com Diana de Liz, entre 1927 e 1930, data da morte desta, não havendo descendência. Casa--se, em 1938, em Paris, com Elena Muriel, jovem pintora espanhola, mãe da única filha de ambos, Elsa, sem descendência.

3. "família espiritual". O termo é seu, referindo-se à comunidade de escritores, num inquéiro sobre Direito de Autor.

(em tempo)

4. A representação da família na obra ficcional. (a desenvolver)
também aqui

terça-feira, março 01, 2016

uma carta de José Régio

Publicada por João Gaspar Simões no livro autobiográfico José Régio e a História do Movimento da «presença». Tem essencialmente interesse documental, porque trata do início da presença, uma das mais importantes, talvez a mais importante e interessante revista literária portuguesa do século XX, cujo n.º 1 sairia a 10 de Março seguinte. 

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