«As nuvens encheram o céu até que começou a cair uma chuva grossa. Nem uma nesga de azul. O vento sacudia as árvores e os homens seminus tremiam. Pingos de água rolavam das folhas e escorriam pelos homens. Sós os burros pareciam não sentir a chuva. Mastigavam o capim que crescia em frente ao armazém. Apesar do temporal os homens continuavam o trabalho. Colodino perguntou:»
A acção decorre provavelmente no tempo presente da narrativa, na Fazenda Fraternidade, município de Ilhéus, estado da Baía.
A insistência na palavra "homens", a dar substrato ao desejo, em dúvida manifestada pelo autor:
«Será um romance proletário?» Já não heróis individuais e povo como motivo pitoresco, mas
homens, neste caso trabalhadores da fazenda de cacau: Colodino, Antônio Barriguinha, Honório... mais à frente João Grilo. "Fraternidade" o irónico nome da fazenda, tal como o seringal em
A Selva , de Ferreira de Castro -- que Jorge Amado lera --, tinha por crisma "Paraíso", como um dichote.
O antagonismo de classes é-nos dado pelas variações sobre o nome do patrão, Manoel Misael de Souza Telles, o
"Mané Frajelo" (flagelo),
"Mané Miserave Saqueia Tudo",
"Merda Mexida Sem Tempero"; pelo confronto entre a casa opulenta do coronel, onde viviam mulher, filha e filho estudante no Rio,
«elegante e estúpido», que destratava os trabalhadores; e as choças de barro cobertas de palha --
«Deus também é pelos ricos...», observa um; e pela extorsão que Mané Frajelo exerce contra os homens que trabalham para si, com a cumplicidade do despenseiro João Vermelho. E depois as contas, três mil e quinhentos (réis?) por dia era a paga a cada um, retirada dos mil contos anuais que Frajelo ganhava com o trabalho destes homens.
E uma personagem sobre a qual cai um mistério, Honório,
«Preto, forte, alto, brigão», que o patrão não despedia, apesar da grande dívida contraída no armazém.
«Bebia cachaça pelo gargalo da garrafa e jamais foi visto embriagado. Mané Frajelo respeitava-o.»
Jorge Amado,
Cacau (1933),
ibidem, capítulo I, «Fazenda Fraternidade», pp. 19-23.