domingo, outubro 31, 2021
"Havia um sabor no ar."
«Os seus olhos fugiram imediatamente do diabo que se escondia ali, sob as saias, redondo que nem uma abóbora; mas logo se enredaram no sorriso que a mulher luzia -- um sorriso branco e húmido. Havia um sabor no ar.»
Ferreira de Castro, A Missão (1954)
sexta-feira, outubro 29, 2021
quarta-feira, outubro 27, 2021
tempo de berbicacho
1. Bem dito, no geral, a crónica de Pedro Tadeu, no Diário de Notícias, sobre "Quem matou a geringonça?", embora lá falte o cálculo eleitoral que também está por detrás do chumbo do Orçamento do Estado, ou a excessiva contemporização do PCP e do BE para com a contemporização excessiva do PS para alguma legislação do famigerado governo de Passos Coelho, num momento em que o governo já tinha caído nas boas graças da UE, com Mário Centeno a presidir ao Eurogrupo, afastadas pois todas as suspeitas de radicalismo esquerdista à frente dos destinos de Portugal. A situação actual é, pois, de responsabilidade tripartida.
2. Ainda no Diário de Notícias, uma cacetada valente de Ribeiro e Castro no pantomineiro Paulo Portas, cujos comentários televisivos nunca vi, nunca gostei nem tornarei a ver.
3. O inefável Rangel. É uma aversão antiga, desde que se revelou um demagogo barato. Criatura cheia de si, deve julgar-se um predestinado e impressiona os pacóvios. Uma das últimas dele: o contravapor que tentou fazer junto da Comissão Europeia no início do primeiro governo de Costa, pensando nos pontos políticos que iria granjear o seu partido, isto é, ele próprio, o seu desígnio último. A noite do dia em relação ao verdadeiro patriotismo demonstrado por Carlos Moedas, então comissário. Se a criatura se tornar líder do PSD terei de pensar seriamente em quem irei votar, provavelmente em Costa.
terça-feira, outubro 26, 2021
segunda-feira, outubro 25, 2021
domingo, outubro 24, 2021
sábado, outubro 23, 2021
sexta-feira, outubro 22, 2021
Governo aprova a muito custo as propostas democratas-cristãs do PCP; patrões batem com a porta
amanhã, no Barreiro
quinta-feira, outubro 21, 2021
nau perdida
«Na noite seguinte, segunda-feira [23 de Março de 1500], ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!»
Pero Vaz de Caminha, "Carta" a D. Manuel I (1500)
terça-feira, outubro 19, 2021
na estante definitiva
A carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500) é na verdade um relatório, um relato sobre o que viu e ouviu na nova terra que era já conhecida pelos portugueses antes de Pedro Álvares Cabral. Atestam-no o Tratado de Tordesilhas (1494) e a circunstância de o principal navegador desta frota ser Bartolomeu Dias, que sete anos dobrara o Cabo. A derrota para oeste serviu para oficializar a posse daquela terra que viria a chamar-se Brasil.
Há dois milagres no que respeita ao documento: um, foi o de ter chegado até nós, não ter ido ao fundo num naufrágio ou perder-se sabe-se lá onde, até ser (re)descoberto no século XVIII, no meio de papelada, sendo impresso apenas em 1817, pelo padre Manuel Aires de Casal.
O segundo milagre é o próprio Pero Vaz, a forma como escreve, reportagem pura, obedecendo à "regra dos 5 w's": what-who-when-where-how (why, se quisermos um sexteto). Fá-lo com a objectividade de um homem a terminar o século XV, talvez porque fora mestre da balança Casa da Moeda do Porto, com funções de escrivão e tesoureiro, o que exigiria qualidades de exposição prática. Talvez por isso, os editores do livro que tenho na mão, Maria Paula Caetano e Neves Águas, tenham escolhido para epígrafe da sua introdução um fragmento do Diário de Miguel Torga: «Diante da carta de Pero Vaz de Caminha até me vieram as lágrimas aos olhos.»
portugueses
Ora então quem foi o maior português do século XX? Não foi, certamente, o Salazar. Não foi Gago Coutinho, extraordinária figura de inteligência e acção ou Jaime Cortesão, outra. Foi o homem que o Estado hoje homenageou, depois de lhe arruinar a vida -- o amoralismo de Salazar não se detinha diante de ninguém -- e depois ocultá-lo para que se esquecessem. Foi preciso que um historiador expatriado no Canadá, Rui Afonso, trouxesse luz sobre um homem que foi sacrificado por ser bom e digno, salvando centenas ou milhares de vidas (pouco importa para o caso a exactidão do números), para que o país o conhecesse. Salvar vidas, destruindo a sua própria, chama-se a isto heroísmo.
segunda-feira, outubro 18, 2021
domingo, outubro 17, 2021
sexta-feira, outubro 15, 2021
quinta-feira, outubro 14, 2021
quarta-feira, outubro 13, 2021
terça-feira, outubro 12, 2021
segunda-feira, outubro 11, 2021
domingo, outubro 10, 2021
sábado, outubro 09, 2021
sexta-feira, outubro 08, 2021
Prémios Nobel
O Nobel da Paz para dois jornalistas. Quando são verdadeiros jornalistas -- penso ser o caso -- e não agentes estrangeiros ou activistas disfarçados de jornalistas, é excelente. A liberdade de imprensa é o patamar mínimo, básico de uma sociedade civilizada. É claro que a partir daí ou se sobe ou se desce.
De qualquer modo, fico sempre com o pé atrás quando indirectamente se põe no mesmo saco Putin e Duterte. No entanto, os jornalistas e o jornalismo -- os verdadeiros, e não algum putedo que para aí anda -- sempre em primeiro lugar, em face de qualquer poder.
Hei-de ler o Nobel da Literatura, Abdulrazak Gurnah, mesmo se na notícia de ontem me chegasse ao ouvido a expressão "estudos pós-coloniais" com todo o cortejo de parvoíces associadas. Mas o homem é da Tanzânia, de certeza que não lhe falta legitimidade para expender.
quinta-feira, outubro 07, 2021
quarta-feira, outubro 06, 2021
terça-feira, outubro 05, 2021
domingo, outubro 03, 2021
o sedutor Camões
Do bucolismo enleado na contemplação dos campos, verdes como os olhos da amada do sujeito poético, que é Camões, ele-próprio, em Verdes são os campos, ao atrevimento insinuante com que responde ao mote de Francisca de Aragão. Camões foi um dos muitos poetas que se encantou por esta algarvia, que fundaria a casa de Ficalho, título outorgado por Felipe II. «Aquella voluntad q(ue) se á rendido, / al puro respla(n)dor d'aq(ue)llos ojos, / por quie(n) todo lo al po(n)go en oluido. (o castelhano como língua culta da corte)», poetou D. Manuel de Portugal, comendador de Vimioso, que Camões considerava seu par. Composição galante, muito ao gosto dos equívocos subentendidos e jogos de palavras que povoam o Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende.
Ao mote que lhe enviou D. Francisca, “Mas porém a que cuidados?”, responde Camões com uma redondilha cuja estrofe última é deliciosamente insinuante: «Ter nuns olhos tão fermosos / os sentidos enlevados, / bem sei que em baixos estados / são cuidados perigosos; / Mas porém, ah! que cuidados!» Seguida de uma carta, em que escreve, galanteador (e com que sinceridade?):
Senhora
Deixei-me enterrar no esquecimento de v. m., crendo me seria assi mais seguro: mas agora que é servida de me tornar a ressuscitar, por mostrar seus poderes, lembro-lhe que üa vida trabalhosa é menos de agradecer que üa morte descansada. Mas se esta vida, que agora de novo me dá, for para ma tornar a tomar, servindo-se dela, não me fica mais que desejar, que poder acertar com este moto de v. m., ao qual dei três entendimentos, segundo as palavras dele puderam sofrer: se forem bons, é o moto de v. m.; se maus, são as glosas minhas