quinta-feira, agosto 22, 2024

tempo de romance

«Ninguém o lamentou, e foi pouca gente ao seu enterro. Em geral não era estimado. Era um aldeão; tinha os modos e os pulsos de um cavador, a voz rouca, cabelos nos ouvidos, palavras muito rudes. / Nunca fora querido das devotas: arrotava no confessionário, e tendo vivido sempre em freguesias da aldeia ou da serra, não compreendia certas sensibilidades requintadas da devoção: perdera por isso, logo ao princípio, qause todas as confessadas, que tinham passado para o polido padre Gusmão, tão cheio de lábia!» Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (1875/80) § «Noites havia, sim, em que simplesmente apreciava a noite: O aspecto de mascaradas, ou desmascaradas, que certas casas têm a certas horas; o silêncio das ruas e a sonoridade das pedras; os vultos que se esgueiram, ou esperam às esquinas, ou se cosem às paredes, ou nos roçam o ombro, ou nos pedem lume, ou falam alto; e depois esboços de paisagens, ou transfigurações inesperadas de coisas que à luz do dia são banais.» José Régio, Jogo da Cabra Cega (1934) § «Junto à amurada iam-se formando grupos, trocavam-se comentários, faziam-se previsões. / -- Às 9 horas estamos atracados. / -- Nem para lá do meio-dia. / Assestam-se os binóculos, perscruta-se o horizonte, levantam-se falsos alarmes -- um fumo de vapor rapidamente disperso, instantes tomados por nesga de terra -- não se abafa a paciência que de todos aqueles peitos transborda.» Joaquim Paço, d'Arcos, Herói Derradeiro (1933) § «E lançava vista sobre o manto de panículas aloiradas, que os camalhões percintavam e a aragem branda enrugava, como mareta em oceano de oiro. / Mais além e aqui, uma mancha ou outra de verde a denunciar o cromo que o sol lhe arrancava, indício de algum cabeço que as enxadas, no armar da terra, não haviam derrubado.» Alves Redol, Gaibéus (1939) 

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«A casa de Deus com o torreão, as pirâmides, a cruz e as duas bandeiras cravadas na terra branca do adro, era uma caravela a desarvorar. Mais para baixo, o caminho velho de Seitosa, alagado pelas águas da chuva, cintilava. À outra banda os castanhais apareciam vestidos de lençaria -- lhama de oiro, negro e branco -- por desfrute de feiticeiro. À esquerda, o prédio do sr. Tobias, a cal muito fresca, até dava olhado.»
Aquilino Ribeiro, "Terras do Demo". Romance. (1919)