sexta-feira, agosto 23, 2024

um exótico suave

 

Um mapa centrado no Indocuche, abre a primeira prancha de O Avião do Nanga (1987), de René Sterne (1952-2006). O nome desta cordilheira afegã tem uma sonoridade com o peso de séculos, tempo que lhe empresta uma aura de terra mítica ou inventada, uma Camelote, ou coisa assim. E no entanto, o Indocuche existe; e ao contrário doutros topónimos congéneres – Cartago, Bagdade, Samarcanda, Timbuctu... – , cujo prestígio lendário pretérito não aguenta o confronto com a realidade presente, o Indocuche, por onde passou um raio chamado Alexandre o Grande e hoje brotam talibãs como as papoilas autóctones, persiste em desinquietar-nos, como uma vinheta de Hermann para um argumento de Greg...

Nessas montanhas, nesse "inferno branco" de neve e solitude, despenha-se um monomotor pilotado por Adler von Berg, um ex-desertor da Luftwaffe (já estamos em 1948), como viremos a saber adiante. Ileso, porém sem rádio e poucos víveres.  Ao longe, um carreiro de formigas é uma caravana de camelos da Bactriana. Um tiro despedido por Adler ecoa por entre as fragas himalaicas. Se ouviram, não se sabe. A meio caminho entre duas cidades, Gilgit e Laore, Adler exclama: «Desta vez é o fim... Estou perdido!»

Com as cores frias inicias que lhe deu Chantal de Spiegeleer (Kinshasa, 1957), a mulher do autor que nos é sugerida pela bela irlandesa Hellen, a narrativa suspende-se nas paragens mais garridas e não menos perigosas do Mar da China.

De Terry e os Piratas a Corto Maltese a errância e o exótico foram sempre um ingrediente da BD, de aventuras e para além disso.



Adler – O Avião do Nanga

testo e desenho: René Sterne

edição: Edições Asa, Porto, 1990

(Outubro 2019)





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