sexta-feira, fevereiro 28, 2025

ucraniana CCLXXXIV - Zelensky esqueceu-se de que era o moço de fretes dos Estados Unidos

Não foi bonito, mas foi muito bem feito, e lembrou-me de quando o Zelensky tinha encontros com estes patéticos dirigentes europeus, ou era recebido nos seus parlamentos, e  se achava à vontade para dar reprimendas aos anfitriões. Pois não era ele o moço de fretes dos Estados Unidos?

Não sei se ele caiu numa armadilha, nem me interessa. Fartos do presidente ucraniano, Vance disse-lhe o óbvio: era o tempo da diplomacia -- essa mesma diplomacia que Biden não autorizou que prosseguisse na Turquia. Pois não era o objectivo daqueles idiotas infligir uma "derrota estratégica" à Rússia? Era. E Zelensky, como moço de fretes, obedeceu, secundado pelos lacaios da UE.

E Trump disse a verdade àquele aldrabão/incompetente/inconsciente (riscar o que não interessa): quer ele estava a brincar à III Guerra Mundial. Ou já se esqueceram dos pedidos/exigências da no fly zone, que poria a Nato em guerra directa com a Rússia? Esta foi uma das primeiras das muitas brincadeiras de Zelensky.

Carlos Branco num dos seus textos, classificou Zelensky como um instrumento da administração Biden; eu chamo-lhe o mesmo, sem carícias: moço de fretes. 

O frete deixou de ser preciso, e Zelensky ou assina ou assina -- caso contrário é deixado à sua sorte. De qualquer modo, o destino da Ucrânia está traçado, graças à inteligentíssima estratégia de Biden e dos idiotas da UE, com a activissima colaboração do Zelensky: um país amputado e controlado pela Rússia, ou amputado pela Rússia e o remanescente subjugado pelos Estados Unidos. Brilhante!

A União Europeia cacareja. E a verdade é que não pode fazer outra coisa -- não por estar desarmada, mas pelo que tenho referido: não é um país ou uma federação. Países com interesses diferentes não podem ter uma política externa comum. Mas isto fica para depois.

e a propósito da USAid, alguém voltou a ouvir falar dos lutadores pela liberdade e democracy na Geórgia? Não?...

Falta-lhes o subsílio (como diz o povo) da benemérita USAid, que parece financiava também ópera transgénero na Colômbia, que deve ser uma coisa maravilhosa de se ver e ouvir.

Nobel da Inclusão para o Joe Biden, já!

-- Ah, mas o gajo é o porco que queria provocar uma derrota estratégica à Rússia, até ao último ucraniano...

- E isso que interessa?!... 

(Nota: é possível que a USAid tenha actividades meritórias. Não sei, não fui ver. Na verdade, estou-me nas tintas.)

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«Quando falas / uma brisa furtiva povoa a casa» 

Nascente da Sede (2000)

quinta-feira, fevereiro 27, 2025

Crosby, Stills, Nash & Young, «Déjà Vu»

oh, o PCP e as autárquicas em Lisboa...

Mas por que diabo iria o PCP aliar-se em Lisboa com os amigos do Zelensky -- o mesmo é dizer -- o homem da nato em Kiev, estúpida e imbecilmente apoiado entre nós, do Chega ao Bloco, sempre às ordens e de cu para o ar? Só se não tivesse coluna vertebral... Digo eu, que voto onde me apetece, e ainda não tenho candidato em Cascais.

E lá se vai também outra oportunidade para fazer de Junho o mês arco-íris em Lisboa (o grande projecto do Livre, quando fez caminho  com Medina). Pobre Lisboa, pobres sardinhas, pobres varinas de outrora, pobres duendes... 

Mal por mal, antes o Moedas, vigiado pelo CDS, é claro.

4 versos de Fernando Namora

«Na varanda do vizinho / todas as manhãs / canta / a rola da minha infância.»  

«Canto», Marketing (1969)

quarta-feira, fevereiro 26, 2025

os interesses permanentes de Portugal situam-se no Atlântico e na Ibéria, não na Europa Oriental, nomeadamente na Ucrânia -- ou seja:

Agora que parece avizinhar-se o fim da Guerra da Ucrânia, através da previsível entente entre os Estados Unidos e a Rússia, convém lembrar a políticos loquazes como Marcelo Rebelo de Sousa (e aos papagaios do comentário, se tivessem vergonha e competência) que os interesses permanentes de Portugal e o seu espaço geopolítico principal são o Atlântico e a Ibéria -- esquematicamente: Estados Unidos (mais do que a Inglaterra, por razões óbvias), a Espanha, estado multinacional, e os países da CPLP. A Ucrânia para Portugal, país que assinalará os seus 900 anos em 1128 (Batalha de S. Mamede -- e não em 1143, como pretendem para aí uns chungas) -- para Portugal, a Ucrânia representa aproximadamente zero. Bem sei que já não estamos no Século XIX, mas a História e a Geografia continuam -- e de que maneira.

É claro que não podemos ignorar que somos um país europeu e que pertencemos à União Europeia. Esta (ainda) é uma extraordinária construção política, e é também uma associação de estados independentes com interesses próprios, por vezes conflituantes. Não é uma confederação, e muito menos uma federação. E também já vi o seu fim mais longe.

Há, na União Europeia quem queira a guerra com a Rússia (coitados). Se os bálticos, os finlandeses, os escandinavos ou os polacos, por razões e medos históricos querem guerra, eles que a façam; se a França quer tirar desforço por estar a perder posições em África por causa da Rússia, ela que se enterre sozinha, que a nós não nos interessa nada. O perigo islamita radical, larvar mas real no Magrebe, tanto é combatido por franceses como por russos, estes talvez o façam até melhor, e pelo menos não têm contra si o pó dos antigos países colonizados  


bonecos


3 versos de Rui Knopfli

«Amo-te cidade da infância, / com girassóis e casas de madeira e zinco / a dormir na neblina da memória.» 

«Carta para um amor», O País dos Outros (1959)

estampanços


André Carrilho, Fado



 

terça-feira, fevereiro 25, 2025

vária

«Sem boas estradas não se pode fazer a guerra, tão grande é a influência que o motor exerce nesta luta devastadora e gigantesca. Se a gasolina desaparecesse, a guerra não poderia continuar. Faltava-lhe o camion, e sem camions não há, no nosso tempo, possibilidade de alimentar exércitos com rapidez.» Adelino Mendes, «A cidade d'Albert», (A Capital, 29-III-1917), Repórteres e Reportagens de Primeira Página (s.d.)

«Só tenho pena de não me restar o tempo necessário para ver em que tudo isso vai dar. Bem que gostaria. / Oitenta anos vividos intensa, ardentemente, de face para a vida, em plenitude. Minha criação romanesca decorre da intimidade, da cumplicidade com o povo. Aprendi com o povo e com a vida, sou um escritor e não um literato, em verdade sou um obá -- em língua iorubá da Bahia obá significa ministro, velho, sábio: sábio da sabedoria do povo.» Jorge Amado, Navegação de Cabotagem (1992)

«E os olhos delas perecem dizer-me: "Recordas-te", trémulos, querendo falar... Disse-me um dia Henri Heine, prosseguindo no meu espírito esta identificação perturbadora, entre as floritas mudas e a alma errante dos mortos que nos foram caros: "Os perfumes, meu filho, são os sentimentos das flores. Assim como as emoções do coração são mais profundas de noite, se estamos sós e sem testemunhas, assim as flores parecem esperar que escureça, para no espaço exalarem seus perfumes, almas nostálgicas de noivas!, numa fantástica ronda de divagações emotivas."» Fialho de Almeida, «Pelos Campos», O País das Uvas (1893)

atrasos de vida

Desde o início da guerra entre os EUA e a Rússia na Ucrânia que muito se tem falado em Munique '38 e o nefasto apaziguamento de Hitler, que se verificava já pelo menos desde 1936, com a reocupação do Ruhr. A equiparação é fácil de entender, Putin o novo Hitler, e, claro, associando-lhe características idiossincráticas e ideológicas do estafermo austríaco: insânia, espaço vital, superioridade rácica e todo o folclore, para sugestionar simplórios. Que pivôs feitos jornalistas à pressão ou uns quantos pobres de Cristo do direito ou das relações internacionais o digam, ao fim de três anos de estupidez começa a ser tradicional; que historiadores de meia-tigela venham com comparações fáceis mas erradas, é uma nódoa de que não poderão limpar-se. 

(Lembram-me outros historiadores que no seu activismo se esqueceram de que o eram,  contestando a palavra/expressão Descobrimentos para designar uma parte fundamental das navegações e expansão portuguesas. Que estúpidos...)

Mas... -- há sempre um mas. Se enquanto vigorar a Nato, um ataque, por exemplo, aos países do Báltico ou à Polónia seria suicidário (e para quê, o ataque?...), não se segue que, no momento, presente Estónia, Letónia e Lituânia, com uma forte minoria de nacionais russos entre a sua população (num dos países, quase chega aos 50%), não devam ter em atenção o tipo de política que a estes é dirigida, e não fazer como na Ucrânia, perseguição, proibição, massacre até -- sem dúvida o que levou as autoridades russas a falarem com merecido desprezo da necessidade de desnazificação. (Também há para lá nazis, embora os propagandistas de cá digam que não). 

Ontem ouvi o major-general Agostinho Costa referir-se a este pormaior; e seria bom que estes mini-estados resistissem à tentação fácil. Se é a guerra que eles querem -- como se fartam de gritar -- começá-la será facílimo. Imitem a Ucrânia. Destas provocações, sim, é preciso ter medo. 

4 versos de Valter Hugo Mãe

«agora eu era linda outra vez / e tu existias e merecíamos / noite inteira um tão grande / amor» 

O Resto da Minha Alegria (2003)

domingo, fevereiro 23, 2025

Nat Adderley, «Tadd»

ucraniana CCLXXXIII - a crise profunda e talvez irreversível da UE

Que a opinião pública, desenquadrada e alheia da complexidade das questões estratégicas e diplomáticas se deixasse levar como uma criança por onde um forte arsenal de propaganda de serviços secretos, ong's dissimuladas e utilização da incompetência me(r)diática a dirigia foi compreensível, pelo menos ao princípio, pois com desenvolvimento a que se assistiu qualquer bípede com dois dedos de testa percebeu que não se tratava de uma guerra da Rússia com a Ucrânia, mas entre aquela e os Estados Unidos (a minha cadela já o tinha compreendido ao fim de seis meses). Inaceitável é a incompetência e indigência de boa parte dos académicos, ou a excessiva prudência de alguns deles, mesmo sabendo que ao princípio não era nada fácil furar a barragem de fogo propagandístico que era lançada até ao absurdo.

O que assistimos agora na Europa é não apenas negação e cobardia dos grandes países, em especial França e Inglaterra, para não falar na cúpula da UE -- a Polónia mostra-se apesar de tudo mais realista, enquanto que os Países Bálticos, no seu pavor patológico, não desistiram ainda de nos arrastar para uma guerra com a Rússia. (Há que ter calma, que a Nato ainda não acabou; e só acreditarei no seu fim depois de ver.) 

Para já, o plano dos americanos é deixar-nos, europeus, com o menino nos braços e fazer-se pagar (um outro nome para pilhagem) da "ajuda" à Ucrânia, como dizem os jornalistas analfabetos. Uma win-win-win situation: levam-lhe a guerra e destruição (com cumplicidades internas e europeias, claro), sacam-lhe boa parte das terras raras e aposto como ainda terão parte de leão no reerguer do país.  

As viagens da semana que começa de Macron e Starmer aos Estados Unidos e de Sánchez e ainda von der Leyen e Costa à Ucrânia (porquê?, o que vão lá fazer? com mandato de quem?... Vai ser cómico ouvi-los.) serão muito esclarecedoras. A UE, sim, está em risco, por demissionismo de boa parte dos governos europeus que levou ao extravasar de competências da Comissão Europeia.  

Algumas desta reflexões foram suscitadas pelo esplêndido artigo do major-general Carlos Branco

«Boots of Spanish Leather» (Trevor Willmott & Juliana Richer Daily)

sábado, fevereiro 22, 2025

o que aconteceu

«Agora deitem Vossorias consultas e digam-me: quem tudo lo manda no concelho? Quem? O doutor Alípio, o filho da Ruça da Folgosela, com porta aberta aos marchantes na feira de S. Mateus. Quem recolhe boas novidades? O pele-de-asno do Bisagra com umas barreiras rabosanas, donde não valia a pena enxotar a milheira, quando ainda o mundo não andava torto.» Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas (1922)

«Oh! moços que vos dirigíeis vivamente a S. Carlos, atabafados em paletós caros onde alvejava a gravata de soirée! Oh! tipóias, apinhadas de andaluzas, batendo galhardamente para os touros quantas vezes me fizestes suspirar! Porque a certeza de que os meus vinte mil réis por mês e o meu jeito encolhido de enguiço, me excluíam para sempre dessas alegrias sociais, vinha-me então ferir o peito -- como uma frecha que se crava num tronco, e fica muito tempo vibrando!» Eça de Queirós, O Mandarim (1880)

«À saída da aldeia, recuou estarrecido. Vira um fantasma branco a destacar das trevas, e agachado na raiz dum castanheiro. / -- Ó Zé da Mónica, és tu? -- perguntou o suspeito fantasma. / -- Sou eu, tia Brites -- respondeu o rapaz suspirando ofegante. / Credo! Que medo você me fez!» Camilo Castelo Branco, Maria Moisés (1876-77) 

sexta-feira, fevereiro 21, 2025

Paredes toda a semana: «Verdes Anos»

2 versos de Camões

 «Já no largo Oceano navegavam, / As inquietas ondas apartando;»

Os Lusíadas I-19 (1572)

quinta-feira, fevereiro 20, 2025

Paredes toda a semana: «Variações em Ré Maior»

ucraniana CCLXXXIII - da política europeia na guerra da Ucrânia

Durante a administração Biden, a União Europeia fez o que a América mandou; na administração Trump, a União Europeia fará o que a América mandar e o que a Rússia autorizar.

4 versos de Sebastião da Gama

«Que não há rio nem rua nem montanha / nem floresta nem prado nem jardim / nem pensamento algum nem livro algum / em que não me apareças, sorridente.» 

«Obsessão», Pelo Sonho É que Vamos (póst. 1953)

quarta-feira, fevereiro 19, 2025

Django Reinhardt, «Night and Day» (Paris, 10.03. 1953)

ucraniana CCLXXXII - quando os fariseus choram pelo fim do Direito Internacional

Em cada hipócrita há um detestável vigarista. Ler e ouvir lamentações pelo "fim" do Direito Internacional e a prevalência do direito do mais forte, vinda de criaturas que se marimbaram para o assalto ao Iraque (quando não o apoiaram...), esses mesmos indivíduos que falam dos nossos valores, mas, em muitos casos, não tugem nem mugem quando os delinquentes do governo israelita massacram indiscriminadamente, em vindicta de contorno veterobíblica, a população inteira da Faixa de Gaza -- ler e ouvi-los sem os insultar é tarefa impossível.

ucraniana CCLXXXI - quando o pseudo-jornalismo é ao mesmo tempo tendencioso, desonesto e ignorante

Está aqui na TSF, podia ser o Público, e a imprensa quase toda. Depois de resumirem as declarações do Trump, o redactor introduz um período da sua lavra, para explicar aos mentecaptos que o lêem que ele, Trump, está a trumpar, está a mentir. Leia-se:  

«[,,,] "Hoje ouvi dizer 'não fomos convidados'. Bem, vocês [Ucrânia] estão lá há três anos. Deviam ter acabado com isto há três anos. Nunca o deviam ter começado", disse Trump sobre o conflito na Ucrânia. / A guerra foi desencadeada pela Rússia que invadiu o país em fevereiro de 2022.» (sublinhado meu)

E o pior é que este incompetente e analfabeto (ou analfabeta) provavelmente acha que está a ser honesto, que foi realmente assim, mesmo que, deixando a deontologia pelas ruas da amargura, sinta a necessidade de meter o bedelho na matéria noticiosa -- um pouco como aqueles inomináveis pivôs, que, após declarações de um convidado que diga algo diferente das convicções do criaturo, rematam com um aparte discordante a declaração que o seu convidado acabava de fazer, tendo assim -- malcriadamente e desrespeitando também os telespectadores -- a última palavra...  

Nada disto é novo, e no que respeita à guerra da Ucrânia (entre a Rússia e os Estados Unidos, q.e.d.) há três anos que estamos a aguentar esta pocilga informativa.

2 versos de Dick Hard

 «Pau Pau / Beijo Beijo»

«História breve de meretriz que trocava favores sexuais por sanduíches de queijo» /

/ De Boas Erecções Está o Inferno Cheio (2004)

Paredes toda a semana: «Sede»

terça-feira, fevereiro 18, 2025

o que está a acontecer

«Pastas sobre pastas de nuvens álgidas, que a noite transforma em crepes, amontoam-se na escuridão. O granito revê água. E sob a chuva ininterrupta, sob as cordas incessantes, a vila, envolta na treva glacial, parece lavada em lágrimas...» Raul Brandão, A Farsa (1903)

«Avançava cautelosamente, inclinando a cabeça para não tocar no tecto. À medida que se aproximava da claridade exterior, via-se que se tratava de um homem novo. O polícia sabia a sua idade exacta. Mas não era necessário ler o papel que o polícia trazia no bolso: Januário de Sousa, filho de Ana Maria e de pai incógnito, etc.; bastava deitar o rabo do olho à sua pele morena, lisa e macia, que nem a água passada a ferro na popa dos barcos, para se ver que ele não tinha mais de vinte anos, apesar de os seus olhos parecerem exaustos por não se sabia quantas madrugadas do princípio do mundo.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954)

«Seu avô, aquele gordíssimo e riquíssimo Jacinto a quem chamavam em Lisboa "o D. Galeão", descendo uma tarde pela Travessa da Trabuqueta, rente de um muro de quintal que uma parreira toldava, escorregou numa casca de laranja e desabou no lajedo. Da portinha da horta saía nesse momento um homem moreno, escanhoado, de grosso casaco de baetão verde e botas altas de picador, que, galhofando e com uma força fácil, levantou o enorme Jacinto -- até lhe apanhou a bengala de castão de ouro que rolara para o lixo.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póst., 1901)

Paredes toda a semana: «Mudar de Vida»

segunda-feira, fevereiro 17, 2025

por aí


Gérard Castello-Lopes
Algarve, 1957

 

Paredes toda a semana: «Dança da Aldeia»

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«as veias dos mapas  são fundas / como minas abandonadas» 

Nascente da Sede (2000)

sábado, fevereiro 15, 2025

o que vai acontecer

«E uma ideia nasceu no cérebro velho do pastor esfaimado. Tosas as ovelhas eram iguais, feitas por Deus: então, porque baliam as suas de fome e as do vizinho de fartura? E não achava resposta boa para mistério tamanho. Não pensava em si, na sua fome; se os homens eram também iguais, por as ter a todos feito o mesmo Deus, não sabia ele, nem isso o preocupava.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1948)

«A lavadeira voltou para a realidade ao meter as mãos na água. O Inverno só agora começava e o riacho gelara já nalguns sítios. O frio, excitado como um animal selvagem que se apanha finalmente à solta, rasgava-lhe a pele e mordia-lhe os ossos. Escurecia, mas a Alice não podia parar. A roupa era muita.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)

«Parece que há duas sortes de vocação, as que têm língua e as que a não têm. As primeiras realizam-se; as últimas representam uma luta constante e estéril entre o impulso interior e a ausência de um modo de comunicação com os homens. Romão era destas.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)

King Oliver, c/ Louis Armstrong, «I'm Going Away To Wear You Off My Mind»

ucraniana CCLXXX - o telefonema de 7 minutos de Trump a Zelensky e o 'jornalismo' doloso

Se o jornalismo era já uma actividade pouco prestigiada e prestigiante, não obstante a percentagem reduzida de grandes profissionais que sempre se verificou existir, é já uma banalidade referir o quão fétida e cadaverosa está uma actividade que deveria ser nobre, mas que se degrada e prostitui todos os dias, a todas as horas. Ainda hoje ouvi um rui qualquer do Expresso, que pouco mais deve saber do que contar até dez a evolucionar verbalmente sobre a Conferência de Munique... 

No que respeita à guerra da Ucrânia os exemplos de incompetência e principalmente ignorância são diários -- e estou a referir-me apenas a jornalistas, dos pivôs, quase todos uma desgraça, aos patéticos enviados especiais.

Mas há subtilezas que mostram a má-fé e o propósito de confundir e esconder. Por exemplo: os já célebres telefonemas de Trump a Zelensky. Nessa madrugada ouvi num canal, que neste momento não posso jurar qual tenha sido (muito zapping tenho feito nos últimos dias), que amalgamava os dois telefonemas, referindo-se à duração de hora e meia. No fim, ficara com uma estranha sensação de que Trump falara longamente com ambos, achando estranho a coincidência da duração idêntica de ambos, a tal hora e meia, foi assim que a coisa ficou a pairar. Às vezes há coincidências... Foi preciso, no dia seguinte, ouvir Agostinho Costa, para ficar a saber que de facto, a conversa com Putin durara noventa minutos, enquanto Zelensky foi despachado em sete-minutos-sete.

É risível? Quase, mas não há aqui nenhuma novidade. Estes três anos de guerra não se caracterizam apenas pela manipulação da informação que as partes fazem, mas da activa participação nesse renegar do jornalismo sério em que tem participado uma extensa parte dos profissionais, todos os dias e a todas as horas.

sexta-feira, fevereiro 14, 2025

4 versos de Luísa Dacosta

«Só o voo dos meus olhos / te persegue / e tenta / trazer-te até mim.» 

«Tentativa», A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

quinta-feira, fevereiro 13, 2025

Dieter Fischer-Dieskau com Coro de Câmara dos Países-Baixos, «Arbeiterchor» (Liszt)

ucraniana CCLXXIX - o amigo americano

O amigo americano da Ucrânia usou-a primeiro para impor uma "derrota estratégica" à Rússia. Serviu-se para isso, não apenas dos neo-nazis da terra, como dos fantoches europeus que fizeram o que o amigo lhes mandou fazer. Com a provocação à Rússia conseguiram um país destruído, milhares de mortos e amputação de uma parte do território (tudo isto tem o que se lhe diga). Para compensar tanta ajuda, o novo amigo americano decide ser reembolsado. É ou não é um génio, o Zelensky? Os vigaristas e os analfabetos que por cá comentam acham que sim.

Entretanto, nunca esta crise me deu tanta vontade de rir ao ouvir o secretário-de-estado da Defesa na reunião da Nato. Não tive a ventura de ver as carinhas dos ministros presentes, a começar pela do nosso, que nesta questão da Ucrânia foi sempre um atraso de vida, para não destoar.

Vi também o horrífico eunuco que está como sec-geral da Nato a ameaçar ameaçadoramente Putin, que se atacasse um país da Nato a resposta seria esmagadora, etc. Ora se há uma coisa que Putin não tem é estupidez e cretinismo, Se ele joga xadrez, este patetas nem o chinquilho.

No entanto, percebe-se que há alguns que não vão largar o osso e continuar a hostilização da Rússia à espera que mude a maré. Parece, porém, que esta amizade se estenderá, depois de Trump a Vance, sem esquecer o que se desenha por essa Europa. Mas isso já é outra história.

quarta-feira, fevereiro 12, 2025

2 versos de José Régio

«Procurei fugir de mim, / Mas sei que sou meu exclusivo fim.» 

««Poema do silêncio», As Encruzilhadas de Deus (1936)

terça-feira, fevereiro 11, 2025

Peter Gabriel, «San Jacinto»

o que está a acontecer

«A luz, ao entrar, varreu os pontos que o ralo projectava ali, uns pontos brancos aglomerados no jeito das cavidades dos favos e que constituíam a única luminosidade existente lá dentro quando a porta se encontrava fechada. / Dois bancos laterais corriam de um extremo a outro, no interior da furgoneta. Um homem levantou-se e começou a andar em direcção à porta.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954)

«-- Ai que ma levam!, ai que ma levam! / Uma nuvem desce da serra: arrastam-se rolos pelas encostas pedregosas e depois as baforadas espessas abafam de todo a vila. E noite, cerração compacta, névoa e granito formam um todo homogéneo para construírem um imenso e esfarrapado burgo de pedra e sonho.» Raul Brandão, A Farsa (1903) 

«A sua quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo Douro, cobriam uma serra. Entre o Tua e o Tinhela, por cinco fartas léguas, todo o torrão lhe pagava foro. E cerrados pinheirais seus negrejavam desde Agra até ao mar de Âncora. Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, n.º 202.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póst., 1901)

e que tal darem a medalha devida a Angela Carini?

Refiro-me à atleta italiana a quem os guardiães do manicómio no COI arrebataram a medalha olímpica para darem a esta belíssima moçoila. Direitos humanos, não é, ó palermas? Levam (levamos todos) agora com o Trump e os mais que se avizinham. Obrigadinhos...

2 versos de Alberto de Lacerda

«Na noite, na chuva, sem ti, / sou apenas o ritmo que diz o teu nome.» 

«Depois de teres partido», 77 Poemas (1955)


segunda-feira, fevereiro 10, 2025

a autobiografia de Eric Hobsbawm - .I impressões gerais

Terminei há pouco a leitura da autobiografia de Eric Hobsbawm (1917-2012), Tempos Interessantes -- Uma Vida no Século XX (2002). Nascido em Alexandria, filhos de um judeu inglês e de uma judia austríaca, a infância e adolescência decorrem na Viena pós-imperial, terminando na Alemanha hitleriana, onde se torna jovem comunista, e da qual se desterra para o seu país, a Inglaterra, onde tinha família que só então conhece, pouco depois da ascensão nazi.

Hobsbawm foi um dos grandes historiadores do seu tempo, aliando a análise marxista de base a um espírito simultaneamente crítico e criativo e não-dogmático. Pertencem-lhe ou desenvolveu conceitos como o da dupla revolução (Revolução Industrial e Revolução Francesa), "invenção da tradição", "o longo século XIX" (1789-1914) ou o "curto século XX" (1914-1991), nas suas obras mais emblemáticas: A Era das Revoluções: Europa 1789-1848 (1962), A Era do Capital: 1848-1875 (1975), A Era dos Impérios (1875-1914) (1987) e A Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991)  (1994). Foi também pela atracção pela cultura popular e pelo ethos dos marginais que escreve a esplêndida História Social do Jazz (1959) ou  Bandidos (1969), entre outros títulos.

Nestas memórias assume erros de avaliação, como observador-historiador e como político-intelectual. Crítico acérrimo do estalinismo, mas sem nunca cair na apologia do capitalismo ou inflectir para a direita, como sucedeu com tantos intelectuais, à medida que a leitura se desenrola estamos sempre à espera que ele anuncie a sua desvinculação do Partido Comunista da Grã-Bretanha, ao qual aderiu em meados da década de 1930: por exemplo, a tomada de Budapeste pelas tropas do Pacto de Varsóvia, em 1956 (que entre nós está na origem do abandono do PCP por Mário Dionísio). Quando verificamos que ele se mantém no PCGB -- a seu modo, é claro, e como intelectual de espírito objectivo -- por ocasião da Primavera de Praga e a repressão da liderança de Dubcek e do seu "comunismo de rosto humano", percebemos que ele nunca abandonará o Partido -- com maiúscula. No fundo, é o partido que se extingue (em 1991) com ele lá dentro. Percebe-se: velho comunista, renegar o partido seria, na minha interpretação, renegar-se a si próprio e ao trajecto em que consolidou o seu edifício historiográfico: mantendo-se marxista, mantém-se no Partido Comunista, no entanto com outra distensão, diferente da do jovem militante dos anos 30 a 50. Percebe-se também que se sente atraído pelo eurocomunismo de Berlinguer, criando fortes laços com o PCI, nomeadamente com Giorgio Napolitano, intelectual que viria a ser Presidente da República já neste século.

O meu desapontamento prende-se com ausência de referências a Portugal -- apenas duas, uma das quais certeiríssima, ao caracterizá-lo, num parênteses de um capítulo sobre a Espanha, como um "país enclausurado". Não aparecer o 25 de Abril e a revolução que se lhe segue é lastimável (nessa altura andava por outras paragens, mas ainda assim). Não aparece Cunhal, para o qual suponho não tivesse já grande paciência, mas duvido que não se entusiasmasse com Vasco Gonçalves e muito provavelmente com a Reforma Agrária. Há referências indirectas à Guiné Portuguesa e aos "criminosos da Unita"; o Brasil, com um pouco mais de sorte: Prestes, Kubitschek, Niemeyer e principalmente Lula, com quem priva, deliciado com a ascensão do PT. Também não aparecem os escritores, como os comunistas mais internacionalizados, Jorge Amado ou José Saramago, já Nobel e, pela igual ausência, parece que já não terá dado pelo Pessoa do Livro do Desassossego, cujas primeiras traduções na língua inglesa datam de 1991.

Judeu nascido no dealbar do seu short century, meio inglês-meio austríaco, e no olho do furacão nazi quando o extermínio começava, comunista num irrelevante PCGB, historiador assumidamente marxista e de largo alcance, excepto para lá da Cortina de Ferro, onde só foi traduzido na Hungria (sem esquecer a Iugoslávia, outra realidade, em esloveno), noutro post farei uma recolha de frases destes Tempos Interessantes. 

(ver também aqui, Hobsbawm a propósito de Louis Armstrong)


duplo elogio a Pedro Nuno Santos, entre a falsa esquerda 'woke' e os cães-de-guarda do capital

Já me impacientei com ele, agora duplamente o elogio.

O primeiro, a propósito da suas mais do que sensatas declarações a propósito da emigração. Não me pronunciei logo, porque a circunstância de haver um desgraçado sem escrúpulos chamado André Ventura que está a subir na vida à custa da boçalidade primária ou do oportunismo dos portugueses, coibiu-me de o fazer. E, no fundo, fiz mal. Assuntos sérios -- reais ou percepcionados -- não podem ser deixados nem à pseudo-direita avinhada nem â falsa esquerda wokeE se há um problema real ou inventado que os venturas cavalgam, é obrigação de toda a esquerda decente e inteligente de o não deixar à mercê dos oportunistas incendiários de serviço.

Quando Pedro Nuno Santos, mais ou menos inabilmente, se referiu na preservação dos nossos valores culturais, eu li-o uma chamada de atenção para a precária situação das mulheres na maior parte do mundo islâmico -- 'maior parte', pois ainda agora vemos como tudo é bem diferente por exemplo entre os muçulmanos ismaelitas. Assim sendo, fez o líder do PS muito bem em elevar a fasquia para os parâmetros ocidentais at large (Portugal e a sua realidade de violência doméstica é um país subdesenvolvido do Ocidente). A suposta esquerda woke -- a começar pela que mina o PS -- caiu-lhe em cima. Em nome dos seus absurdos padrões duplos de manicómio, convive bem com a domesticação das mulheres islâmicas -- e portanto, lá teve Santos de arcar com o lixo ideológico do costume.

Agora, parece que terá falado em salvaguardar as pensões dos portugueses da economia de casino, dos fundos de investimento e de toda essa panóplia de alavancas da ganância, para choque dos azeiteiros do costume. 

Quando alguém se diz de esquerda, convém dizer coisas de esquerda. Uma delas é o da defesa das mulheres e da necessidade da sua igualdade intrínseca -- se possível contra os neo-fachos woke; a outra é mostrar repugnância pela 'economia de casino' que é uma economia de bordel, em que se movem muito bem todas as traficâncias, e cuja defesa tem também os seus rafeiros a ladrar na praça pública. 

 

2 versos de Rui Knopfli

«A minha infância é um cão malhado. / Chama-se Foxie  e ladra aos passantes.» 

«Tempo morto», O País dos Outros (1959)

domingo, fevereiro 09, 2025

«Hot House» (Charlie Parker & Dizzy Gillespie)

alhures

«"Apesar do que, e tal como está e se encontra -- com a grande mó partida e a erva a crescer por entre os tijolos da plataforma -- declara o Sr. Daudet achar o dito moinho de acordo com as suas conveniências e capaz de servir para os seus trabalhos de poesia, pelo que o aceita com todos os riscos e perigos e sem nenhum recurso contra o vendedor no tocante às reparações de que porventura careça.» Alphonse Daudet, «Prólogo», Cartas do Meu Moinho (1869) - trad. Fernanda Pinto Rodrigues

«São fabricadas por um taumaturgo que habita um continente longínquo; agora já está velho e sofre de arteriosclerose. O pobre homem aborrece-se e cada vez se torna menos ágil. / Vejo-me obrigado a dizer-te adeus...» Félix Cucurrul, «Carta de despedida», Antologia do Conto Moderno - trad. Manuel de Seabra

«Pela tarde, Gertrude Stein e eu costumávamos ir à caça de antiguidades nas lojas locais e eu lembro-me de uma vez lhe perguntar se ela pensava que eu me havia de tornar um escritor. No seu modo tipicamente crítico que tanto nos encantava, respondeu "Não". Tomei isso como um assentimento e zarpei para Itália no dia seguinte.» Woody Allen, «Memórias dos anos vinte», Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - trad. Jorge Leitão Ramos

sábado, fevereiro 08, 2025

o que está a acontecer,

«O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival. / No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando por colina e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava grão e plantava cepa em tempos de el-rei D. Dinis.» Eça de Queirós, As Cidades e as Serras (1901)

«O próprio gato, depois de ter brincado algum tempo à roda das saias da dona -- "Sape-gato, já me arranhaste!" -- pulou de leve para o lar da chaminé, e dorme agora enroscado na auréola de calor do fogareiro. / Há quantas horas dura a tarefa? Deram as onze na Sé, depois no relógio aguitarrado da casa de entrada, e as duas mãos param um instante na toalha branca, sob o comando da reflexão.» José Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso (1960)

«O polícia, que vinha sentado junto do motorista, chupou, quatro vezes seguidas, a ponta mungida do cigarro, atirou-a fora -- e desceu. Sentindo os olhares despejados lá de cima, que davam maior vaidade ao seus gestos, ladeou a furgoneta e, atrás, abriu a porta, que era chapeada e sólida como a de um cofre.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954) 

sexta-feira, fevereiro 07, 2025

Byron Stripling, feat. Kenny Davern, «If I Could Be with You»

quando os sionistas se tornam muito parecidos com os nazis, só lhe faltando o fornozinho crematório para acomodar os palestinos

Os governantes israelitas (e quem os elege) são não só miseráveis, como dão razão a quantos acham que Israel não deve existir. Se é para isto não deve mesmo existir.

Uma coisa os bandidos que governam Israel já conseguiram demonstrar: aquilo não é um país, mas, como bem escreveu Carlos Matos Gomes (cito de memória), não passa de uma poderosa guarnição destaca do Império.

Eu, que tanto aprecio o povo judeu, que os considero uma das grandes vítimas da História, que a sua expulsão de Portugal -- desumana e cruel, assim como a perseguição maniáca aos cristãos-novo -- um dos mais graves erros (e crimes) da história de Portugal; que considero o Holocausto como um crime incomparável na sua maldade assumida na história contemporânea -- ao contrário dos patetas que equipara os crimes do stalinismo aos do nazismo -- deixei de ter qualquer simpatia por Israel. Ao contrário, só me causa horror e repulsa.

Quem dera que aquela porcaria de estado acabasse, ficando só as livres comunidades dos kibutz.  

4 versos de José Alberto Oliveira

«Riscadas a esferográfica preta / as frases de que vivia, quase sem graça, / como se a literatura / fosse a alma de quem as procura.» 

«A parábola dos cegos», O que Vai Acontecer? (1997)

'como és belo, meu Portugal'

O Chega... Nada deste lixo surpreende -- ao contrário, só espanta que a imprensa tenha levado tanto tempo a raspar-lhe o sarro, depois de eleitos 50 deputados 50. É um manancial que já não vai largar. Até a recaptura dos dois assassinos a monte ficou para segundo plano. Mas, repito: alguém se admira de dar com isto e o que mais houver?

quinta-feira, fevereiro 06, 2025

estampanços


Dave Bullock

 

um dia bom para as mulheres e para os feministas

Se alguém se disser feminista e defender ao mesmo tempo que é aceitável transexuais competirem com mulheres no desporto, ou é uma fraude ou está alienado.

(Eu sei que é chato estar a elogiar o Trump quando ele tira da cartola a Riviera de Gaza, uma trumpice; mas nunca esqueçamos que o massacre dos palestinos e a pulsão genocida foi toda articulada na administração Biden, com as falinhas mansas desse extraordinário democrata e humanista que todos conhecemos.)

Voltando ao manicómio: não me canso de falar no caso infame do roubo do título olímpico a uma boxeuse italiana -- das coisas mais degradantes e revoltantes a que assisti na minha vida --, incluindo a retratação pública a que ela se sentiu obrigada. Mas já é tempo de denunciar e desmascarar todas as mentiras, e as estratégias de vitimização, relativização e intimidação woke.

Mentiras chapadas quando chamam "mulheres" e "meninas" a transexuais, como este patético e nauseabundo título do Globo, jornal de tradição progressista, como se sabe...; quando se relativiza sempre com o número exíguo das pessoas em causa -- tão exíguo que até ganham medalhas olímpicas, para desânimo das mulheres que com eles têm de competir --; ou quando vêm com a historieta dos "direitos humanos", ou usam do poder mediático de que dispõem para cilindrar quem se lhes opõe. O que vi naquele "combate", entre o desespero da mulher e a sua retratação, foi um treinador com medo, a tentar justificar a sua atleta, e sem palavras para articular algo a respeito da insanidade onde ambos haviam sido metidos, receando naturalmente pela carreira de treinado e pela da sua atleta.

Em suma: um escarro que tem a conivência não só dos cobardes como daqueles que acham que há coisas mais importantes pelas quais lutar. Mas não há: a injustiça, quando atinge um, atinge todos. E manifesta-se quando famílias são chacinadas num kibutz, quando um povo é massacrado num território, e sempre, quando um indivíduo é cilindrado por qualquer tipo de mundividência, por norma absurda e anormal, nesta altura gozando da conivência dos estados. Não há assuntos menores quando a dignidade e a justiça são comprometidas. 

2 versos de José Emílio-Nelson

«Um fio de mar, parece-me, inclinava a terra / num poço de luz silenciosa.» 

O Anjo Relicário (1999)

quarta-feira, fevereiro 05, 2025

a Rússia e a Europa Ocidental

Leio no jornal mais um artigo medíocre e cheio de lugares-comuns dum especialista qualquer em relações internacionais e matérias conexas (parece que se reproduzem em viveiros, tantos são). Com argúcia de marrão (ou marrona), sustenta que a Europa nos últimos anos se pôs nas mãos de uma potência hostil. Entre a desonestidade e a debilidade intelectuais, convém dizer que a Rússia era tudo menos hostil à UE, até ao momento em que esta passou a portar-se como rafeiro amestrado dos Estados Unidos. Estes, obviamente (está-lhes na natureza pioneira do oeste selvagem), à cooperação preferiram o domínio -- e os resultados estão aí. Putin referiu-se com justificado desprezo aos líderes europeus como cães-de-guarda da América -- e já nem a palavra vassalos utiliza, socorrendo-se antes da imagem do animal doméstico que abana a cauda e se senta aos pés do dono.

Isto para dizer que a Europa deve tratar da sua defesa, etc. Esquecem-se, porém, de referir a necessidade que há em modificar a arquitectura institucional europeia com redefinição de poderes de acordo com legitimidades democráticas, o que, a 27, é virtualmente impossível, pois os países têm os seus interesses próprios, que muitas vezes não são coincidentes, quando não resultam conflituantes. Como sabem disso mesmo, o que dizem e escrevem estes especialistas de trazer por casa? Nada. Fazem de conta que se esquecem ou que o problema não existe.

Tudo isto, que nos levou ao ponto a que chegámos, está mais do que documentado e é sabido pelos verdadeiros historiadores e intelectuais impolutos; não vale a pena gastar latim com estas nulidades, que só serviram para ajudar a condicionar a opinião pública, que, no entanto, não é completamente cega. A situação teria tudo para piorar, continuasse a política dos neocons na Casa Branca, e iria correr mal (ou ainda pior) para o nosso lado. A crise política, económica e institucional na UE ainda agora está a começar -- e se o intento de Putin foi o de desmantelá-la, está a consegui-lo, paulatinamente. No entanto, o fantoche da Casa Branca foi substituído por Trump, que virou tudo de pernas para o ar -- para já, com uma diplomacia inenarrável e perigosamente divertida (nunca a política internacional, que me lembre esteve tão sísmica desde a implosão da União Soviética) -- o que sairá daqui, para além da divisão do planeta por áreas de influência -- ninguém sabe.

Voltando ao início: não sabemos que União Europeia vai sobrar à medida que os nacionalismos forem ganhando poder. Ficaria admirado se a UE tivesse em si as lideranças com determinação e coragem de arrepiar caminho. Para já, vamos continuar, em Bruxelas, Estrasburgo, em diversas capitais, como até aqui, e com a maioria dos paupérrimos colunistas e comentadores a insistir em banalidades e análise (de) sebenta.

 

terça-feira, fevereiro 04, 2025

1 verso de José Régio

 «Soube, afinal, que de mim próprio é que sou rico.» 

«Evasão», As Encruzilhadas de Deus (1936)

Maria Teresa Horta (1937-2025) uma aristocrata do espírito que pairou sobre as elites que não prestam e um povo embrutecido que ela gostaria de ver elevar-se


 
Poeta do amor, do corpo, do sexo, foi uma das pasionarias da nossa literatura, num país que nem sequer teve a categoria de honrar-se dando-lhe o mais que merecido e justificado Prémio Camões. Uma das nossas grandes escritoras, como a sua tetravó, a Marquesa de Alorna, extraordinária mulher, como o foi a sua descendente, grande poeta que recebia no seu salão Bocage e Alexandre Herculano. A obra de Maria Teresa Horta aí está, para a História e para o Futuro -- de que faz parte um dos melhores e maiores livros de toda a nossa literatura, as Novas Cartas Portuguesas, escrito com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa.

diários

{1/2/1969] .../... «Segundo a Regina, as virtudes que tenho têm mesmo raízes viciosas:  tolerância por fraqueza, interesse pela arte, por vaidade e coisas assim. Não digo que aconteça isso com todas as ditas virtudes; mas com algumas deve ser verdade. Chega.» Vergílio Ferreira, Conta-Corrente 1 (1969-1976) (1980)

[6/6/1948] .../... «É precisamente essa Democracia de que somos servidores e discípulos. / Daí a tristeza de ver Eduardo Benes desaparecer, para sempre, do Mundo que ele tanto amou, roubando-se ao universo sensível um dos espíritos luminosos que mais trabalhou e se sacrificou pelo progresso e desenvolvimento material e espiritual do homem e da sociedade.» Vasco da Gama Fernandes, Jornal (1955) 

[14/8/1961] .../... «À procura da resposta, desci esta manhã a vertente triunfal dos Campos Elísios e, acotovelando-me entre os perfis erectos da mulher parisiense e o cosmopolitismo berrante dos visitantes estivais, cheguei ao fim da perspectiva, a belíssima Praça da Concórdia -- primitiva Place Neuve e depois Praça da Revolução, onde, no cesto da guilhotina, caíram as cabeças de Maria Antonieta e de Carlota Corday.» António de Cértima, Doce França (1963)

segunda-feira, fevereiro 03, 2025

Bruce Springsteen, «Sherry Darling»

3 versos de José Pascoal

«Passam aves rapaces sobre palavras / De todos os sentidos, aparecem / Linces nos longos dedos do desejo.» 

«A margem de erro», Sob Este Título (2017)

domingo, fevereiro 02, 2025

«Para machucar meu coração» (Ney Matogrosso & Leo Gandelman)

o que está a acontecer

«A furgoneta deteve-se. Era nova, blindada, de um escuro brilhante, quase negro. A banda esquerda dir-se-ia feita de uma só placa, inteiramente lisa; na outra havia um ralo, pequeno e redondo, que filtrava o ar de todas as más tentações, como os crivos, no fundo dos lavatórios, libertam a água suja de todos os elementos obstrutores.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954)

«Alvas de neve e cuidadosamente dobradas, vão-se empilhando na mesa as peças dum minúsculo enxoval. / Duas mãos ternas e jeitosas, vermelhas e antes do tempo deformadas, passeiam as roupinhas húmidas do borrifo, alisam-nas, empunham de novo o ferro que muitos anos de uso poliram: são elas, em toda a casa, o único sinal de vida.» José Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso (1960)

«O rapaz magro esteve um momento raspando o chão com a bengala -- e foi andando devagar ao comprido da plataforma. Reparara agora no rapaz do campo, que supunha ia a Lisboa embarcar para o Brasil: e, sensibilizado pela face tão desolada da velha, ia pensando que o Emigrante seria um motivo tocante de poesia social: daria quadros de cor rica -- os vastos azuis do mar contemplados duma amurada de paquete, as noites saudosas, longe, numa fazenda do Brasil, quando a lua é muito clara e os engenhos estão calados; e aqui no casebre da aldeia, os pais chorando à lareira e esperando os correios...» Eça de Queirós, A Capital (1877/1925)

sábado, fevereiro 01, 2025

estampanços


Frank Frazetta, Tarzan em Luta com Numa o Leão