O secretário de estado da Protecção Civil, José Artur Neves, de quem até anteontem nunca ouvira falar, está no epicentro de dois casos polémicos, mas que, aparentemente, nada têm que ver um com o outro. O primeiro, o das célebres golas que eram inflamáveis mas que afinal já deixaram de o ser, contratadas com uma empresa que nem é de vão de escada mas de tenda de campismo, tem todo o aspecto da negociata manhosa dos chicos-espertos oriundos das jotas e que paulatinamente vão tomando conta do país, com toda a sua inépcia, todo o seu arrivismo, toda a falta de vergonha -- os tais vilões de que falei
aqui, usando o Estado como se fosse coisa sua.
O outro caso parece bem diferente: o filho do secretário de estado é engenheiro civil e detém uma quota, creio que de 15%, numa empresa de construção. Esta, em concursos públicos, vê adjudicada empreitadas na Universidade do Porto e no Hospital de Vila Franca de Xira. De acordo com a lei, parece que há aqui uma irregularidade, ou mesmo um crime...
Ou seja: se eu for accionista de uma editora de livros escolares e tiver o azar de uma cunhada, casada com um dos meus sete irmãos, ser subsecretária de estado da pesca artesanal ou do bem-estar animal, já estou inibido -- eu e os meus sócios --, à face da lei, de ter qualquer tipo de contacto e de contrato com o Ministério da Educação. Num país pequeno, em que somos todos mais ou menos primos e cunhados uns dos outros, esta disposição legal idiota já deve ter sido quebrada em todos os ministérios de todos os governos.
Trata-se, aliás, uma lei que pede ela própria para ser infringida. Não por especial perversidade do legislador, mas porque este não pôde deixar de ser um mentecapto. No Direito, aliás, assiste-se a uma concentração notável de mentes brilhantes, mas também de cavalgaduras. Já tropecei em algumas: do jurista que faz regulamentos insanos, a cabecinha cheia de trampa, ao causídico que pariu uma longa alegação, repetindo três vezes os mesmos argumentos, não sei se para que o meretíssimo percebesse ou o próprio ficar ciente do que escrevinhara.
Já agora, acho muito bem todas as associações de transparência, quero até uma em cada freguesia; mas não podem limitar-se a ser uma espécie de pan do sector: não basta
invocar a lei; devem também ser pedagógicos e dizer que esta é uma lei estúpida, feita por estúpidos e incumprível. Mude-se portanto a lei, já que não podemos mudar os estúpidos, pois eles estão no meio de nós, e convencem-se de que têm coisas a dizer.