domingo, agosto 04, 2024

tempo de romance

«Leovigildo expulsara da Espanha  quase que os derradeiros soldados  dos imperadores gregos, reprimira a audácia dos Francos, que em suas correrias assolavam as províncias visigóticas de além dos Pirenéus, acabara com a espécie de monarquia que os Suevos tinham constituído na Galécia e expirara em Toletum, depois de ter estabelecido leis políticas e civis e a paz e ordem públicas nos seus vastos domínios, que se estendiam de mar a mar e, ainda, transpondo as montanhas da Vascónia, abrangiam grande porção da Gália Narbonense.» Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

2 comentários:

Manuel M Pinto disse...

«Decerto que Luís de Camões não estudou o muito que soube e traduziu para 'Os Lusíadas' com os profissionais do 'Mal-Cozinhado'. É admissível que, ao tempo, um espírito ávido de saber e aberto viesse a completar a sua ciência de humanidades autodidacticamente como o fizeram, nos nossos dias, ao que parece, Alexandre Herculano, Oliveira Martins e Lúcio de Azevedo, por exemplo.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões-Fabuloso*Verdadeiro. "Introdução". Ensaio (1950)

Manuel M Pinto disse...

«Suponho que ao trabalhador, antes de mais nada, impede conhecer o abecedário do trabalho. Na oficina de de carpinteiro, como de resto em todas as oficinas, cada coisa, processo, instrumento tem o seu nome particular. O aprendiz começa por conhecer o nome de tudo antes de exercer-se na sua técnica. Assim como a língua, o escritor começará por conhecer o vocabulário. Existe ainda uma categoria de zoilos, barras na Arte, na Literatura, na Ciência, esses que não deixam fazer o ninho atrás da orelha e afinal o que não querem é dar à palmatória a mão da sua inciência, que, se encontram termo menos cursivo na locução ou, vamos, que não usam ou desconhecem, soltam gritos destemperados de peru. Ora não há termo nenhum, desde que a substância ou qualidade que exprime seja própria e definida, que não irradie dentro do mosaico da frase, mais ou menos claramente, um lampejo da sua significação. Uma palavra é um ser vivo como um bicho. Faz-se sempre uma ideia de qualquer indivíduo que faça parte de família zoológica do nosso planeta. Uma zebra tira-se pelo burro, um javali pelo porco. De resto, um dos resultados práticos a auferir da leitura é ir enriquecendo cada um o seu instrumento de expressão com capitalizar palavras que são o formal das ideias e símbolo dos objectos. A leitura nem sempre se deve ter como um copo de água que se bebe dum trago ou uma fita cinemática que se abrange ao correr dos olhos. Exige esforço de compreensão. Mal iria ao escritor ou ao jornalista que a cada passo do seu trabalho tivesse de cogitar se os leitores perante tal ou tal vocábulo menos comum se encabritariam, ofuscado ou desentendido o seu pensamento ou imagem. A maioria dos termos que se encontram na lavra de um homem de letras honradinho, que não seja pedante nem nefelibata, salvo que se trate de moedas estrangeira ou de cunho novo, tiram-se pelo sentido. Se o pio leitor, esse a que nada escapa, sabe o quantum satis de latim para não ignorar os étimos mais gerais do idioma e o grego de algibeira, não terá dificuldades a vencer. Se não acerta com a significação dos termos por simples ilação, passa adiante. Uma parede não vem abaixo, se está bem construída, porque se lhe safe uma pedra. Um parágrafo, e muito menos uma página, não deixa de ser compreendida porque se encastoou nela um termo estrambótico.
Só em pseudo-sociedade letrada, afeita à ignávia mental, se suscitam tais objecções. Arvorado em lei o princípio do menos esforço, seria preciso condenar ao ostracismo Camilo, Herculano, não falando nos 'Cancioneiros', Gil Vicente, Jorge Ferreira de Vasconcelos, etc. etc.»
Aquilino Ribeiro, "Abóboras no Telhado" (Polémica e crítica), 1955.