quinta-feira, outubro 17, 2024

o que vai acontecer

«Manel Libório vivia em casa de bom conchego, rodeado de família. Melo Bichão dormia quase na rua e apenas tinha um filho amalucado. Manel Libório e o seu rebanho passavam vida farta. Melo Bichão, o filho e as suas sete ovelhas curtiam fome como danados. E ambos eram criaturas de Deus, naturais de Sequeiros.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1949)

«Que velho malandro não era aquele respeitável senhor que lhe dava sempre a roupa suja de bâton? E quem melhor do que ela sabia que o senhor Sousa, um dos banqueiros mais reputados do país, estava, apesar das festas e do luxo, completamente arruinado? Bastava olhar para as meias e camisas passajadas.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)

«Mestre Romão é o nome familiar; e dizer familiar e público era a mesma cousa em tal matéria e naquele tempo. "Quem rege a missa é mestre Romão", -- equivalia a esta outra forma de anúncio, anos depois: "Entra em cena o ator João Caetano"; -- ou então: "O ator Martinho cantará uma de suas melhores árias". Era o tempero certo, o chamariz delicado e popular.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Já longe do corgo, a assomar entre duas chãs, o caminho da Seitosa, recto e plaino, muito puído das bestas e dos carros, convidava-o. E outra vez estacou indeciso: vou? Não vou?
À mão direita ficava o lugar, com os filhos a dormir o sono dos justos e a sua Rita, deitada em cão de espingarda, as costas em aduela num torpor de enfermo, fungando como realejo velho pela boca sem dentes; pràs bandas de poente, embaciadas do luar, estava a Zefa, com braços que se enroscavam como serpentes, e o peito a tremer que nem a torre de Santo Antão quando dobram os sinos.»
Aquilino Ribeiro, "Terras do Demo". Romance. (1919)