quarta-feira, março 28, 2018

«O sol encontrava-o sempre de pé, e em pé o deixava ao esconder-se.» Júlio Dinis, As Pupilas do Senhor Reitor (1867)

«Seca e breve, como uma chicotada, a praga rompe dos lábios azedos da velha:» Manuel da Fonseca, Seara de Vento (1958)

«Não que o meu riso fosse esgar, ou o meu gargalhar inexistente; mas uma certa palidez no semblante geral denunciava (ao que parece) más possibilidades.» Nuno Bragança, A Noite e o Riso (1969)

terça-feira, março 27, 2018

pulhítica externa

Diga-se que até estou admirado com o nosso governo, com uma atitude própria, se bem que alinhada com os aliados -- como parece que não podia deixar de ser --, no que concerne a mais esta estória mal contada. 
Mesmo que tenham sido os russos, ninguém acredita piamente nos aldrabões deste lado: ontem eram as interferências do Kremlin nas eleições americanas, que afinal parece que provêm dum consórcio anglo-americano; hoje é a putéfia que espancava o Trump nas nalgas, já multimilionária à custa deste franjinhas que anda sempre metido em sarilhos e para o qual já não há cu que aguente.

«Eu sei por que veio, o que quer, o que faz aqui, / mas tu ergues os cálices / tu olhas para ela e ofereces uma rosa e / repartes o pão / e depois adormeces e entras no túnel que dá / para as colinas de Deus, / para os seus mortos antigos.» José Agostinho Baptista, «Agora», Agora e na Hora da Nossa Morte (1998)

«tão em descuido caiu / seu nome em meu coração / como pedra boca adentro / o silêncio morrendo» Valter Hugo Mãe, O Resto da Minha Alegria (2003)


«Quem canta afunda-se em amargura, / berra, protesta que não há razões / (nem o direito) de negar aos outros / a miséria que nos assiste.» José Alberto Oliveira, «Quem espera?», Mais Tarde (2003)  

segunda-feira, março 26, 2018

estampa CCCII - Oleksandr Bogomazov


Eléctrico (1914)

«Não sei que dolorido impudor, que canalha impulsão, que martirizante impudência me arrasta assim ao registo público do meu aviltamento, à insolente estadeação da própria indignidade.» Abel Botelho, O Livro de Alda (1898)

«Era nos extremos do Minho e onde esta risonha e feracíssima província começa já a ressentir-se, senão ainda nos vales e planuras, nos visos dos outeiros pelo menos, da vizinhança de sua irmã, a alpestre e severa Trás-os-Montes.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

«Num sobressalto, o rapaz ergueu-se da sonolência em que jazia sobre a tarimba e foi até às grades.» Manuel da Fonseca, Cerromaior (1943)

Presos políticos e exilados na União Europeia

Hoje às 19 horas, junto ao consulado espanhol em Lisboa, concentração convocada pelo Comité de Defesa da República Catalã em Lisboa

Não são só os neo-fascistas húngaros e os xenófobos e ultramontanos polacos que merecem o repúdio das pessoas de bem; igualmente o vetero-franquismo castelhano-espanholista, que se permite perseguir os democratas catalães, encarcerá-los ou forçá-los ao exílio. Por cada hora que a situação se mantenha, perde a face a União Europeia e os estados que a compõem.



domingo, março 25, 2018

«Mas a grácil andorinha abre / para o mosquito uma boca aterradora.» A. M. Pires Cabral, «A andorinha ou Tudo é relativo», Arado (2009) 

«E andam sombras pelas sombras / enquanto a noite caminha, / dês que o luar dealbou...» António Pedro, Diário (1929)

«Não embarco, tenho pena; / Sou rosa, posso murchar: / Criei-me desde pequena / Dentro das furnas do mar.» Vitorino Nemésio, «Xácara da embarcação», Nem Toda a Noite a Vida (1953) 

«Morro Dois Irmãos»

A seguir, foi à chaminé, tornou, e fitando agora firme o Serafim, inquiria, com significativo ar, quando na frente lhe punha sobre a gorduragem gretada das tábuas ressequidas, o tacho fumegante.» Abel Botelho, Amanhã (1901)

«O Sol, já quase horizontal, com seus raios a morrerem no gume das montanhas, recortava-lhe a figura, sobre a pileca.» Ferreira de Castro, Terra Fria (1934)

«Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessário ela fosse, porque abunda no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça.» José Saramago, Memorial do Convento (1982) 

sábado, março 24, 2018

sexta-feira, março 23, 2018

Putin e a iguana

Sobre Vladimir Putin pode dizer-se muitas coisas. Coisas que se sabem, coisas que julgamos saber, ou até que não sabemos, embora as vocalizemos e escrevamos, ou, ainda, coisas que outros querem que nós achemos que sabemos.

Podendo ter muitas e variadas opiniões sobre Putin, boa parte das quais, frise-se, sem outra sustentação que não a manipulação massiva, porém simplória, em que os americanos e satélites continuam a ser mais eficazes que os propagandistas do Kremlin: da Crimeia, ao avião abatido no céu da Ucrânia, passando pela guerra química supostamente levada a cabo na Síria, entre outra conversa fiada para impressionar os incautos -- (podendo ter muitas e variadas opiniões) uma coisa é certa: com excepção de alguma elite urbana e académica que não se conforma com a espécie de pai da pátria em que de há muito Putin se tornou, e que compreensivelmente ambiciona que a Rússia possa ser, digamos, uma Suécia em termos políticos, a maioria do eleitorado apoia-o -- 77 dos 63 % que foram às urnas, mais irregularidade, menos irregularidade.

Inibo-me de opinar sobre Putin, creio que precisaria de ser russo -- lá e agora -- para expender algo que na boca dum português não tenha a imediata ressonância da patetice, ou pior.  Por outro lado, nos grandes países europeus, só encontramos respeitabilidade num interlocutor, a chancelerina alemã Merkel (em política internacional, as palavras de Macron pouco mais são do que vagidos, pese a force de frappe, e Donald Tusk é, no fundo, um porta-voz -- embora respeitável) ). Senão vejamos: Sarkozy, Hollande, Cameron, e a inqualificável dupla May+Boris Johnson, a iguana e o palhaço: é difícil descer-se mais baixo e conter o asco.

Esse mesmo asco que provoca a parelha May-Johnson -- dois rostos do desastre do Brexit, e das mentirolas soezes que lhe foram acopladas --, quando, atirando-se convenientemente à Rússia a pretexto do envenenamento dum espião (é sempre bom desviar as atenções quando a frente interna está a aproximar-se de um atoleiro), o torpe Johnson se permite fazer comparações com a Alemanha nazi (um insulto para qualquer russo), enquanto a desavergonhada May invoca os aliados, com base na partilha dos mesmos valores. Ora, os únicos valores que estes mamíferos reconhecem são os dos mercados e o da hasta pública da sua própria insignificância.


quinta-feira, março 22, 2018

«Podes tu, que apenas chegas e tudo ignoras / das traiçoeiras dificuldades experimentadas / nos lameiros que atolam o percurso / antes da pirâmide, proferir a primeira // palavra, como quem percute em festa / o cristal novo do sino alvissareiro.» Rui Knopfli, «Notas para a regulamentação do discurso próprio -- 1.»,  O Corpo de Athena (1984)


«Flor é esta entre os lábios / Rosa vermelha de cio», António Jacinto, «Lutchinha», Sobreviver em Tarrafal de Santiago (1985)


«A palaciana / Casa / Do Sul / Destruída / Pelos bárbaros», Alberto de Lacerda, «611 West 17th -- Austin»Átrio (1997)
«Ter andado de Herodes para Pilatos, batendo todo o sertão do Ceará no recrutamento dos tabaréus receosos das febres amazonenses e tranquilos sobre o presente, porque há anos não havia secas, e afinal, depois de tanto trabalho, de tantas palavras e canseiras, fugirem-lhe nada menos de três!» Ferreira de Castro, A Selva (1930)

«Por muito que do resto lhe falte, a paisagem sempre sobrou, abundância que só por milagre infatigável se explica, porquanto a paisagem é sem dúvida anterior ao homem, e apesar disso, de tanto existir, não se acabou ainda.» José Saramago, Levantado do Chão (1980)

«Recebiam frequentemente a nobreza das cercanias e as pessoas gradas da terra, em serões íntimos a que geralmente imprimiam certo cunho artístico recitando, cantando e tocando ou lendo algum trecho interessante de livro acabado de aparecer.» Sarah Beirão, Triunfo (s.d.)

quarta-feira, março 21, 2018

50 discos: 12. CARAVAN (1968) - #6 «Magic Man»



«Eu ontem encontrei-a, quando vinha, / Britânica, e fazendo-me assombrar; / Grande dama fatal, sempre sòzinha, / E com firmeza e música no andar!» Cesário Verde, «Deslumbramentos», O Livro de Cesário Verde (póstumo, 1887)

«O meu íntimo é uma catedral / que ninguém viu.» Alexandre Dáskalos, Poesia (póstumo, 1961)

«é inacreditável como há dezassete anos / comecei a geração contigo / num ferry-boat sobre o moliço» Fernando Assis Pacheco, Memórias do Contencioso (1976) 
«Noites havia, sim, em que simplesmente apreciava a noite: O aspecto de mascaradas, ou desmascaradas, que certas casas têm a certas horas; o silêncio das ruas e a sonoridade das pedras; ; os vultos que se esgueiram, ou esperam à esquina, ou se cosem às paredes, ou nos roçam o ombro, ou nos pedem lume, ou falam alto; e depois esboços de paisagens, ou transfigurações inesperadas de coisas que à luz do dia são banais.» José Régio, Jogo da Cabra Cega (1934)

«Rabo entre as pernas, focinho quase raspando a terra, ia triste, cismático, como perro vadio de estrada, descoroçoado da vida.» Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (1947)

«Os adarves boleiam suavemente, pela erosão; ruas onde se encontra um sol leve; casas com azulejos, velhas mansões coloniais de grandes janelas e amplas salas, largos com chafarizes ao centro, gárgulas e dragões deitando água, cujo ruído é manso.» Baptista-Bastos, Cão Velho Entre Flores (1974)

terça-feira, março 20, 2018

estampa CCCI - Natale Schiavoni


A Dorminhoca (1820)

«Se não fora eu ter-te assim, / A toda a hora, / Sempre à beirinha de mim, / (Sei agora / Que isto de a gente ser grande / Não é como se nos pinta...) / Mãe!, já teria morrido, / Ou já teria fugido, / Ou já teria bebido / Algum tinteiro de tinta!» José Régio, «Colegial», As Encruzilhadas de Deus (1936)

«Oh, sentir sempre no peito / o tumulto do mundo / da vida e de mim.» Alexandre Dáskalos, Poesia (póstumo, 1961)

«Milady, é perigoso contemplá-la, / Quando passa aromática e normal, / Com seu tipo tão nobre e tão de sala, / Com seus gestos de neve e de metal.» Cesário Verde, «Deslumbramentos», O Livro de Cesário Verde ( póstumo, 1887)
«A tia Suzana tinha morrido há pouco mais de três meses e, por isso, guardava ainda muito viva a sua recordação: foi quando eu soube o que era uma grande saudade.» António Alçada Baptista, Tia Suzana, Meu Amor (1989)

«O polícia, que vinha sentado junto do motorista, chupou, quatro vezes seguidas, a ponta mungida do cigarro, atirou-a fora -- e desceu.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954)

«Tanto tempo dominei o ódio, invocando os mais humanitários sentimentos, para nessa noite o explodir incontido, como entra e explode violentamente um vendaval num tecto esburacado de qualquer casa.» José Marmelo e Silva, Sedução (1937)

segunda-feira, março 19, 2018

estou a ler


«-- Senhor Morgado, pela saúde dos seus e meus tomates não me lixe mais com o caralho das quotas durante um ano e diga à Sociedade de Neurologia e Psiquiatria e amanuenses do cerebelo e afins que metam o meu dinheiro enroladinho e vaselinado no sítio que eles sabem, obrigadíssimos e tenho dito ámen.» António Lobo Antunes, Memória de Elefante (1979)

«Até então, o Atlântico ainda era para os portugueses um elemento masculino, fero e enigmático.» Ferreira de Castro, Eternidade (1933)

«As suas calmas e sonhadoras extravagâncias, o seu ar de senhor de idade, o mistério adulto de que rodeava a sua figura plena e atlética, a sua profunda convicção de que, desde o século XII ou XIII, a Espanha devia à sua família o condado de Barcelona, as perguntas absurdas, feitas com o ar mais convicto e ingénuo do mundo, com que ele era o terror dos professores inseguros, e o seu sistema filosófico que tudo explicava e o dispensava, "graças ao controle das energias do cérebro", de estudar as lições (salvo em casos de última emergência), tudo isto não fazia dele um ídolo nem um chefe, mas um ente respeitadíssimo, apesar da ironia com que todos o apontavam.» Jorge de Sena, Sinais de Fogo (póstumo, 1979)

domingo, março 18, 2018

«And When I Die»

«Não sei se lhe parece idiota o que vou dizer mas aos domingos de manhã, quando nós lá íamos com o meu pai, os bichos eram mais bichos, a solidão de esparguete da girafa assemelhava-se à de um Gulliver triste, e das lápides do cemitério dos cães subiam de tempos a tempos latidos aflitos de caniche.» António Lobo Antunes, Os Cus de Judas (1979)

«O pinhal, todo de troncos grossos, casca áspera e gretada, adormecia austeramente no silêncio da tarde primaveril.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)

«Quando largaram a doca -- e o focinho cortante das proas rasgou o pano azul das águas atlânticas rumo a Lisboa -- havia também a mesma chuva ácida do princípio da noite.» João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas (1988)

sábado, março 17, 2018

«Highway's Holding Me Now»

«Diante de cada cruz pregada nos troncos da mata, tirava o seu barrete de pele de coelho, rezava uma ave-maria.» Eça de Queirós, S. Cristóvão (póstumo, 1912)

«Rodrigo, após o pequeno-almoço, tomado como sempre sob a ressaca do maldito despertador, isto é, num silêncio amuado e gestos irritadiços espreitou os ares pelas janelas das traseiras, logo deduzindo que a friagem recomendava que se precavesse com a gabardina, procurou-a debalde no cabide do átrio, ali deveria estar (foi pelo menos o que ele pensou, acusadoramente, ao chamar a mulher para que a descobrisse no roupeiro ou lá onde a fizera sumir), resmungou com a demora, conquanto o enervasse muito mais o chape-chape das chinelas no corredor, deu um brusco jeito ao cabelo, gesto esse mais de impaciência do que de preocupação no penteado, e por fim saiu de casa.» Fernando Namora, O Rio Triste (1982)

«Sabia que essa visita daria prazer a Jaime, e só por isso sentia ânimo para receber um senhor que ela sabia exigente e até um pouco malcriado.» João Pedro de Andrade, A Hora Secreta (1942)

sexta-feira, março 16, 2018

criador & criatura

imagem

André Franquin e Gaston Lagaffe


«e sequem-se-me os dedos a cabeça / estoire e não fique de tudo uma palavra / se a maldição for tanta que eu te esqueça» Fernando Assis Pacheco, Memórias do Contencioso (1976)



«E na mesma noite   noite boa   noite branca / fumei Estoril   Valetes   Kayakes e bebi Compal / depois da Salus e da Schweppes / fumei quilómetros e quilómetros de prazer / quilómetros e quilómetros -- há um Ford no meu futuro -- / mais facturas mais fomes mais prazer / e agora já não sei qual dos cigarros com filtro / me soube melhor.» Fernando Namora, «Marketing», Marketing (1969) 


«A lama enrola-se / nas veias, que o álcool nocturno espessa -- nenhuma notícia / confirma que a dívida tem que ser / paga e é prudente desconhecer quem a contraiu ou porquê.» José Alberto Oliveira, «Proposição», Mais Tarde (2003) 

50 discos: 32. I CAN SEE YOUR HOUSE FROM HERE (1979) - #6 «Hymn To Her»






quinta-feira, março 15, 2018

«chamarei da infância / uma casa demolida / o tempo roubado a todas as mortes / a flor humilde da alegria» Fernando Jorge Fabião, Na Orla da Tinta (2001)

«Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos.» José Carlos Ary dos Santos, «A liturgia do sangue», A Liturgia do Sangue (1963)

«Olhem-me as pinturas: / todos os dias chegam barcos, / barcos, marinheiros, / todos os dias chegam.», Pedro Tamen, «Madama Butterfly, velha», Analogia e Dedos (2006)
«Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de residência eclesiástica que competia a uma edificação do reinado da senhora D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um colégio de Jesuítas.» Eça de Queirós, Os Maias (1888)

«Roupão de manhã de fazenda preta, bordado a soustache, com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras: com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis e rubis miudinhos davam cintilações escarlates.» Eça de Queirós, O Primo Basílio (1878)

«Finalmente estou só, envolvido pelo grande silêncio da terra.» João Aguiar, A Voz dos Deuses (1984)

quarta-feira, março 14, 2018

estampa CCC - Man Ray


Retrato de Juliet (1947)
«Como aquelas taças pesavam / Quando vazias até nós vieram... / Depois ficaram quase esvoaçantes / mal o vinho dentro lhes puseram:» Abu al-Abdari / Adalberto Alves, O Meu Coração É Árabe (1987)

«E ficava por vezes assim // Encantado» Alberto de Lacerda, Átrio (1997)

«O verbo hesitar / lhe empresta o tónus correcto, no silêncio / respira, a sombra lhe dá corpo.» Rui Knopfli, «Notas para a regulamentação do discurso próprio -- 1.»,  O Corpo de Athena (1984) 
«Desviou com desagrado a vista do Rapto das Sabinas e lentamente desceu as escadas, procurando no chão o movimento veloz da sombra de uma nuvem.» Augusto Abelaira, A Cidade das Flores (1959)

«No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando por colina e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava grão e plantava cepa em tempos de el-rei D. Dinis.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póstumo, 1901)

«Era um aldeão: tinha os modos e os pulsos de um cavador, a voz rouca, cabelos nos ouvidos, palavras muito rudes.» Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (1875)

terça-feira, março 13, 2018

estou a ler


«Saudades do campo, ânsias de sorver do seio da natureza um hausto de ar puro; e, acima disto, o meu dorido amor a quantos sítios guardavam para a minha memória do coração vestígios da infância, que tão depressa passara com as flores doutra mais formosa Primavera...» Camilo Castelo Branco, O Romance dum Homem Rico (1861)

«--Quem lhes metesse as chaves d'arame pas goelas a baixo! -- resmungou um gigante fardado, grande como um eucalipto, de olhos pequenos e redondos, mal encaixados sob a testa curta, as maçãs do rosto avermelhadas e que transmitia a ingenuidade do sorriso de uma criança própria dos simples de espírito.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)

«"Molero detém-se numa tia que lhe comprou um aparelho para endireitar os dentes", continuou ele, "os outros rapazes ainda se riram um pouco por causa disso, um aparelho daqueles estava deslocado no meio ambiente, ali os dentes tortos cresciam em perfeita liberdade."» Dinis Machado, O que Diz Molero (1977)

segunda-feira, março 12, 2018

50 discos: 27. DARKNESS ON THE EDGE OF TOWN (1978)- #6 «The Promised Land»



«Nem grande escritor, nem filósofo, nem cientista, mas um desses homens que, embora sem génio criador, souberam perceber qual a orientação dos ventos.» Augusto Abelaira, O Bosque Harmonioso (1982)

«Por debaixo da triplicada cornija do mostrador havia uma medalha com uma dama cor de laranja, vertida de vermelhão, decotada, com uma romeira e uma pescoceira crassa e grossa de vaca barrosã, penteada à Pompadour, com uma réstia de pedras brancas a enastrar-lhe as tranças.» Camilo Castelo Branco, Eusébio Macário (1879)

«As bochechas balofas e trémulas, dilatadas pelo calor do Estio, ressumavam-lhe um suco oleoso, que descia em regos pelos três rofegos da barba e vinha aderir a camisa às duas grandes esponjas, que formavam os seios cabeludos do nosso amigo atribulado.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)


domingo, março 11, 2018

sábado, março 10, 2018

«Se vivesse ainda com os pais, não haveria na sua expectativa lugar para dúvidas: receberia prenda única de aniversário, os afagos e as lamurientas falas da mãe, penitente do mal da pobreza: -- "Nem uma blusinha te posso dar, filha!"» Assis Esperança, Servidão (1946)

«Cresci com a ideia de que só os derrotados, os vagabundos e os infelizes não saíam de lá, pessoas que se confundiam com a paisagem, os candeeiros de globos partidos, as balizas ferrugentas do Arregaça, as paredes encardidas, os bancos lascados dos parques.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2015)

«Dava a impressão de que tudo degenerava; mesmo os turistas já só faziam perguntas à toa, alimentando o orgulho com que o caseiro da Barbela desfiava aquela lengalenga sem reparar no nariz pacóvio dos viajantes.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964)

os verdadeiros crimes de Lula

Aquilo que todos sabemos, mas que deve ser repetido à saciedade. Excelente texto do economista e professor Luiz Gonzaga Belluzzo, aqui.

«In A Big Country»

sexta-feira, março 09, 2018

estampa CCXCIX - Laurits Andersen Ring


Já Parou de Chover (1922)

quarta-feira, março 07, 2018

«E Bernardo riu-se, cheio duma ironia afável e quase distraída; tirou do nariz as lunetas, muito maquinal, colocou-as de novo, ajustando as molas de ouro nos vincos que pareciam o sinal de unhadas, e, com um piscar precipitado como quem bruscamente transita da obscuridade para a luz, disse ainda -- «Ab imo, da terra...», pois ele considerava a cultura como um privilégio pessoal, e nunca perdia a oportunidade de se mostrar generoso, transmitindo-a.» Agustina Bessa Luís, A Sibila (1954)

«Minha mãe fez-me um almoço de pão de milho e azeitonas, meteu-me tudo num cesto que enfiei no braço e, enquanto o meu pai aparelhava a burrita, dei uma corrida a casa da avó Caixinha para me mostrar.» Alves Redol, Fanga (1943)

«Pela talisga da porta, que o trinco à força de devassado não consentia senão aberta, a cabeçorra de medusa avançava, retraía-se, tornava a avançar, com tal manejo traindo a sua agitada hesitação.» Aquilino Ribeiro, Volfrâmio (1943)

ainda o Festival da Canção

Sem tirar nem pôr ao que escrevi aqui e aqui, as minhas preferidas foram mesmo «Só por ela», de Diogo Clemente, por Peu Madureira, e «Anda estragar-me os planos», de Francisca Cortesão e Afonso Cabral, cantada por Joana Barra Vaz. Não sei se repararam, mas a interpretação de Peu Madureira perdeu um pouco de força da eliminatória para a final (o mesmo me pareceu suceder com Peter Serrado), provavelmente por opção, quanto a mim errada, de tornar as prestações menos rugosas, portanto menos autênticas. É possível que não tenha havido influência na votação final -- se tivesse votado, apesar das minhas hesitações entre Peu e Joana, acabaria, provavelmente, por votar naquele. No entanto a suavização, se bem ouvi, não funcionou.

segunda-feira, março 05, 2018

estou a ler


domingo, março 04, 2018

50 discos: 9. OS AFRO SAMBAS (1966) - #6 «Canto de Xangô»



os curdos não usam iphone?

Na Síria, um saudável levantamento popular contra um regime ditatorial degenerou num conflito religioso, que rapidamente se internacionalizou. No que respeita aos interesses em presença, o Daesh foi um parênteses, uns tipos que apareceram sem convite, e que houve que expulsar, para continuar com o que importava.

Enquanto que por analfabetismo relapso e contumaz os telejornais (com eventuais excepções da RTP2 e de programas sobre a actualidade internacional) permitem-se ser câmaras de eco indigentes das centrais de propaganda (em especial da propaganda anti-russa, sem que estes possam sers isentados das malfeitorias que pratiquem), servindo diariamente os massacres de crianças, mulheres e velhos, doseada com os actos heróicos dos duvidosos "Capacetes Brancos" -- os tais que, suspeitos de serem municiados pela Arábia Saudita, haviam alegadamente sido referidos para Prémio Nobel da Paz, e foram-no de certeza pelas tais centrais de propaganda e pelos telejornais que eles condicionam sem que os patetas destes se apercebam.

Enquanto estamos neste regabofe para a carneirada, não se vêem -- eu ainda não vi -- imagens das acções turcas contra os curdos da Síria, que parece irem mais além dos bombardeamentos e cargas de morteiro. Poupo os pormenores. Será porque os curdos não usam telemóveis e comunicam entre si por sinais de fumo? 

Catherine Deneuve

sábado, março 03, 2018

«Onde já iam na vida de uma os tempos de noivado, quando viriam na vida do outro que a seu lado caminhava, respeitoso, preso talvez do encanto daquele convívio, mas incapaz sequer de ousar exprimir essa prisão!?» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

«O vapor inglês, da Mala Real, usam-no para atravessar o Atlântico, entre Londres e Buenos Aires, como uma lançadeira nos caminhos do mar, para lá, para cá, escalando sempre os mesmos portos, La Plata, Montevideo, Santos, Rio de Janeiro, Pernambuco, Las Palmas, por esta ou inversa ordem, e, se não naufragar na viagem, ainda tocará em Vigo e Boulogne-sur-Mer, enfim entrará o Tamisa como agora vai entrando o Tejo, qual dos rios o maior, qual a aldeia.» José Saramago, O Ana da Morte de Ricardo Reis (1984)

«A sineta do claustro tangia, a convocar os capitulares para o coro, entreabrindo uma pequena porta e afastando a massa rígida dum brocado que descia do lambrequim em pregas hirtas, adornado de eucarísticos lavores de seda e oiro.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1919).

«It Is You»

«A passagem do seio de família, dos braços de mãe, dos beijos das irmãs para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abre ao lado como flor da mesma sazão e dos mesmos aromas, e à mesma hora da vida!» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

«O homem cruzou a praça devagar, entrou no Café Atlântico e sacudiu as botas com cuidado no capacho de arame.» Carlos de Oliveira, Uma Abelha na Chuva (1953)

«Nessa noite de Julho, ao regressar a casa, deve ter parado, atónito, no meio da rua deserta: embora passasse da meia-noite, havia, na janela da frente, um risco de luz vertical!» Francisco Costa, Cárcere Invisível (1949).

«Nasce Selvagem»

quinta-feira, março 01, 2018

estampa CCXCVII - James Sant


Coragem, Ansiedade, Desespero (Observando a Batalha) (1850)

Ferro injusto

O "serviço à causa pública" que Ferro Rodrigues agradeceu a Passos Coelho lembrou-me, de imediato, os grandes serviços prestados ao país com a privatização dos CTT e da TAP, já após um programa de Governo chumbado no Parlamento. Ou Ferro sofre de dislexia política, e onde está 'pública' deverá ler-se 'privada', ou então, querendo ser cortês na despedida, foi de uma grande injustiça para com o ex-Primeiro. Não se faz.