quinta-feira, fevereiro 02, 2023

antologia improvável #487 - Cecília Meireles

 NOITE


Húmido gosto de terra,

cheiro de pedra lavada,

-- tempo inseguro do tempo! --

sombra do flanco da serra, 

nua e fria, sem mais nada.


Brilho de areias pisadas,

sabor de folhas mordidas.

-- lábio da voz sem ventura! --

suspiro das madrugadas

sem coisas acontecidas


A noite abria a frescura

dos campos todos molhados

-- sozinha, com seu perfume! --

preparando a flor mais pura

com ares de todos os lados.


Bem que a vida estava quieta.

Mas passava o pensamento...

de onde vinha aquela música?

E era uma nuvem repleta,

entre as estrelas e o vento.


Viagem (1938) / Antologia Poética (1963)

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