sexta-feira, julho 26, 2024

Frank Sinatra, «Fools Rush In (Where Angels Fear to Tread)»

ucraniana CCLVIII - até quando vai a Rússia fingir que não percebe?

Para ludíbrio da opinião pública europeia, a UE, pôs-se ao lado da "Ucrânia", assumindo a Rússia como ameaça -- quando é a Rússia a ter todas as razões para se sentir ameaçada, não apenas pelo cerco das bases da Nato, a instigação de "movimentos populares" na própria Rússia e nos países vizinhos e aliados (Geórgia, Cazaquistão, Arménia e no seu interior), sem falar numa poderosa animadversão relativamente ao conservadorismo patriótico e antiwoke de Putin, promovida pelos massmérdia globais, que se permitem endoutrinar e manipular os gentios.

Na realidade, a UE criou um inimigo, ao posicionar-se com toda a cobardia que lhe assiste, toda a subserviência e, eventualmente, com as pretensões de expansionismo económico a leste por parte da Alemanha, levando a França pela mão, ao pôr-se sob as ordens da rapacidade americana, e do seu cão-de-fila, que dá pelo nome de Inglaterra. 

Liderada, aparentemente, por uma sargentona que faz o trabalho sujo dos americanos, enquanto que Scholz não passa de um pobre espartilhado entre coligação governamental e o dono do outro lado do Atlântico (veja-se como não tugiu nem mugiu quando lhe rebentaram com os gasodutos), parece que o gamanço à descarada de dinheiro russo já começou, o que é mais um acto hostil.

Temos todos tido sorte até agora, e espero que continuemos a tê-la, por a Rússia continuar a fazer de conta que não percebe os actos hostis do Ocidente. Porque, obviamente, não lhe interessa nada elevar o patamar; e, por outro lado, com mais ou menos dificuldade, está a fazer colapsar militarmente a Ucrânia, apesar do envolvimento directo do Ocidente na guerra.

Até quando vai a Rússia fazer-se de desentendida ou desvalorizar os actos hostis dos seus inimigos? Esperemos que assim continue sempre, pela nossa saúde.

O meu maior receio é que com a previsível vitória de Trump, o conglomerado militar-industrial que se alimenta destas guerras, avance rapidamente por forma a deixar ao novo inquilino da Casa Branca um situação de facto consumado. Para isso, tem -- a começar pela governanta Ursula -- a boa colaboração da criadagem da UE, a mesma que fez teatro com a Rússia nos nado-mortos Acordos de Minsk.

2 versos de Carlos Queirós

«Eu era, nessa noite, uma nuvem errante, / Muito leve, a pairar sobre um mar em procela.» 

Desaparecido (1935)

EMIGRANTES

«O pinhal, todo de troncos grossos, casca áspera e gretada, adormecia austeramente no silêncio da tarde primaveril. As suas pinhas dir-se-iam incopuladas ou corroídas por antídoto malthusianista, pois cá em baixo, no solo castanho e acidentado, nenhum pinheiro infante erguia para o céu os bracitos verdes.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928) § «De pá ao alto, descansada no ombro, o "seu Arriques" já pensava na volta a casa, pois da sangria à recolha do bago poucas semanas iam. / -- Que rica seara! Andei-me nela que nem sombra atrás d'alma penada, mas o patrão arrinca para cima de quarenta sementes. Se os outros a pudessem comer coa inveja...» Alves Redol, Gaibéus (1939)

quinta-feira, julho 25, 2024

quadrinhos

fonte

 

tempo de reportagem: COMO O SOL BAILOU AO MEIO-DIA EM FÁTIMA

«Ourém, 13 de Outubro / Ao saltar, após demorada viagem, pelas dezasseis horas de ontem, na estação do Chão de Maçãs, onde se apearam também pessoas religiosas vindas de longes terras para assistir ao "milagre", perguntei, de chofre, a um rapazote do "char-à-bancs" da carreira se já tinha visto a Senhora.» Avelino de Almeida, «Como o sol bailou ao meio-dia em Fátima», O Século, 15-X-1917 § «16 de Março -- Às 7 horas da manhã, a ordenança do capitão I... bate à porta do meu quarto e obriga-me a interromper o sono que principiara meia dúzia de horas antes. Tenho a impressão de que chove. Da rua vem uma luz quase lúgubre -- a luz frouxa e polida das grandes madrugadas de inverno.» Adelino Mendes, «A cidade d'Albert», A Capital, 29-III-1917 

In jacinto Baptista e António Valdemar, Repórteres e Reportagens de Primeira Página, vol. II, 1910-1926, Lisboa, Assembleia da República, s.d.

3 versos de Alberto de Lacerda

«Ontem e ontem choveu / e não consegui sair / do sonho que Deus me deu...» 

77 Poemas (1955)

um criminoso de guerra, assassino de crianças e velhos, ovacionado de pé

no congresso americano, Netanyahu, pois claro Nenhuma admiração com o facto, atendendo ao longo cadastro do nosso poderoso aliado; mas é só para ficar registado, quando os patetinhas que nos governa(ra)m nos vierem falar em ucrânias, direitos humanos, liberdade, fronteiras, Direito Internacional, democracias iliberais e toda a conversa para atrasadinhos que nos servem de manhã à noite. Sobre a verdadeira natureza das administrações americanas e sobre o papel que têm tido nas relações internacionais, só se deixa enganar quem quer. É escusado virem falar de putins e outros orbáns. A América é isto. Não é só, mas em dominação imperial é basicamente isto. Por isso eu gosto tanto que a velha Rússia e a velha China ponham em sentido estes bárbaros, estes flibusteiros. Há muito tempo que não via em política nada de tão degradante.

quarta-feira, julho 24, 2024

EURICO O PRESBÍTERO

«Leovigildo expulsara da Espanha  quase que os derradeiros soldados  dos imperadores gregos, reprimira a audácia dos Francos, que em suas correrias assolavam as províncias visigóticas de além dos Pirenéus, acabara com a espécie de monarquia que os Suevos tinham constituído na Galécia e expirara em Toletum, depois de ter estabelecido leis políticas e civis e a paz e ordem públicas nos seus vastos domínios, que se estendiam de mar a mar e, ainda, transpondo as montanhas da Vascónia, abrangiam grande porção da Gália Narbonense.» Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

4 versos de Carlos de Oliveira

«O sol e a selva / sem destroços. // -- A vida é fome / à flor dos ossos.» 

Turismo (1942)

NADA LHE SERÁ PERDOADO

«...não sei bem onde mas longe, numa cidadezinha qualquer de Mato grosso. Um burgo ignorado, sertanejo, perdido no imenso Brasil da selva, dos rios, dos índios, dos negros, onde o pai tinha um negócio, coisa de fábrica quase caseira e venda reduzida ao Estado. Coisa no começo.» Maria Archer, Nada Lhe Será perdoado (1953) § «Abriu os olhos, estremunhada. A necessidade, feita hábito, de acordar cedo, perdera-a ela, logo nos primeiros dias da sua adaptação aos horários e empecilhos daquela casa. Nessa manhã, porém, fazia dezassete anos.» Assis Esperança, Servidão (1946) § «Maria Adelaide completara dezasseis anos quando lhe colhi as primícias, e, à semelhança do que sucede com frequência na terra onde habitávamos, os pais, que eram pobres, consentiam em que mantivéssemos relações coram populo, indo eu todas as noites dormir na sua companhia.» M. Teixeira-Gomes, Maria Adelaide (1938) § «Das duas uma: ou as pessoas se fazem ao nome que lhes puseram no baptismo, ou ele tem de seu o bastante para marcar a cada um.» José de Almada Negreiros, Nome de Guerra (1925/1938) § «15 de Fevereiro de 1893. É justo. Visto como o Destino houve por bem -- e por meu mal! -- atravessar-te no desfecho desse meu acto de loucura, justo é que conheças bem do fundo e bem na essência a história que o motivou.» Abel Botelho, O Livro de Alda (1898) § «A taberna do Pescada ficava mesmo em frente ao cemitério dos Prazeres, e era frequentada pela gente do sítio, especialmente de noite, à hora em que os cabouqueiros e os britadores abandonam os seus trabalhos e entram na cidade, em ruído.» Fialho de Almeida, A Ruiva (1878)

terça-feira, julho 23, 2024

Thelonious Monk, «Bye-Ya»

ucraniana CCLVII - Arnaut e Isidro, a minha concordância com ambos; mas um pouco de coerência é precisa desse lado

Nesta guerra cuidadosamente preparada pelos Estados Unidos contra a Rússia tento ouvir, de vez em quando os militares que estão do lado de lá, ou seja do conglomerado CIA-Pentágono, aka Estados Unidos da América. Eles lá têm as suas razões como eu tenho as minhas; no entanto, ao contrário da maior parte dos pobres académicos das RI e do Direito Internacional, que não percebiam nada do que se estava a passar, em 2022, os militares sabiam e sabem-no muito bem.

Foi por isso divertido ouvir, na passada sexta-feira, a propósito da previsível eleição de Trump, o seguinte:

1) De manhã, na Rádio Observador, o general Arnaut Moreira sai-se com esta: não pense Putin que com Trump serão favas contadas, uma vez que o homem é imprevisível, e tanto pode cair para um lado como para o outro. 

Fiquei sonhador... Então o Trump não era uma marioneta do Putin, que este fizera eleger?... Em que ficamos?

2) À noite, talvez já na madrugada de Sábado, o general Isidro Morais Pereira, comentando também a possibilidade de novo-velho inquilino na Casa Branca, a partir do ano que vem, defendia que não será nada fácil a Trump inflectir o caminho já percorrido, dado o poder fortíssimo (creio que foi assim que classificou; não juro, mas a ideia é essa) do complexo militar-industrial norte-americano o tornaria muito difícil

Fenece-me o entendimento. Então também o general Isidro aponta o conglomerado militar americano -- que nós, radicais-e-mais-não-sei-o-quê  acusamos como principais fautores do belicismo americano -- como um factor importantíssimo na continuação da guerra?...

Quando convém, Trump passa de títere a enfant terrible; já o altruísmo americano, que no fundo no fundo só quer ajudar a Ucrânia a livrar-se do urso russo, e todos os biliões de dólares que generosamente os Estados Unidos dão e emprestam ao país para comprar o seu armamento -- com a aquiescência bovina da União Europeia -- afinal, afinal os americanos são uma cambada de interesseiros, que põem o país a ferro e fogo para salvá-lo dos russos, é claro, mas não devemos esquecer que o interessezinho da indústria de armamento tem de ser levado em conta; e é-o de tal maneira que nem o futuro presidente, o horrível e imprevisível Trump terá força suficiente para domá-los.  Ah, pois é...

Suponho, pois, que, de acordo com o nosso general, a saga da emancipação dos ucranianos continuará, mesmo que à custa da Ucrânia e dos ucranianos, sem esquecer os onagros da UE. É sempre bom ouvi-los, de vez em quando.

PS - Ah, e claro!, a Nato avançar para as fronteiras russas com a cia a desestabilizar e a criar "revoluções" no interior, isso é tudo teoria da conspiração, é claro. Afinal, há lá coisa mais bela que a democracy, que o digam os iraquianos, os palestinos e os reféns israelitas. 

5 versos de José Pascoal

«Declaro os frutos, / Abertos ao meio / Na paisagem mordida, / No terreno agreste / Do teu corpo,»

Sob Este Título (2017)

A CURVA DA ESTRADA

«Encontravam-se os três à mesa de jantar e o velho relógio de pêndulo marcava onze horas menos um quarto. Mercedes mostrava-se impaciente. / -- Ramona! -- gritou. -- Então o café? -- E dirigindo-se ao irmão e ao sobrinho: -- Esta mulher está cada vez pior!» Ferreira de Castro, A Curva da Estrada (1950) § «Em longos anos de rotina diária, meu pai afeiçoara-se de tal modo ao armazém de panos onde era o principal empregado, que ali fazia inúmeros serões, gozando raivosamente a ausência do patrão. Nessa noite de Julho, ao regressar a casa, deve ter parado, atónito, no meio da rua deserta: embora passasse da meia-noite, havia, na janela da frente, um risco de luz vertical!» Francisco Costa, Cárcere Invisível (1949) §  «Acima do portão, na verga quase vestida pela hereira que já amortalhara a pedra heráldica, a valer de baetão que a amantasse nos lutos, ainda lá se lia uma data, 1654, avivada pelo caseiro, por mimo, no tempo da poda, a riscos de caco.» Tomaz de Figueiredo, A Toca do Lobo (1947) § «Era a hora do estudo da tarde, e Lelito pensava. As Catilinárias abertas na carreira, o dicionário à direita, o caderno de significados à esquerda e o lápis à mão -- pareciam demonstrar que Lelito preparava a sua lição de latim. Mas Lelito não pensava nas Catilinárias. Na realidade, nem pensava.» José Régio, Uma Gota de Sangue A Velha Casa I (1945) § «Por um claro domingo de Julho, à hora da missa, um landau desembocava a trote no campo da Feira, em Guimarães, indo estacar em frente do palácio dos condes de Vila-Torre -- casarão envelhecido pelas chuvas e sóis de quase dois séculos, cuja frontaria de solar e convento tomava todo um lado da praça, hasteando sobre um portal enorme, de coiçoeiras denegridas, as armas nobres dos senhorios.» Carlos Malheiro Dias, Os Teles de Albergaria (1901) § «A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete, ou simplesmente o Ramalhete.» Eça de Queirós, Os Maias (1888) 

segunda-feira, julho 22, 2024

Duke Ellington, «Sophisticated Lady»

1 verso de Sebastião da Gama

«Tenho-te onde estou.» 

Pelo Sonho É que Vamos (póst., 1953)

CALAMENTO

«Era num juncal sáfaro e ruim. Com o céu imundo de nuvens, a noite adensava-se. Prometia chover. O vento e o marulho do Oceano fundiam-se num rosnar cavo e profundo. A distância, choupanas de colmo, negras e escorridas, figuravam, pelo cair da tarde, guedelhas, lanuça de maltês.» Romeu Correia, Calamento (1950) § «Logo que as cabras e as ovelhas entestaram à corte, o "Piloto" deu por findo o seu trabalho. E antes mesmo de o pastor, que lhe aproveitava os serviços, se dirigir a casa, ele meteu ao extremo da vila. Rabo entre as pernas, focinho quase raspando a terra, ia triste, cismático, como perro vadio de estrada, descoroçoado da vida. Subitamente, porém, sorveu no ar algo que lhe era conhecido. A cauda ergueu-se num ápice, formando volta que nem cabo de guarda-chuva; a cabeça levantou-se também e nela luziram os olhitos até aí amortecidos.» Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (1947) § «Naquela altura o meu pai fazia fanga e eu tinha começado a ajudá-lo no trabalho, embora pouco ou nada fizesse de proveito. Mas sempre me ia habituando, porque no campo mal a gente deita fora as fraldas -- isto é um modo de dizer, pois julgo que nunca as usei, a supor pelo que vejo nos cachopitos --, começa logo na lida, até depois de os braços e as pernas não darem jeito a mexer-se.» Alves Redol, Fanga (1943) § «Um grito encheu a cadeia. / Num sobressalto, o rapaz ergueu-se da sonolência em que jazia sobre a tarimba e foi até às grades. / Alquebrado de torpor, a princípio nada compreendeu. Viu, confusamente, os canteiros cheios de flores, as árvores e, para lá do jardim, o edifício amarelado dos Paços do Concelho.» Manuel da Fonseca, Cerromaior (1943) § «Fecharam os telhais. Com os prenúncios de Outono, as primeiras chuvas encheram de frémitos o lodaçal negro dos esteiros, e o vento agreste abriu buracos nos trapos dos garotos, num arrepio de águas e de corpos.» Soeiro Pereira Gomes, Esteiros (1941) § «Vem o Inverno e os montes pedregosos, as árvores despidas, a natureza inteira envolve-se numa grande nuvem húmida que tudo abafa e penetra.» Raul Brandão, Os Pobres (1906)

"foi desistido"

Biden não desistiu, "foi desistido", como disse com grande frescura o general Agostinho Costa, quebrando o nauseante consenso de elogio fúnebre no painel onde estava, como de costume; não sem ante corrigir o coisinho que moderava -- que não resistiu a ser saliente, antes de interromper o debate para publicidade*, retomando-se a emissão com outras coisas, ao contrário do que, nós telespectadores, esperávamos. Levantei-me e fui-me embora.

* Publicidade insuportavelmente morosa, mas ter o general Agostinho a comentar, é no que dá. As pessoas querem ouvi-lo, não especialmente para vê-lo a dar baile a muitos dos colegas de painel, mas porque se sabe que ele sabe do que está a falar -- e não apenas de questões estritamente militares.   

domingo, julho 21, 2024

o sofrimento é sempre único

A realidade ultrapassa a ficção, diz o lugar-comum., que por sê-lo, não deixa de corresponder à verdade.

Sobre os campos de concentração nazis e o terror sádico e insano que neles imperava, a documentação de todo o tipo é felizmente abundantíssima, em boa parte graças à anormalidade maníaca dos nazis em tudo registar. Apesar disso, cada testemunho é individual e irrepetível, E então tudo volta a ser novo; e o estupor causado pela insânia do mal fere-nos quase como se fosse a primeira vez.

O Fotógrafo de Mauthausen, relata-nos a história do catalão Francesc Boix (1920-1951), um dos muito exilados políticos, que após a derrota na Guerra Civil de Espanha, estiveram concentrados em campos de prisioneiros na França republicana... Milhares foram entregues aos alemães, ficando marcados como "apátridas espanhóis".

Foix que se iniciara na fotografia com o pai, e muito jovem ainda fizera registos da guerra no seu país, foi, neste campo de concentração austríaco "aproveitado" como assistente dum maníaco oficial SS que, sendo professor de artes na vida civil, tinha pretensões artísticas muito peculiares, nomeadamente a da estilização da morte: fotografava cadáveres de prisioneiros, assassinados das mais diversas maneiras, compondo depois as posições do corpo em poses, digamos, mais dramaticamente artísticas. Paul Ricken chamava-se este dejecto, que embora condenado a prisão perpétua, foi solto na década seguinte.

Um dos grandes cometimentos de Boix, foi o de, podendo dispor do acesso aos laboratórios, ter passado clandestinamente vinte mil fotografias -- das quais apenas mil se encontraram até hoje -- que provassem o delírio infernal que ali se viveu. Acresce que na própria Espanha, até há pouco, a transição imposta pelo franquismo, implicando uma esponja no passado fétido de terror e morte infligido aos derrotados, fez com que esta realidade de milhares de espanhóis presos e mortos nos campos de concentração nazis fosse assunto atirado para trás das costas, em especial o de Boix -- o único espanhol a testemunhar no Julgamento de Nuremberga --,, não fora o contributo destes autores de BD espanhóis -- Salva Rubio (argumento), Pedro J. Colombo (desenho) e Aintzane Landa -- contributo contra o esquecimento.

Voltado ao princípio: podemos julgar saber tudo; e mesmo que assim fosse, o testemunho individual do sacrifício será sempre único, intransmissível e imprescritível.  

O Fotógrafo de Mauthausen. de Salva Rubio, Pedro J. Colombo e Aintzane Landa, Lisboa, Gradiva, 2024.

Registo:

Ilíada vol. III -- A Queda de Tróia, de Clotilde Bruneaux e Pierre Taranzano;

Mussolini, de Blengino, Goy, Meloni e Brice

(nota: livros enviados pela editora).

os Estados Unidos desconjuntam-se, e parece irreversível

Há dias, um pequeno escândalo com uma jovem cantora country, a cantar embriagada o hino nacional, enquanto os jogadores de baseball levavam a mão direita ao coração -- manifestação de patrioteirismo saloio --, é apenas um dos muitos indícios de como tudo aquilo se está a desconjuntar. 

Sim, os Estados Unidos têm coisas óptimas, uma das quais é a relativização do peso da religião no conjunto da sociedade; sim, têm grandes universidades (melhor fora), estando longe de ser os únicos; têm plena liberdade de expressão, enquanto ela não for ameaçadora dos interesses instalados; têm uma pujante cultura, mesmo que ameaçada pela censura woke que campeia nos media de massas e nas universidades. 

Em suma, têm tudo o que muitos outros países possuem, e têm também coisas péssimas, para além do imperialismo de rapina, a pior das quais parece que lhe foi constitutiva; o poder do dinheiro, em que tudo se compra e vende -- a começar pelo Poder --, nada estando a salvo do instinto de rapina e ganância. 

Antes de ser-se cidadão, nos Estados Unidos é-se consumidor. As baixas do capitalismo selvagem em que aquele horror se exerce não tem limites, e estende-se a tudo. A crise do subprime de 2008 não foi mais do que a repetição da crise de 1929, em menor escala. Tudo se vende, tudo se compra; tudo se justifica para ganhar mais dinheiro, ou gastar menos. Até ao grotesco -- como a história de Ivana Trump, a primeira mulher do ex e futuro presidente, ter sido enterrada junto ao buraco n.º 1 de um campo de golfe, por razões fiscais lá muito deles

É a ganância que comanda aquela sociedade doente, com a maior população prisional do mundo, e tudo, tudo, é um alvo: os indivíduos, as famílias, as crianças. O escapismo é sempre possível para estes desgraçados: as seitas religiosas, o gangsterismo ou todo o tipo de adições, induzidas subrepticiamente ou à descarada.

Frequento diariamente um café que está sempre ligado a um desses canais de música non stop da grande indústria do entretenimento. A forma como ali os adolescentes são um alvo, em que outros adolescentes ou jovens adultos servem de isco, é algo de escabroso.

Significa isto que tenho alguma atração pelo estatismo de feição chinesa? Não. Mas dispenso os filisteus que são muito lestos a cantar hossanas à democracy na América, especialmente quando não passa de uma superpotência criminosa, como se vê com a guerra que causaram na Ucrânia -- e que já perderam, podem os ucranianos estar-lhes gratos -- ou o apoio e cobertura à acção do governo criminoso de Israel.

Serviço público: a crónica de Viriato Soromenho Marques, no Diário de Notícias  de ontem; e um áudio sobre Noam Chomsky  que me apareceu agora no YouTube, parecia que estava a adivinhar

2 versos de António Jacinto

«O meu poema nada sabe de si / nem sabe pedir» 

Poemas (1961)

O DELFIM

«Cá estou. Precisamente no mesmo quarto onde, faz hoje um ano, me instalei na minha primeira visita à aldeia e onde, com divertimento e curiosidade, fui anotando as minhas conversas com Tomás Manuel da Palma Bravo, o Engenheiro.» José Cardoso Pires, O Delfim (1968) § «Contra o seu costume, Albano viera tarde e entrara sem os cuidados tidos nas outras noites, quando queria abafar rumores; logo, porém, volvera às precauções de sempre. Era preciso que ela não desconfiasse!» Ferreira de Castro, A Tempestade (1940) § «Elói está deitado. Amanhece. Ainda não abriu os olhos, mas, embora os abrisse, nada veria; a escuridão reina dentro do quarto. Neste momento deve debater-se na impossibilidade de saber se dorme ou se está acordado. Volta, com esforço, a cabeça na almofada. Lamenta não poder ver a escuridão, porque lhe cobrem a vista novelos de claridade absurdamente negros: novelos ou passadeiras de matéria luminosa que, do que supõe o tecto, descem, pesados, para o que supõe o chão.» João Gaspar SimõesElói ou Romance numa Cabeça (1932) § «Naquela noite de Março, desabrida e húmida, uma grande animação fervilhava alacremente ao fundo da rua do Salitre. Era em 1867. Frente a frente, as Variedades e o Circo Price alinhavam os seus bicos de gás festeiros, a que as vergastadas do noroeste impunham um tremelilhar inquieto.» Abel Botelho, O Barão de Lavos (1891) § «Tinham dado onze horas no "cuco" da sala de jantar. Jorge fechou o volume de Luiz Figuier que estivera folheando devagar, estirado na velha voltaire de marroquim escuro, espreguiçou-se, bocejou e disse: / - Tu não te vais vestir, Luísa? / - Logo.» Eça de Queirós, O Primo Basílio (1878) § «Em 1815, um dos mais abastados mercadores de panos da Rua das Flores, na cidade do Porto, era o Sr. António José da Silva.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

sábado, julho 20, 2024

SEARA DE VENTO

«Rumorosa, às sacudidelas bruscas, a ventania corre livremente. Em tropel desabalado arremete contra a empena, trespassa a telha-vã. Gemendo, arrasta-se pelo interior escuro do casebre. E demora, insiste, num granido assobiado. / Seca e breve, como uma chicotada, a praga rompe dos lábios azedos da velha: / -- Raios partam este vento!» Manuel da Fonseca, Seara de Vento (1958) § «Estava ali havia um bom pedaço vindo da esquina até defronte do prédio onde ela servia, enervado de esperar tantos minutos, pois já lhe assobiara o sinal combinado e ela ainda não aparecera, nem sequer à janela, aquietando-lhe a dúvida que começava a preocupá-lo.» Alves Redol, Os Reinegros (1944/72) § «O Dr. Manuel Torres, advogado em Lisboa e professor de Ciências Sociais, a gozo de férias em Malhadas da Serra -- aldeia que lhe fora berço, tão montesinha ou tão pouco que debalde a procuravam no mapa os parasitas de errática cordialidade -- de novo distinguiu defronte, na cal da parede, a sombra de Custódia.» Aquilino Ribeiro, Volfrãmio (1944) § «As derradeiras notícias tivemo-las às dez da manhã. Trouxe-as o "Lagarto". Como havíamos previsto, a greve fora vencida.» Ferreira de Castro, O Intervalo (1936/74) § «-- Essa ceia está pronta? -- perguntou enfastiado o Serafim, cuja figura esgalgada e curva, tendo vencido o último degrau da escada, assomava oscilando à porta da cozinha.» Abel Botelho, Amanhã (1901) § «Um dia, numa floresta, ao entardecer, quando por sobre as frondes ressoavam as buzinas dos porqueiros, e lentamente na copa alta dos carvalhos se calavam as gralhas, um lenhador, um servo, de surrão de estamenha, que rijamente trabalhara no souto desde o cantar da calhandra, prendeu a machada ao cinto de couro, e, com a sua égua carregada de lenha, recolheu pelos caminhos da aldeia, ao castelo do seu Senhor.» Eça de Queirós, S. Cristóvão (C. 1891/1912)

4 versos de Luísa Dacosta

«Não sei tecer / senão espumas, / nuvens / e brumas.» 

A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

NENHUM OLHAR

«Hoje o tempo não me enganou. Não se conhece uma aragem na tarde. O ar queima, como se fosse um bafo quente de lume, e não ar simples de respirar, como se a tarde não quisesse já morrer e começasse aqui a hora do calor.» José Luís Peixoto, Nenhum Olhar (2000) § «Pelas cinco horas duma tarde invernosa de outubro, certo viajante entrou em Corgos, a pé, depois da árdua jornada que o trouxera da aldeia do Montouro, por maus caminhos, ao pavimento calcetado e seguro da vila: um homem gordo, baixo, de passo molengão; samarra com gola de raposa; chapéu escuro, de aba larga, ao velho uso; a camisa apertada, sem gravata, não desfazia no esmero geral visível em tudo, das mãos limpas à barba bem escanhoada; é verdade que as botas de meio cano vinham de todo enlameadas, mas via-se que não era hábito do viajante andar por barrocais; preocupava-o a terriça, batia os pés com impaciência no empedrado.» Carlos de Oliveira, Uma Abelha na Chuva (1953) § «Sobre a montada, subindo, devagar, a trilha pedregosa, Leonardo esmoía íntimas irritações. Não podia ser! Os galegos estragavam tudo, quer pagando quantos direitos os guardas-fiscais lhes exigiam, quer andando na calada da noite, a fazer contrabando de peles.» Ferreira de Castro, Terra Fria (1934) § «O comboio do sul parou na pequena estação sòzinha, perdida no descampado, entre grandes searas verdes já espigadas. Padre Dionísio, moço e ágil, saltou da 3.ª classe, poisou no chão a leve mala de viagem e olhou em roda, à espera que alguém se lhe dirigisse.» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica (1927) - Primeira parte - «A Provação». § «Rubicundo, pesadão de farto, o estômago bem lastrado com lombo de vinha-de-alhos, padre Jesuíno saiu a espairecer para a varanda que a aragem da serra brandamente refrescava. Manjericos e craveiros floriam dentro de velhos potes, e tão abertos, tão medrados, que do mainel transbordava para a casa e sobre o pátio uma onda álacre de primavera.» Aquilino Ribeiro, Andam Faunos pelos Bosques (1926) § «José das Dornas era um lavrador abastado, sadio e de uma feliz disposição de génio, que tudo levava a rir, mas desse rir natural, sincero e despreocupado, que lhe fazia bem, e não rir dos Demócritos, de todos os tempos -- rir céptico, forçado, desconsolador, que é mil vezes pior do que o chorar.» Júlio Dinis, As Pupilas do Senhor Reitor (1867)

sexta-feira, julho 19, 2024

Bob Seger, «Against the Wind»

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«Não sei acender um fósforo / contra o vento.»  

Nascente da Sede (2000)

quinta-feira, julho 18, 2024

MAU TEMPO NO CANAL

«--Mas não voltas tão cedo... / João Garcia garantiu que sim, que voltava. / Os olhos de Margarida tinham um lume evasivo, de esperança que serve a sua hora. Eram fundos e azuis, debaixo de arcadas fortes. Baixou-os num instante e tornou: / -- Quem sabe...?» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944) § «Pela estrada plana, que, bordejando as baterias do campo entrincheirado, liga a fortaleza de S. Julião da Barra à estação de Oeiras, seguiam naquela tarde outonal de Novembro de 35 dois vultos,  que, a distância, semelhavam, pela gentileza do garbo e interesse na conversação, par de noivos que, desejando-se solitário, houvesse buscado caminho pouco frequentado para seu passeio e íntimas confissões.»  Joaquim Paço d'ArcosAna Paula (1938) § «Manhã alta, toda vestida de azul, com os folhos brancos que o mar tecia e esfarrapava ao sabor da ondulação, a sombra escortinada na linha do horizonte ia crescendo e definindo-se em caprichoso recorte. Mais do que a terra próxima, como queriam os passageiros e a ciência náutica afirmava, dir-se-ia nuvem estática na luminosidade imperante.» Ferreira de CastroEternidade (1933) § «Era a hora de Matinas. A sineta do claustro tangia, a convocar os capitulares para o coro, quando Luciano passou da sua alcova à biblioteca, entreabrindo uma pequena porta e afastando uma massa rígida dum brocado que descia do lambrequim em pregas hirtas, adornado de eucarísticos lavores de seda e oiro.»  Manuel RibeiroA Catedral (1920) § «Ao cair de uma tarde de Dezembro, de sincero e genuíno Dezembro, chuvoso, frio, açoutado do sul e sem contrafeitos sorrisos de primavera, subiam dois viandantes a encosta de um monte por a estreita e sinuosa vereda, que pretensiosamente gozava das honras de estrada, à falta de competidora, em que melhor coubessem.» Júlio DinisA Morgadinha dos Canaviais (1868) § «Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte: / Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante da Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião da sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco, estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês.»  Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)   

mas o que quer a taralhouca da von der Leyen?

Agora, que o patifório senil Biden está a ir borda fora, a bem ou a mal (ou pelo voto), e Trump a combinar com os russos o que for do interesse dos EUA, está esta incompetente a fazer voz grossa para quem, se nem a Orbán mete medo, quanto mais a Putin? E quem encomenda o sermão a esta criatura, que age como se fosse líder da Europa, quando só parece ser líder de António Costa e do rebanho que nos representa em Bruxelas, com a excepção honrosa de João Oliveira (com Catarina Martins a Tânger Correia a absterem-se envergonhados na condenação da Hungria, que não está para ser joguete)?
Em tempo: entretanto eleita, vamos ver os contorcionismos que farão no quarteto se não quiserem imbecilmente ir para a guerra com a Rússia. Creio que o servilo-mercenarismo não irá tão longe.

3 versos de Rui Knopfli

«Chamais-me europeu? Pronto, calo-me. / Mas dentro de mim há savanas de aridez / e planuras sem fim»

O País dos Outros (1959)

AUTÓPSIA DE UM MAR DE RUÍNAS

«"Quem vem lá?, Bradou ele na direcção dos passos que chapinhavam do outro lado da morte. Do lado de lá da morte havia apenas uma sebe de bambus já mortos no escuro, e uma espécie de tumor na sombra fazia supor que uma enorme cabeça degolada andava à solta na noite.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984) § «O disco amarelo iluminou-se. Dois dos automóveis da frente aceleraram antes que o sinal vermelho aparecesse. Na passadeira de peões surgiu o desenho do homem verde. A gente que esperava começou a atravessar a rua pisando as faixas brancas pintadas na capa negra do asfalto, não há nada que menos se pareça com uma zebra, porém assim lhe chamam.» José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira (1993) § «O jardim familiar (primeira fase do abandono): montões informes de silvedo, buxo descabelado, urtigas, flores selvagens. As palmeiras de pouco porte incharam tanto que fazem pensar em anões velhos, doentes, com as suas cabeleiras, as suas folhas emaranhadas, caindo em arco até ao chão.» Carlos de Oliveira, Finisterra -- Paisagem e Povoamento (1978) § «Fato branco, engomado, luzidio, do melhor H. J. que teciam as fábricas inglesas, o senhor Balbino, com um chapéu de palha a envolver-lhe em sombra metade do corpo alto e seco, entrou na "Flor da Amazónia" mais rabioso do que nunca.» Ferreira de Castro, A Selva (1930) § «13 de Novembro. / Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste... / Uma vila encardida -- ruas desertas -- pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva -- o castelo -- restos intactos de muralha que não têm serventia: uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures.» Raul Brandão, Húmus (1917) § «Há em Lisboa um pequeno número de restaurantes ou casas de pasto [em] que sobre uma loja com feitio de taberna decente se ergue uma sobreloja com uma feição pesada e caseira de restaurante de vila sem comboios.» Fernando PessoaLivro do Desassossego por Bernardo Soares (póst., 1982)


quarta-feira, julho 17, 2024

Cat Stevens, «But I Might Die Tonight»

não ocorreram as palavras 'Ucrânia' e 'Palestina' no discurso de Montenegro,

notou Rui Tavares, padecente de antiputinismo primário e americanismo suspeito ("defender a Ucrânia!, não é?). Não fala o PM na Ucrânia, a não ser indirectamente, porque sabe que esta é um buraco onde nos deixámos meter, e de onde sairemos sempre derrotados, com ou sem guerra com a Rússia -- aliás a dimensão da derrota do Ocidente, não havendo uma guerra de destruição mútua assegurada, só irá depender da generosidade, boa-vontade e dos interesses da Rússia, se tiver uma posição mais ou menos maximalista, e também, é claro de quem for e como se comportar o interlocutor em Washington.. Só me aborrecem os cobardes que sabem isso e não o dizem. 

E não fala na Palestina, certamente por vergonha e para não desagradar aos americanos.

1 verso de José Agostinho Baptista

«depois do sol tu vinhas.»

Deste Lado Onde (1976)

terça-feira, julho 16, 2024

Takuo Yuasa, Collage über B-A-C-H: Toccata (Arvo Pärt)

o nada de Ventura replica o nada do Conselho de Estado: a Ucrânia prevalecerá, lará, lá lá?...

Parece que o tema da reunião do Conselho de Estado foi a discussão da situação da Ucrânia; parece também que muito aprofundada, segundo Ventura: «"Correu tudo bem. Acho que é importante notar que em temas essenciais temos um alargado consenso no sistema parlamentar português, como é este caso da guerra da Ucrânia", declarou o presidente do Chega»

É isto que se diz sobre a situação mais perigosa que o mundo vive desde a crise dos mísseis de Cuba, sem grande paleio porque as massas, os tais melhores dos melhores, segundo Marcelo, em tempos, estão mais interessadas na pré-época, pois então, Benfica-Celta de Vigo, etc. 

O que vale é que com a direcção política que o país tem (ver Viriato Soromenho Marques, serviço público em atraso, mas sempre a tempo), o que vale, o que vale é que para a UE, para a Nato, para o resto do mundo e também para alguns portugueses, reunir-se o Conselho de Estado ou a Academia do Bacalhau, vai dar no mesmo. Podem pois manter tudo secreto, que não há paciência para ler inanidades ou as angústias sobre a embrulhada em que se (e nos) meteram.

Ao mesmo tempo, o pária Orbán, bête-noire dos wokes, primeiro-ministro de um país de dez milhões de habitantes -- o mesmo que nós, mas sem um décimo da nossa potencial influência global, se tivéssemos estadistas e não bonecos que dizem querer derrotar a Rússia ou que a Ucrânia prevalecerá, lará, lá lá -- ao mesmo tempo Orbán diz isto, por muito que pese aos proxies de Bruxelas. 

2 versos de Camões

«Dai-me ua fúria grande e sonorosa, / E não de agreste avena ou frauta ruda»

Os Lusíadas, I-5 (1572)

segunda-feira, julho 15, 2024

a propósito de OS CANIBAIS, de Álvaro do Carvalhal

Releio Os Canibais, de Álvaro do Carvalhal (Padrela, Valpaços, 1844 - Coimbra, 1868). É um daqueles muitos cuja morte precoce, trazida pela doença, foi um desperdício -- Cesário Verde, António Nobre, José Duro; mas também Henrique Pousão e Amadeu de Sousa-Cardoso, na pintura; António Fragoso, extraordinário compositor. 

Os Canibais, que abre o volume póstumo de Contos (1868), embora seja apontada como obra-prima do gótico português, não creio que a sua sobrevivência se deva particularmente à definição como narrativa de terror, aliás bastante chocarreiro, antes aos atributos estilísticos do escritor, e um tipo de narrador intrometido, sentencioso, por vezes cheio de boa disposição, à maneira de Garrett ou sarcástico como Camilo, que certamente conhecia bem, culto e lidíssimo que era, como se comprova pelos apartes do referido narrador, por vezes com uma ironia de que não desdenhariam Machado de Assis e Eça de Queirós -- espírito crítico que transborda sem afectação ou aspereza inútil, porém frontal e assertivo, ou não estivera ele ao lado de Antero na Questão Coimbrã.  

2 versos de A. M. Pires Cabral

«Aceitará sem rancor o que o destino / quiser fazer dele.» 

Caderneta de Lembranças (2021) 

domingo, julho 14, 2024

quadrinhos


 

4 versos de Antero Abreu

«Porque o sentimento inventa / O vento / O sentimento / Mente.» 

Poesia Intermitente (1987)

serviço público

 Carlos Matos Gomes, «A Cimeira da Guerra e Duas Mulheres».

sábado, julho 13, 2024

ucraniana CCLVI - o humor involuntário da desinformação

Não obviamente as gaffes de Joe Biden, que o espectáculo informativo explora até à exaustão, mas na própria tragédia da guerra. E não estou a falar também do chamado "ataque ao hospital", um óbvio dano colateral de um alvo militar russo ou da antiaérea ucraniana -- cujo número de mortos oscilaram entre 140 e 2... Não. O que realmente me diverte mesmo é ouvir aos tontinhos que debitam o noticiário da guerra, como sucedeu ainda ontem, os "ataque a paragens de autocarro" (sic), com mísseis que custam milhões. Haverá mais nos próximos dias: "ataques" a escolas, centros comerciais, mercearias e jardins infantis...

Acham horrível, eu também. Por isso mesmo, não têm perdão os que forjaram esta guerra e nela insistem, até ao último ucraniano, como digo desde o dia um; por muito que o nosso Montenegro, em português talvez de Espinho, venha dizer que a Ucrânia prevalecerá... Está-se mesmo a ver.

Frank Sinatra, «You Go to My Head»

sexta-feira, julho 12, 2024

serviço público

Já tem quase uma semana, a crónica de Viriato Soromenho Marques, mas podia ter sido escrita há bocado -- "Um desejo colectivo de morte para o mundo".

2 versos de António Salvado

«Não há visível ou invisível... / É tudo um sonho para dizer.» 

Poesia de António Salvado (edição de Paulo Samuel, 2015)

quinta-feira, julho 11, 2024

ucraniana CCLV - ainda a "NATO"

Biden coloca a coleira a
Stoltenberg,
e leva-o a passear
Ouvir, ver, ler comentadores como Diana Soller e Isidro Morais Pereira e tantos outros, é particularmente penoso. Ao contrário de Agostinho Costa, Carlos Branco, Mendes Dias,  Tiago André Lopes e alguns mais aqueles não explicam nem contextualizam, antes justificam. 
O mote é assestar baterias à China?; industrie-se os incréus e os néscios:  

"Já todos percebemos que a Rússia depende da China para manter a guerra. A China torna-se inimigo indireto do Ocidente", diz Soller; "A China tem servido de interposto para fornecer componentes de fabrico na Rússia" - e a prova disso foi o ataque ao hospital pediátrico em Kiev", sustenta Isidro. Não vi, nem ouvi, bastou-me ler as gordas. A questão não está em saber do grau de envolvimento da China; qualquer um com dois dedos de testa chega lá.  Estarem ali eles ou os pivôs da Praça da Alegria ou da Roda da Sorte, acaba por não fazer diferença.

Em tempo: visto e ouvido há pouco Agostinho Costa e circunstantes. Jesus.

4 versos de Carlos de Oliveira

«Emigração / Homens para o que vier. / Carne da selva, / carne de aluguer.»

Turismo (1942)

quarta-feira, julho 10, 2024

Thelonious Monk, «Sweet and Lovely»

pertencer à NATO, na condição de bonifrate

Portugal está na área de influência de uma potência imperial a que não se pode eximir dada a situação geográfica. A Geografia condiciona tudo, a começar pela História, e ambas representam noventa por cento ou mais da política externa de um país com as nossas características. Daí que, dê por onde der, as relações atlânticas, e em especial com os Estados Unidos, devam ser sempre uma prioridade da nossa política externa.

Estar na área de influência de uma superpotência significa que quase toda a acção exterior deva atender a esse factor, sob pena de a mesma potência nos vir dizer o que devemos e o que podemos fazer. É assim que as coisas funcionam, como deveria saber qualquer aluno de História, Geografia, Direito, Filosofia e Ciência Política, Relações Internacionais e por aí abaixo.

Mas, como tenho dito, na minha qualidade de simples observador, um país como Portugal -- com uma população igual à da Hungria, mas com uma capacidade potencial de influência global incomparavelmente maior, deveria saber tirar partido das suas enormes capacidades, em benefício da Humanidade comum, especialmente neste momento de guerra, por enquanto indirecta, entre os Estados Unidos e a Rússia.

Portugal na NATO. Desde a intervenção na Sérvia, no início do século, de que resultou uma desgraçada ficção política chamada Kosovo, que a Aliança Atlântica deixou de ser, de facto, uma aliança defensiva. Com a guerra na Ucrânia passou a aliança ofensiva, por interposto actor, o governo fantoche ucraniano, não menos fantoche que o bielorrusso. É da natureza das coisas. 

Os fantoches e as fantochadas não se ficam pelo troupe de Zelensky, do nosso lado. Bonifrates dos americanos foram despudoradamente Luís Amado e José Sócrates na questão do Kosovo; títeres foram Augusto Santos Silva e António Costa naquela farsa do Guaidò, na Venezuela -- aliás deixando a comunidade portuguesa à mercê dos humores pouco recomendáveis de um palhacito como Maduro --; robertos de feira caduca, o mesmo Costa e Gomes Cravinho; marionetas são Rangel e Nuno Melo sob a tutela de Montenegro, agora. Deles nada se pode esperar (ficaria agradavelmente surpreendido se fosse diferente) e, portanto, riscarem alguma coisa como seria esperar como governantes deste país, que apesar de não parecer, não é um país qualquer, é algo que não podemos esperar -- ou seja: estamos nas mãos dos outros, aguardando pacientemente as ordens que nos forem dadas.  

 

2 versos de Alberto de Lacerda

 «Os pés à vista de ti / inda mais se me toldavam;» 

77 Poemas (1955)

terça-feira, julho 09, 2024

quadrinhos

fonte

 

a Procuradora e o, à data, Primeiro

Ainda não vi a entrevista toda da PGR, Lucília Gago. Sem nenhuma ilusão sobre os desmandos de alguns elementos do Ministério Público -- a divulgação das escutas a Costa na véspera de poder ser escolhido para a presidência do Conselho Europeu é um exemplo flagrante da vigarice que por lá pára --, também tenho a convicção de que o mesmo Costa só se demitiu porque presidia a um governo que era um lugar mal frequentado, uma vergonha cheia de casos dúbios e menos dúbios que atingiam ministros, secretários-de-estado, altos dirigentes. E se eu não tenho razões para duvidar da honestidade de António Costa, já quanto à sabedoria política para além das mercearias, foi o que se viu, e o  ais que se verá na cozinha de Bruxelas.

4 versos de Armando Taborda

«Nuvens / desfeitas pelo vento / exangues de morte / lentas» 

Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1996)

segunda-feira, julho 08, 2024

ucraniana CCLIV - o passeio de Orbán e o hospital pediátrico

Já vêm os cadelos do costume falar de "um novo tipo de mensagem" que a Rússia quer enviar á Ucrânia, com a aparente tragédia do hospital pediátrico, como se a Rússia precisasse de o fazer, como se ela não soubesse que as hienas e os papagaios do costume não se apressassem a atribuir mais estas intenções demoníacas e bárbaras à Rússia, julgando estes estúpidos que as pessoas são tão estúpidas como um americano da administração Biden, ou tão servis e rastejantes como uma qualquer marioneta da UE.

Por falar nisso, marionetas de marionetas, como Michel e Borrell, apressaram-se a desautorizar Orbán na sua viagem Kiev-Moscovo-Pequim, como se o húngaro precisasse da autorização deles, como se fosse uma espécie de primeiro-ministro português... Que estúpida, imbecil e criminosa é esta escumalha. 

2 versos de António Jacinto

«E eu a querer, a querer a Maria / e ela sem se dar» 

Poemas (1961)

domingo, julho 07, 2024

Duke Ellington & Jimmy Blanton, «Pitter Panther Patter»

4 versos de Camões

«Cale-se de Alexandre e de Trajano / A fama das vitórias que tiveram, / Que eu canto o peito ilustre lusitano, / A quem Neptuno e Marte obedeceram;»

Os Lusíadas, I-3 (1572)

sábado, julho 06, 2024

Pepe e Ronaldo

Pepe, 41 anos, é um exemplo de força, raça, querer e dedicação. Brilhantíssimo, sê-lo-ia sempre mesmo que aquela falha contra a Eslovénia tivesse dado golo e eliminação; Cristiano Ronaldo, 39 anos, já é só um grande craque, mas as alegrias que nos deu como fora-de-série entre os fora-de-série, por Júpiter!, ficarão para sempre.



Bob Seger, «Long Twin Silver Line»

3 versos de Cesário Verde

«Quando eu via, invejoso, mas sem queixas, / Pousarem borboletas doudejantes / Nas tuas formosíssimas madeixas,» 

O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

sexta-feira, julho 05, 2024

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«há casas atravessadas / por um dom luminoso e feroz»

Nascente da Sede (2000)

quinta-feira, julho 04, 2024

Cat Stevens, «Miles from Nowhere»

3 versos de Manuel Bandeira

«Urra o sapo-boi: / -- "Meu pai foi rei" -- "Foi!" / "Não foi! -- "Foi!" -- "Não foi!"»

Berimbau e Outros Poemas

quadrinhos


 

quarta-feira, julho 03, 2024

3 versos de Dick Hard

«Treinos de captação / de futebol feminino / no Coina» 

De Boas Erecções Está o Inferno Cheio (2004)

terça-feira, julho 02, 2024

Frank Sinatra, «I've Got a Crush on You»

Franco Charais, o militar de Abril que mandou libertar os presos de Caxias,

cagando-se para o Spínola, li aqui, através de mão amiga. Descubro agora a sua pintura, muito pessoal e interessantíssima, alguma inspirada em motivos africanos rupestres, certamente informada pelas missões em África durante a Guerra Colonial, mas também de feição surrealizante, de que deixo alguns exemplos, tirados da net.





150 portugueses: 61-65

61. Duarte Pacheco Pereira (Lisboa, 1460-1533). Navegador, escritor, cosmógrafo, geógrafo, guerreiro, fidalgo da Coroa, há indícios de que chegado ao Brasil antes de Cabral. No Esmeraldo de Situ Orbis (1505), título misterioso e objecto de diversas interpretações, consagra por antecipação o "vi claramente visto" de Camões: «a experiencia he a madre das cousas por ella soubemos rradicalmente a verdade» -- ou  a face solar dos Descobrimentos. 

62. Fernão de Magalhães (1480-1521). O seu nome -- um dos muitos sinónimos para a palavra audácia --, baptizou duas galáxias, as Nuvens de Magalhães. Provou, em troca da vida, que a Terra é redonda.

63. Gil Vicente (c. 1465 - c. 1536). Digno pai do teatro português, pois usou do seu apurado espírito crítico para pôr em cena o drama do mundo. Se é o mesmo Gil Vicente da Custódia de Belém, o mestre foi duas vezes genial.

64. D. João IV (1604-1656). Duque de Bragança, trineto de D. Manuel I -- na verdade, as quatro dinastias foram apenas uma --, relutou antes de encabeçar a Restauração da Coroa ( reino continuara a existir na chamada Monarquia Dual). Depois, uma saga militar e diplomática que comandou. É um relevante compositor.

65. Luís de Camões (1524 -1580). Ano de centenário, o V. Li a alguém, há dias (creio que numa entrevista de Francisco José Viegas a Frederico Lourenço), qualquer coisa como isto: o leitor jovem rende-se ao lírico; mas o épico acaba por voltar, com força. Talvez seja o que me está a acontecer. De qualquer forma, Camões, grande Camões...

4 versos de José Régio

«Tinha um Deus; e cria então / Que o homem é de Deus. /Procuro hoje, em vão, a vã consolação / De os meus vícios serem meus...» 

As Encruzilhadas de Deus (1936)

segunda-feira, julho 01, 2024

Thelonious Monk, «Little Rootie Tootie»

A obra-prima


 

2 versos de A. M. Pires Cabral

«É assim o granito: perdurar / está-lhe na massa do sangue»

Caderneta de Lembranças (2021)

domingo, junho 30, 2024

Duke Ellington & Jimmy Blanton, «Mr. J.B. Blues»

1 verso de Carlos Queirós

«De mais ninguém, senão de ti, preciso:» 

Desaparecido (1935)

caracteres móveis X - NÓ CEGO

«Finalmente veio a ordem desejada, murmurada no passa-palavra, da frente para a retagurada da companhia de comandos: / -- Parar para almoçar, meia hora, a última equipa monta segurança. Os homens pararam. Alguns, mais cansados, sentaram-se imediatamente, outros ainda procuraram árvores para aproveitarem a sombra e o encosto dos troncos.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983) § «Do que eu gostava mais no Jardim Zoológico era do rinque de patinagem sob as árvores e do professor preto muito direito a deslizar para trás no cimento em elipses vagarosas sem mover um músculo sequer, rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas, que, se falassem, possuíam vozes tão de gaze como as que nos aeroportos anunciam a partida dos aviões, sílabas de algodão que se dissolvem nos ouvidos à maneira de fins de rebuçado na concha da língua.» António Lobo Antunes, Os Cus de Judas (1979) § «Com os remos a chapejarem surdamente, cautelosos como os dos ladrões, nas proas um ruído fino, menor ainda que o dos botos cortando a tona da águas, as canoas meteram a terra.» Ferreira de Castro, O Instinto Supremo (1968) § «A luz amarela do candeeiro de petróleo espalhava-se sobre o pano de ramagens que cobria a mesa. A cara dos homens estava na meia sombra, por cima do quebra-luz. Eram quatro à volta da mesa. Estavam calados, com a atenção concentrada nas cartas de jogo que um deles, de costas voltadas para a porta que dava para a estrada, talhava com gestos vagarosos, aparentando serenidade. Mas era tão visível o esforço que fazia para se mostrar sereno que os companheiros trocaram rápidos olhares.» Castro Soromenho, Terra Morta (1949) § «A raça dos Visigodos, conquistadora das Espanhas, subjugara toda a Península havia mais de um século.» Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

sábado, junho 29, 2024

a arte de começar - VIÚVAS DE VIVOS

«Escolhera o mestre do barco aquela noite negra, para que a Lua não assistisse à largada. Também não compareceram as estrelas, com grande contentamento do velho João Frade, posto lhes quisesse muito, mas no alto, em plena derrota, para conversar com elas  sobre coisas noutros tempos acontecidas, já que sem idade para sonhar com vida nova.»

Viúvas de Vivos (1947), de Joaquim Lagoeiro (1918-2011), aborda o tema das mulheres que ficavam anos sem ver os maridos, emigrados para a América do Norte, como outrora sucedia com as companheiras dos navegadores.

O título do romance é bastante expressivo, pois é viúva de vivo quem tem marido demasiado longe de si, na emigração, na guerra ou noutras situações extremas -- e sem perspectivas de reencontro a breve trecho.

A frase inicial transmite uma atmosfera carregada de ilicitude, de clandestinidade: há um barco que partirá de noite, tão de breu que nem a Lua poderá assistir à largada, situação reforçada a seguir com a referência às estrelas, que nessa noite não se vislumbravam.

Outra sensação que podemos colher deste incipit, trazida por uma informação objectiva que nos é dada pelo narrador, é a de que algo com um certo grau de grandeza irá ocorrer, uma vez que o "velho João Frade" é um lobo do mar, um capitão de longo curso, pois trata-se de alguém que costuma falar com as estrelas, certamente para confirmar se a rota está a ser seguida à risca.

Mas é no fim do parágrafo que o leitor fica ciente de que a emigração é um tópico central do romance -- a emigração e as suas decorrências na vida social e mental de quem a sofre, de quem parte e quem fica, ideia que percebemos bem a partir do título: João Frade já vivera tempo demasiado para que pudesse permitir-se «sonhar com vida nova.» 

Emigração clandestina e abandono das mulheres (e dos filhos) é pois o que nos dá, sem grande margem para dúvidas, título e parágrafo inicial deste belo romance, que segue por aí fora, contando-nos mais das mulheres que por cá ficaram do que dos homens que saíram, pois nelas está o foco; mas umas e outros aparecem-nos na narrativa como vítimas duma terra madrasta e medíocre, com o circuito a fechar-se no explicit, o fim da narrativa.

O tempo histórico não é referido, mas percebe-se contemporâneo, até por algumas alusões de modernidade: automóveis, um médico de visão progressiva, além do padre, a farejar o Vaticano II, ainda duas décadas à frente, personagem deliciosa a fazer lembrar a bonomia austera do senhor reitor do Júlio Dinis.

O espaço é indefinido. À medida que a narrativa avança, com alusões que poderiam referir-se a uma vasta área do litoral norte -- e digo norte, pois as festas sob a égide de determinados santos concorrem para fornecer mais dados ao leitor familiarizado com esse folguedo -- o lugar vai-se precisando, embora nunca nomeado: a aldeia de Veiros, concelho de Estarreja, terra-natal do autor.

Parece outro tempo, outro mundo, mas foi ainda ontem.

serviço público - também para o Costa, agora investido em novas funções, deixar de ser papagaio de palermas

 Viriato Soromenho Marques, "O que pensa a Rússia"

2 versos de Miguel Barbosa

«tudo o que se possa pensar / já foi pensamento socrático» 

Um Mensalão É Urgente no Meu País (2014)

sexta-feira, junho 28, 2024

quinta-feira, junho 27, 2024

2 versos de Mário de Sá-Carneiro

 «Tombei... / E fico só esmagado sobre mim...»

Dispersão (1914)